Autor: Chen Zijin
Data de Publicação: 2014
Tradutora:China Tongue Joana
ÍNDICE
Deste ponto de vista, uma escadaria de seis a sete metros de largura estendia-se até ao topo da montanha. De um lado do caminho havia uma fileira de grossas muralhas, que dizem ter sido construídas pelo pequeno governo da dinastia Ming do Sul. Originalmente muito altas, as muralhas foram em grande parte destruídas ao longo de centenas de anos de intempéries. Nos últimos anos, uma empresa de desenvolvimento restaurou as muralhas, tornando-as mais largas e robustas, com uma altura que alcança apenas a cintura de uma pessoa, servindo como corrimão para os turistas que sobem a montanha.
Toda essa área é conhecida como Três Montanhas e é a montanha mais famosa da cidade de Ning. Antigamente era uma fortaleza militar, mas hoje é uma área turística.
Hoje é a primeira quarta-feira de julho, nem um feriado nem uma alta temporada de turismo, então os turistas são poucos e distantes entre si. Zhang Dongsheng escolheu este dia específico para levar os sogros deles para passear na montanha.
— Pai, mãe, vamos descansar um pouco na plataforma no meio da montanha — disse Zhang Dongsheng, carregando uma mochila de alpinismo e com uma máquina fotográfica pendurada no pescoço, cuidando pacientemente dos sogros. Para qualquer um, ele parecia o genro ideal.
Logo, eles chegaram a uma plataforma no meio da montanha, com uma área de cinco a seis campos de basquetebol. Os três ficaram sob a sombra de uma árvore na parte externa da plataforma, olhando para a vasta paisagem à distância.
A sogra respirou profundamente o ar fresco, parecendo muito satisfeita com o passeio de hoje:
— Já fazia tempo que eu queria vir às Três Montanhas. Ouvi dizer que nos feriados fica lotado, no Dia do Trabalhador e no Dia Nacional mal dá para se mover. Sorte a nossa que Dongsheng é professor e tem férias de verão, então não precisamos vir nos feriados. Olhe só, hoje não tem quase ninguém aqui!
Zhang Dongsheng olhou ao redor. Era um dia de semana e quase não havia turistas. Apenas os três estavam na plataforma, com algumas lojas de souvenirs atrás deles e alguns turistas a comer e a refrescarem-se a cerca de trinta metros de distância. Havia também uma pequena cabana com três crianças que pareciam estar no ensino básico, a brincar entre si.
Ninguém estava a prestar atenção neles.
— Pai, mãe, tomem um pouco de água — disse Zhang Dongsheng, colocando a mochila no chão e tirando dois cantis, que entregou aos sogros. Em seguida, acrescentou: — Pai, a paisagem aqui é muito bonita. Que tal vocês dois tirarem uma fotografia juntos?
Os sogros, seguindo a sugestão do genro, posaram juntos fazendo o clássico gesto da tesoura com os dedos. Zhang Dongsheng ajustou a máquina fotográfica, depois a baixou e sugeriu:
— A muralha atrás de vocês está a bloquear a vista. Que tal vocês se sentarem nela? Assim eu posso tirar a fotografia com o céu ao fundo, o que vai ficar muito melhor.
O sogro, um pouco contrariado, respondeu:
— Pode tirar a fotografia assim mesmo, não gosto muito de fotografias. — Embora ele dissesse isso, não queria desagradar o genro e, vendo a empolgação da esposa, acabou indo até à muralha.
A muralha, que não chegava à cintura e era muito larga, era um local popular para os turistas se sentarem e tirarem fotografias. O sogro sentou-se com facilidade, com a esposa ao seu lado segurando o seu braço. Zhang Dongsheng sorriu para eles, ajustou a máquina fotográfica novamente e, depois de algumas tentativas, aproximou-se mais, dizendo:
— Pai, mãe, fiquem um pouco mais próximos, mais íntimos.
O sogro, desconfortável, respondeu:
— Pode tirar a fotografia assim mesmo. — A sogra, no entanto, seguiu as instruções do genro, segurando o braço do marido com mais firmeza.
Naquele momento, Zhang Dongsheng olhou ao redor mais uma vez. Não havia ninguém na plataforma, e os poucos turistas distantes não estavam a prestar atenção neles. As três crianças na cabana continuavam a brincar entre si.
Ele havia planeado por quase um ano para esse momento!
Ainda sorrindo, ele ajustou a posição dos sogros. De repente, as suas mãos agarraram os pés de ambos, levantando-os com força e empurrando-os para fora da muralha. Num instante, os dois caíram como bonecos, soltando longos gritos que logo se transformaram em ecos.
Depois, Zhang Dongsheng ficou paralisado por alguns segundos, debruçou-se rapidamente sobre a muralha e olhou para baixo, gritando tardiamente:
— Pai! Mãe! Pai! Mãe!
Não houve resposta.
Era uma altura fatal.
Ele então correu em direção às lojas de souvenirs, gritando por socorro. Os turistas, ouvindo o barulho, correram até ele, perguntando o que havia acontecido.
Com uma expressão de pânico, ele implorou por ajuda:
— Salvem-nos! Os meus sogros caíram!
Ninguém poderia imaginar que isso não foi um acidente, mas um assassinato.
Zhang Dongsheng esboçou um sorriso frio. Ele havia planeado esse momento por quase um ano. Esse era o crime perfeito. Nenhum método de assassinato bizarro poderia se comparar a um "acidente" tão natural. Entre milhares de acidentes que ocorrem todos os anos, talvez alguns não sejam realmente acidentais, mas assassinatos. Porém, a verdade jamais seria conhecida.
A Universidade de Zhejiang já estava de férias. A movimentada universidade da semana passada estava agora bastante tranquila.
Hoje, o orientador de doutoramento do departamento de matemática, Yan Liang, regressou ao seu escritório após uma conferência académica. Já era meio-dia, e ele chamou dois doutorandos, um homem e uma mulher, que estavam a corrigir provas para ele, e levou-os para almoçar.
Ao sair pelo portão da universidade, Yan Liang tirou o telemóvel da pasta. Como estava desligado durante a conferência, ele ligou-o para verificar se havia alguma mensagem. Assim que ligou o aparelho, ele recebeu várias notificações de chamadas perdidas, todas de Xu Jing, além de uma mensagem dela:
— Tio Yan, se vir esta mensagem, por favor, ligue-me o mais rápido possível.
Yan Liang franziu a testa. Não sabia o que havia acontecido, mas a mensagem parecia urgente. O pai de Xu Jing era primo de Yan Liang e ex-director do departamento de tabaco da Cidade Ning, agora aposentado. Xu Jing era sobrinha de Yan Liang. Embora a relação não fosse tão próxima, quando Xu Jing frequentou na Universidade de Zhejiang, Yan Liang, como tio, cuidou dela, e as famílias tornaram-se mais próximas. Além disso, o marido de Xu Jing, Zhang Dongsheng, era aluno de Yan Liang e um dos seus melhores estudantes. Naquela época, foi quando Xu Jing o procurou que conheceu Zhang Dongsheng, e eles apaixonaram-se rapidamente, casando-se logo após a licenciatura. Pode-se dizer que Yan Liang não era apenas tio de Xu Jing, mas também o cupido do casamento deles.
Sempre que pensava em Zhang Dongsheng, Yan Liang suspirava. Ele havia ensinado muitos alunos de licenciatura, mas Zhang Dongsheng era um dos poucos que ele realmente lembrava. Zhang Dongsheng tinha talento para lógica matemática, e Yan Liang tinha grandes expectativas para ele.
Antes da licenciatura, Zhang Dongsheng teve a oportunidade de fazer doutoramento directo, e Yan Liang estava disposto a ser seu orientador. No entanto, Zhang Dongsheng surpreendentemente recusou a oferta e decidiu procurar emprego. Yan Liang conversou com ele várias vezes, sugerindo que ele continuasse os estudos. Mas Zhang Dongsheng explicou que vinha de uma família rural e que as condições da sua família eram difíceis. Estes anos todos tinha estudado com empréstimos e queria começar a trabalhar cedo para aliviar o stresse. Além disso, ele e Xu Jing estavam a preparar-se para casar, o que tornava inconveniente continuar a estudar. Pouco depois, Xu Jing voltou para Cidade Ning e, com a ajuda de contactos familiares, conseguiu um emprego na empresa de tabaco, enquanto Zhang Dongsheng conseguiu uma posição como professor de matemática numa escola secundária.
Pensando na mensagem de Xu Jing, Yan Liang estava prestes a retornar a chamada quando o doutorando ao seu lado exclamou:
— Ah, um idoso caiu ali!
Yan Liang interrompeu a chamada e correu com eles até ao local.
No canto do passeio, uma senhora estava caída, com sangue nas mãos e joelhos, segurando os tornozelos e gemendo de dor.
Sem hesitar, Yan Liang estava prestes a ajudá-la, mas o estudante segurou-o:
— Professor Yan, espere um momento!
— Esperar o quê?
O estudante, cauteloso, sussurrou:
— Actualmente, muitos idosos fingem quedas para extorquir dinheiro. Já vi várias notícias sobre isso. Se ajudar, ela pode dizer que foi o senhor quem a derrubou e exigir dinheiro. Vai ser difícil provar o contrário.
A estudante também concordou:
— É verdade. Melhor não se envolver.
A senhora, ouvindo a conversa, abriu um olho e olhou para eles, estendendo uma mão trémula:
— Ajudem-me... ajudem-me a levantar. Eu caí sozinha.
O estudante permaneceu imóvel, segurando Yan Liang. Yan Liang, indeciso, hesitou. Afinal, ele também já havia ouvido muitas histórias sobre idosos fingindo quedas. Nesse momento, um homem de meia-idade passou de bicicleta eléctrica, viu a cena e imediatamente parou, correu até à senhora, mas então parou novamente e olhou para os três:
— Vocês derrubaram a senhora e ainda estão parados? Ajudem-na a levantar e levem-na ao hospital!
De imediato, os estudantes, um rapaz e uma rapariga, recuaram instintivamente, afastando-se da senhora no chão, e disseram simutaneomente:
— Não fomos nós que a empurrámos, ela já estava assim quando passámos!
O homem franziu a testa, suavizando o tom:
— Se não foram vocês, ainda assim deveriam ajudar e levá-la ao hospital.
O estudante perguntou de volta:
— E por que você não ajuda?
— Eu? — O homem hesitou, mas então respondeu com firmeza: — Eu tenho que trabalhar na obra. Se tivesse tempo, já teria ajudado! — Ele olhou para o crachá no pescoço de Yan Liang e disse: — Vocês são professores da Universidade de Zhejiang?
— Eu sou professor, e eles são meus alunos.
O homem suspirou repetidamente:
— Até os professores e estudantes da Universidade de Zhejiang têm medo de fazer o bem. O que aconteceu com as pessoas hoje em dia? Fazer uma boa ação tornou-se tão difícil assim? Ainda se autodenominam‘intelectuais’!
Yan Liang pensou consigo mesmo: Quando é que eu me autodenominei‘intelectual’? Mas ao ouvir o homem dizer isso, ele também se sentiu envergonhado
O homem, ao ver a hesitação deles, sugeriu:
— Tenho que ir trabalhar. Se o prefessor está com medo, eu posso ser sua testemunha e gravar um vídeo para provar que a senhora caiu sozinha.
Yan Liang pensou um momento e achou que a sugestão fazia sentido. Com uma testemunha e um vídeo como prova, ele sentiu-se mais confiante e, junto com os alunos, ajudou a senhora a levantar-se.
— Obrigada, muito obrigada! — A senhora agradeceu repetidamente, segurando a mão de Yan Liang e caminhando uns passos com dificuldade.
Yan Liang sorriu gentilmente:
— A senhora está bem? Quer que chamemos um táxi para levá-la ao hospital?
Mas a senhora, ao ouvir "hospital", recusou rapidamente:
— Não, estou bem. Não precisa incomodar-se. Muito obrigada. — Ela soltou a mão dele e começou a andar, primeiro devagar, depois cada vez mais rápido, até que começou a correr.
O estudante olhou para a senhora afastando-se rapidamente, a expressão no rosto mudando de surpresa para raiva:
— Eu sabia que ela era uma vigarista. Olhem só, está a correr como uma atleta. Se não fosse por nós, ela teria tentado extorquir dinheiro do Professor Yan. Maldita vigarista!
A estudante concordou com a cabeça.
Yan Liang, ainda confuso, coçou a cabeça:
— Eu sinto que algo está errado. Onde está o meu telemóvel?
Ele olhou ao redor, mas o homem que deveria estar a gravar o vídeo havia desaparecido. A senhora, por sua vez, podia ser vista ao longe, montando numa bicicleta eléctrica e fugindo rapidamente.
Yan Liang não conseguiu retornar a chamada de Xu Jing.
Na sala de aula do 4ºano do ensino secundário, na primeira fila à direita, estava gravada na mesa a frase "Comer amargo para ser superior aos outros".
Era a primeira aula do estudo noturno, e Zhu Chaoyang estava inclinado sobre a mesa, concentrado em resolver problemas de um livro de referência de matemática, preparando-se para o exame final de amanhã.
Na verdade, a matemática dele já era suficientemente boa, quase sempre tirando notas máximas. No entanto, ele gostava especialmente de matemática, resolvendo problemas difíceis não apenas para os exames, mas pelo prazer que isso lhe proporcionava. Portanto, ele dedicava o último tempo antes das provas à matemática. Quanto às outras disciplinas, física, química e biologia, ele tinha 90% de certeza de tirar nota máxima. Já as disciplinas de chinês, inglês e política não faziam muita diferença nas notas em relação com os outros , e ele já estava confiante para os exames dos próximos dois dias.
De repente, uma mão bateu com força na mesa, assustando Zhu Chaoyang e interrompeu-o dos seus exercícios. Quando levantou os olhos, viu uma rapariga de cabelo curto e olhos pequenos a olhar friamente para ele.
Zhu Chaoyang olhou para ela com desagrado: — Ye Chimin, que raio de remédio tomaste?
— O professor Lu está à tua procura — disse ela friamente, com um olhar desafiador.
Zhu Chaoyang levantou-se e olhou para ela da mesma forma, mas logo desistiu, pois era o rapaz mais baixo da turma, e Ye Chimin era mais alta que ele. Para olhá-la nos olhos, tinha que levantar um pouco a cabeça, o que o fazia parecer inferior.
Zhu Chaoyang bufou com desdém e, enquanto sentia um movimento intestinal, soltou um pum disfarçadamente. Alguns segundos depois, tapou o nariz exageradamente e gritou: — Ye Chimin, podias ao menos avisar antes de soltares um pum tão fedido!
Ye Chimin franziu as sobrancelhas e soltou uma palavra: — Idiota!
Zhu Chaoyang riu alto, fez caretas para rir dela e, depois, endireitou-se e foi para o escritório do professor com um andar exagerado. Mas assim que entrou no escritório, ficou murchado.
O professor Lu, diretor da turma, era uma mulher de mais de quarenta anos, alta e magra, que raramente sorria. Quase todos os alunos tinham medo dela. Zhu Chaoyang não era exceção, apesar das suas boas notas. O inglês, uma das disciplinas em que tinha mais dificuldades, era ensinado pela professora Lu. Mais importante, ela parecia estar particularmente irritada naquele momento, talvez por causa de sintomas de menopausa.
Ao ver a expressão dela, Zhu Chaoyang percebeu que algo estava errado. A confiança que tinha mostrado diante de Ye Chimin desapareceu, e ele encolheu o pescoço instintivamente, como uma tartaruga, perguntando ansiosamente: — Professora Lu, chamou-me?
A professora Lu continuou a corrigir os trabalhos em silêncio, sem olhar para ele. Zhu Chaoyang começou a sentir-se nervoso, esfregando as mãos nas calças. Não conseguia entender o que tinha feito de errado recentemente. Será que a professora não o tinha ouvido? Estava a ignorá-lo de propósito? Divorciou-se? Depois de esperar cinco ou seis minutos, a professora Lu finalmente terminou de corrigir uma pilha de cadernos. Levantou a cabeça, olhou para ele e perguntou friamente: — Por que é que partiste a lente da câmara de Ye Chimin?
Ye Chimin era uma pequena jornalista da rádio escolar, por isso trazia frequentemente a câmara para a escola.
Zhu Chaoyang franziu a testa, confuso: — Que... que lente da câmara?
— Foste tu que partiste a lente da câmara dela de propósito?
Zhu Chaoyang, sem entender nada, respondeu: — Quando é que toquei na câmara dela? Nunca toquei na câmara dela!
— Ainda não vais admitir?
— Eu... eu não fiz nada. — Zhu Chaoyang exagerou a expressão de inocência no rosto.
— Ainda dizes que não fizeste! — A expressão da professora Lu mudou. — Ye Chimin disse que te viu pegar na câmara dela e bater com ela na parede. Quando ela a recuperou, a lente já estava partida.
— Não pode ser, eu não toquei na câmara dela. Porque é que eu iria tocar na câmara dela? Nunca toquei nela! — Zhu Chaoyang sentia que esta conversa era completamente absurda. De onde é que apareceu esta história da câmara?
A professora Lu olhou para ele com desagrado: — Não negues. Ye Chimin disse que não quer que pagues, ela está a ser generosa, e tu ainda mentes!
— Eu... eu... — Zhu Chaoyang, injustamente acusado, estava quase a chorar. Era tudo uma invenção. Ele tinha passado o dia todo a resolver problemas, nunca tinha tocado na câmara de Ye Chimin. Que diabo é isso?
A professora Lu olhou para ele por alguns momentos, e a expressão dela suavizou-se gradualmente:
— Volta para o estudo noturno. Tens exame amanhã e depois de amanhã. Vamos deixar este assunto por aqui, mas no futuro não toques nas coisas dos outros colegas.
Zhu Chaoyang ainda queria se defender, mas depois de pensar, desistiu. Surgiu essa situação estranha do nada, e ele não conseguia entender o porquê. De que adianta discutir com a professora Lu? Só lhe restava voltar e confrontar aquela vaca da Ye Chimin.
A campainha para a aula de estudo noturno já havia tocado quando Zhu Chaoyang voltou à sala de aula. Ele lançou um olhar furioso para Ye Chimin, mas ela apenas sorriu com desprezo e voltou a olhar para o livro.
Zhu Chaoyang sentou-se sem escolha em seu lugar na primeira fila. Sua colega de mesa Fang Lina cutucou seu cotovelo com uma caneta. Quando ele virou a cabeça, ela baixou a voz rapidamente:
— Não vire para cá, para que elas não vejam. Tenho algo para te contar.
Zhu Chaoyang manteve a cabeça baixa, olhando para o livro de referência, e perguntou em voz baixa:
— O que é?
Sem mover o corpo, ela continuou a falar discretamente enquanto olhava para o próprio livro:
— O professor Lu te chamou para falar sobre a câmara de Ye Chimin, não foi?
— Foi.
— Elas te acusaram injustamente.
— O quê?
— Hoje à noite, quando voltei para a sala de aula depois do jantar, vi Ye Chimin e o monitor a mexer na câmara, dizendo que a derrubaram e que a lente quebrou. Mais tarde, ouvi que elas iam dizer ao professor Lu que foste tu que a quebraste.
— Isso é possível? — Zhu Chaoyang arregalou os olhos de surpresa. — Eu sabia! Elas planearam isso para me incriminar! Eu estava o tempo todo a fazer exercícios, nunca toquei naquela maldita câmara! Que bruxas! Vou esclarecer isso com o professor Lu assim que a aula acabar!
A colega apressou-se a dizer: — Por favor, não! Estou te a contar isso em segredo. Não digas a ninguém que fui eu quem te contou, ou eu me tornarei a inimiga das meninas.
Zhu Chaoyang franziu a testa, parecendo muito indeciso. Depois de pensar por um longo tempo, finalmente suspirou e respondeu: — Tá bom.
— É importante que saibas, mas não deves contar a ninguém!
— Eu não vou contar.
— Sim, desta vez elas passaram dos limites ao te acusar injustamente.
— Por que elas me incriminariam?
A colega respondeu: — Não sei. Acho que Ye Chimin quebrou a câmara e tem medo de que o pai a repreenda. O pai dela é chefe da delegacia de polícia e serviu no exército. Ele a disciplina muito severamente, e a mínima falha resulta em castigos físicos. Se ela disser que foi um colega que quebrou, o pai não a culpará, e ele, como policial, ficaria constrangido em pedir a um colega de escola para pagar por uma lente quebrada.
— Que raiva! — Zhu Chaoyang fechou o punho. — Tudo isso só para me incriminar por esse motivo! Que absurdo! Ela já tem idade, o pai ainda a bate?
— O pai dela serviu no exército, então a disciplina é rigorosa. Ele diz que a educa como um rapaz. Uma vez, vi que a orelha dela estava vermelha, e ela disse que foi o pai que a bateu.
Zhu Chaoyang deu uma risada maliciosa: — Não é de admirar. O pai a criou como um rapaz, por isso corta o cabelo tão curto, parecendo uma freira perversa. Está sempre com aqueles olhos mortos, provavelmente de tanto apanhar do pai!
A colega riu ao ouvir isso, mas logo a temperatura ao redor deles caiu subitamente. O professor Lu entrou silenciosamente pela porta dos fundos como um fantasma e estava ao lado deles, perguntando friamente: — Estão a se divertir muito, não é?
A colega baixou a cabeça rapidamente, sem ousar respirar. Zhu Chaoyang sentiu-se desconfortável, mas depois de alguns segundos, criou coragem e disse: — Eu estava contando uma piada e fiz a Fang Lina rir.
— Amanhã é o exame e ainda tens disposição para brincadeiras!
Zhu Chaoyang pensou que o professor Lu tinha um frigorífico no pulmão, pois podia ver um leve vapor a sair do nariz dela.
Quando a aula terminou, Zhu Chaoyang foi à casa de banho. Ao chegar à pia do lado de fora, viu Ye Chimin lavando uma chávena. Ele bateu na bancada com raiva: — Por que me acusaste injustamente?
Ye Chimin olhou para ele por um momento, sorriu friamente e voltou a lavar a chávena.
— Sua vaca! — Zhu Chaoyang xingou e virou-se para entrar na casa de banho.
De repente, Ye Chimin começou a chorar alto. Zhu Chaoyang ficou surpreso, pensando: Eu só a xinguei, e ela começou a chorar? Que drama!
Mas o que ele não esperava era que Ye Chimin pegasse a chávena cheia de água e despejasse tudo sobre a própria cabeça, depois saindo correndo a chorar. Zhu Chaoyang franziu a testa, sem entender a situação, e entrou na casa de banho com apreensão. Quando voltou para a sala de aula, passou pela porta do escritório e viu Ye Chimin a chorar diante do professor Lu, com dois outros professores tentando consolá-la.
Naquele momento, o professor Lu também o viu e, imediatamente, gritou com raiva: — Zhu Chaoyang, entre aqui!
Zhu Chaoyang estremeceu, vendo o olhar furioso do professor Lu, e entrou no escritório com medo.
— Por que despejaste uma chávena de água na cabeça de Ye Chimin? Como podes fazer uma coisa dessas?
— O quê! — Zhu Chaoyang arregalou os olhos. — Eu... eu não fiz isso, foi ela mesma!
Naquele momento, Zhu Chaoyang finalmente entendeu o que estava acontecendo, mas agora, por mais que tentasse se defender, seria inútil. Ye Chimin chorava tão tristemente, com a cabeça toda molhada, e já havia o acusado. Todos os professores naturalmente acreditaram que Zhu Chaoyang, com raiva da acusação anterior, havia jogado água nela.
— Amanhã, chama tua mãe para vir aqui!
Zhu Chaoyang sentiu o rosto contrair: — Eu... não fui eu quem atirou a água nela, ela fez isso sozinha, eu... eu tenho um exame amanhã.
— Ainda queres negar! Não precisas mais fazer o exame. — O professor Lu estava irredutível.
— Eu... eu realmente não atirei a água nela, foi ela mesma que fez isso. — Os lábios de Zhu Chaoyang tremiam.
— Ainda queres negar! Nunca vi um aluno como tu! Notas boas não significam bom caráter. Amanhã, chama tua mãe para vir aqui, ou então não precisas vir fazer o exame.
Zhu Chaoyang cravou as unhas na palma da mão, a mandíbula tremendo. Nunca teve um dia tão ruim.
Depois que a campainha da aula tocou, o professor Lu mandou Ye Chimin voltar ao estudo noturno, confortando-a suavemente e dizendo-lhe para manter a calma e não deixar que isso afetasse o exame de amanhã.
Depois que Ye Chimin saiu, o professor Lu olhou novamente para Zhu Chaoyang e suavizou o tom: — Hmm... tua mãe me contou sobre a tua situação em casa. Desde que teus pais se divorciaram, teu pai não cuida muito de ti, e tua mãe trabalha na zona turística e raramente está em casa. Ela disse que, na maioria das vezes, estás sozinho em casa e pediu-nos, como professores, para cuidar bem de ti. Mas como pudeste fazer isso?
— Eu não fiz, realmente não fiz. — Zhu Chaoyang estava quase a chorar.
— Ainda queres negar! — O professor Lu franziu a testa e olhou friamente para ele. — Tu bateste em Ye Chimin há alguns dias...
— Não, naquela vez também fui acusado injustamente.
O professor Lu respirou fundo, parecendo perder toda a esperança em Zhu Chaoyang: — Não podes continuar assim. Amanhã, traz tua mãe para a escola. Quero falar com ela.
— A minha mãe trabalha amanhã.
— Ela precisa vir, mesmo que tenha que pedir folga. Hoje à noite, não precisas mais de participar do estudo noturno. Volta para casa e liga para a tua mãe, dizendo-lhe para vir amanhã. Se ela não vier, não precisas fazer o exame.
Zhu Chaoyang apertou os lábios e ficou parado.
— Vai, agora! — O professor Lu agarrou-o pelo braço e começou a arrastá-lo para fora do escritório.
Quando estavam perto da porta, Zhu Chaoyang não aguentou mais e começou a chorar: — Desculpe, foi a minha culpa. Não farei isso novamente. Professor Lu, deixe-me fazer o exame amanhã, por favor. Eu realmente errei, não deveria ter intimidado Ye Chimin. Eu estava errado.
Os outros dois professores, que geralmente gostavam de Zhu Chaoyang, também intercederam: — Professor Lu, deixe-o fazer o exame. Ele já reconheceu o erro. Faça-o escrever uma carta de compromisso.
O professor Lu respirou fundo e, finalmente, com a insistência dos outros professores e ao ver o arrependimento de Zhu Chaoyang, permitiu que ele escrevesse uma carta de compromisso no escritório antes de deixá-lo voltar à sala de aula.
De volta à sala, ele manteve a cabeça baixa. A sua colega de mesa perguntou discretamente o que tinha acontecido, mas ele apenas balançou a cabeça e não disse nada. Quando a aula de estudo noturno terminou, ele arrumou a mochila cansado e foi para casa. Ao sair da sala, encontrou-se com Ye Chimin, que sorriu friamente: — Quem te mandou tirares notas tão boas, fazendo meu pai me repreender sempre? Eu queria que te sentisses mal, para que não te saísses bem no exame amanhã. Vamos ver se consegues ficar em primeiro desta vez!
Zhu Chaoyang ficou chocado, finalmente entendendo o motivo pelo qual Ye Chimin havia armado para ele naquela noite. Era por inveja das suas notas nos exames!
Ele levantou os olhos cheios de raiva para ela, mas logo baixou o olhar novamente, sem dizer nada. Apenas carregou a mochila e foi-se embora.
Ele desejava que este semestre acabasse logo.
As férias de verão chegaram, e Zhu Chaoyang finalmente sentiu que podia se despedir da má sorte.
Este é um apartamento antigo de 60 metros quadrados dos anos 90, com dois quartos e uma sala. O chão ainda está coberto com o carpete de plástico que era popular na época, e as paredes estão pintadas de cal, muitas partes parecendo escuras e oleosas, carregando o peso dos anos.
No quarto à direita, o grande ventilador de teto de ferro girava lentamente, fazendo um som rítmico. Zhu Chaoyang estava deitado no tatame no chão, vestindo apenas um calção curto, com um livro nas mãos. O livro tinha cerca de cinquenta ou sessenta páginas, impressas de maneira grosseira, e a capa exibia quatro grandes caracteres: "Segredos para Crescer a Altura".
Ele tinha visto o anúncio em alguma revista e enviou vinte yuans para o remetente, que lhe enviou este "segredo". O livro descrevia vários métodos para crescer, e ele marcou os pontos principais com uma caneta. Além disso, uma dica chamou particularmente sua atenção: para crescer, não se pode beber bebidas gaseificadas, pois elas afetam a absorção de cálcio. Ele marcou essa dica com uma estrela extra, decidindo que nunca mais beberia Coca-Cola.
Enquanto estava absorto na leitura, de repente ouviu uma batida apressada na porta. Ele fechou o livro e o colocou na estante, levantou-se e abriu a porta de ferro. Do lado de fora, havia uma porta de grade de segurança. Lá fora, estavam duas crianças, um menino e uma menina, com idades semelhantes à sua. O menino tinha cerca de 1,65 m de altura, um pouco mais alto que ele, e a menina era mais baixa. Ambos pareciam estar muito assustados.
Ele hesitou: — Estão a procurar quem?
— Zhu Chaoyang, ainda moras aqui! — Os olhos do menino brilharam de excitação, apontando para si mesmo. — Ainda te lembras de mim?
— Tu? — Zhu Chaoyang o examinou e, em poucos segundos, exclamou: — Ding Hao! Como estás aqui?
— Vim te procurar. Para de falar, abre a porta!
Assim que a porta se abriu, Ding Hao e a menina entraram rapidamente na casa, fechando a porta atrás de si. — Tens água? Estamos morrendo de sede.
Zhu Chaoyang serviu água para os dois. Ding Hao bebeu rapidamente, enquanto a menina bebeu lentamente, virando ligeiramente a cabeça.
A menina não demonstrou nenhuma emoção durante todo o tempo, parecia feita de gelo.
— Quem é ela? — Zhu Chaoyang apontou para a menina.
— Pupu, pode chamá-la de Pupu. Ela é minha irmã de juramento. Pupu, este é Zhu Chaoyang, de quem eu sempre falei. Éramos melhores amigos na escola primária. Não nos vemos desde o quarta ano, há 5 anos.
— Olá. — Pupu acenou levemente com a cabeça, sem expressão, cumprimentando Zhu Chaoyang.
Como havia uma menina presente, Zhu Chaoyang sentiu-se desconfortável de estar só de calção, então foi vestir uma camisola. Depois, levou-os para o seu quarto e sentou-se: — Haozi, quanto tempo, cresceste muito!
— Haha, cresci? Não sei. — Ding Hao coçou a cabeça, um pouco envergonhado.
— Bem... Vocês pareciam estar com pressa. O que aconteceu?
— Ah, é uma longa história. — Ding Hao acenou com a mão, fazendo um gesto de maturidade. — Alguém está a tentando nos pegar. Fugimos de um carro.
Zhu Chaoyang ficou assustado: — Traficantes de crianças? Devemos chamar a polícia?
— Não, não são traficantes. Eles não sequestram crianças da nossa idade. É que... — Ding Hao hesitou, riu e suspirou. — É realmente uma longa história.
Zhu Chaoyang ficou mais confuso: — O que aconteceu? Onde esteves nos últimos anos? No início do quarto ano, o professor disse que a sua família se mudou para outra cidade. Pensei que nunca mais te veria. Foste-te embora tão de repente, nem teve tempo de se despedir. Voltou a morar aqui?
A expressão de Ding Hao mudou, ele olhou para Pupu, que parecia uma estátua, indiferente à conversa, sem qualquer emoção no rosto.
— O que se passa? — Zhu Chaoyang estava cada vez mais curioso.
Ding Hao suspirou e perguntou em voz baixa: — Tu realmente não sabes por que me mudei de casa?
— Ninguém nunca me contou, como eu poderia saber?
— Bem... Foi porque... Meus pais foram presos na época.
— O que quer dizer?
Ding Hao mordeu os lábios: — Meus pais mataram alguém, foram presos e executados.
— O quê! — Zhu Chaoyang arregalou os olhos e, em seguida, olhou para os dois com cautela, especialmente para Ding Hao, que era maior que ele. Lançando uma tosse, ele disse: — Nós... Nunca soubemos disso.
— Acho que o professor quis manter isso em segredo, não queria que vocês soubessem que tinham um colega cujos pais eram assassinos. — Ding Hao esboçou um sorriso irônico.
— Por favor, não digas isso. Os teus pais terem matado alguém não tem nada a ver contigo. Mas... Por que os seus pais mataram? — Na verdade, ele não queria saber. Só queria encontrar uma maneira de se livrar deles rapidamente. Ao ouvir que os pais de Ding Hao eram assassinos, ele ficou imediatamente em guarda. Ele nunca tinha lidado com filhos de assassinos antes. Após cinco anos, a antiga amizade havia esfriado. Eles apareceram de repente em sua casa, e ele estava sozinho. Não era fácil lidar com isso.
Ding Hao corou ligeiramente e abaixou a cabeça: — Eu também não sei. Ouvi dizer que a minha mãe tinha um caso e o meu pai a odiava por isso. Ele queria que a minha mãe lhe trouxesse outra mulher e... E então a minha mãe se fingiu de grávida e desmaiou na rua. Uma estudante universitária de bom coração a levou para casa e... o meu pai a estuprou. Depois... Eles mataram a estudante juntos e foram rapidamente presos e executados.
— É assim... — Zhu Chaoyang ficou mais assustado com essa descrição simples, e o seu desconforto aumentou. Ele só queria se livrar deles o mais rápido possível. Após um longo silêncio, perguntou: — Então, onde esteves nos últimos anos?
— Num orfanato em Pequim. Crianças de assassinos como eu não são aceitas pelos parentes e só podem ser enviadas para orfanatos. Pupu é como eu. Ambos perdemos nossos primeiros guardiões e os segundos não queriam nos criar, então fomos mandados para o mesmo orfanato.
Pupu levantou os olhos para Zhu Chaoyang e depois os desviou.
O ambiente ficou instantaneamente constrangedor.
Duas crianças de assassinos! Zhu Chaoyang ficou mais uma vez chocado. Ele se arrependeu de ter aberto a porta. Se soubesse disso antes, teria fingido não estar em casa. Por que eles vieram procurá-lo?
Depois de um longo silêncio, Zhu Chaoyang tossiu e quebrou o silêncio: — Certo, se estavam em Pequim, como vieram parar aqui?
Ding Hao fez uma expressão estranha e torceu a boca: — Fugimos. Não queríamos mais ficar lá. Levamos meses para chegar a Cidade Ning. Pupu é de Jiangsu, mas não queria voltar para casa. Eu não conheço outro lugar, então viemos para cá. Não me atrevo a procurar os meus parentes. Se soubessem que fugimos, chamariam a polícia e nos mandariam de volta. Queríamos ficar alguns dias em Ning, pensar onde ir depois, mas hoje não tivemos sorte. Estávamos na rua e...
Ao chegar a este ponto, ele subitamente calou-se, deixando de falar.
— Fazendo o quê na rua?
Ding Hao hesitou por um momento e riu alto: — Estávamos sem dinheiro e a pedir moedas na rua.
— O quê! — Zhu Chaoyang não conseguia imaginar o seu melhor amigo de infância a mendigar na rua.
— Eu sabia que ficarias com desprezo de mim, mas não tenho escolha. — Ele abaixou a cabeça.
— Não, não, não tenho nenhum desprezo por ti.
— Haha, é mesmo? — Ding Hao sorriu e levantou a cabeça. — Depois, um carro parou. Pupu, o que estava escrito no carro?
— Fiscalização urbana. — Pupu respondeu friamente.
— Isso, fiscalização urbana. Eles disseram que não podíamos mendigar ali e nos mandaram embora. Fomos a um restaurante de massa ali perto, mas antes que pudéssemos comer, uma van parou. Eles disseram que eram do Departamento de Assuntos Civis e que receberam uma denúncia sobre duas crianças mendigando. Iam nos levar para um abrigo e contactar nossos pais. Não tínhamos escolha, eles eram adultos. Mas se voltássemos, eles saberiam que fugimos do orfanato e nos mandariam de volta. Então, no caminho, fingimos precisar ir à casa de banho e fugimos. Por acaso estávamos perto da sua casa. Lembrei-me do seu endereço e resolvi tentar a sorte. E ainda moras aqui!
O relato de Ding Hao deixou Zhu Chaoyang mais inquieto. Embora Ding Hao fosse o seu melhor amigo na escola primária, anos passaram-se e a amizade esfriou. Agora, dois "adolescentes problemático" estavam em sua casa. O que fazer?
Expulsá-los poderia ser perigoso? E se os deixasse ficar, o que aconteceria? Franziu ligeiramente a testa e perguntou, hesitante: — E agora... O que vocês planejam fazer?
Ding Hao estendeu as mãos: — Ainda não pensei bem, talvez eu procure um emprego, mas a Pupu é muito pequena. Vês, ela é pequena de estatura também, é dois anos mais nova que nós, tem só doze anos. O melhor seria encontrar um lugar para ela estudar.
— E tu? Não vais continuar a estudar?
— No orfanato, o que eu mais odiava era ir às aulas, haha, sempre quis sair e trabalhar.
— Mas à tua idade, isso seria criança trabalhadora. Ninguém te vai empregar.
Ding Hao sorriu desdenhosamente:
— Se eu não disser, quem vai saber? Olha para mim, sou tão alto, quem é que diria que sou uma criança trabalhadora?
Zhu Chaoyang pensou um pouco e, meio embaraçado, perguntou:
— Então... quais são os vossos planos agora? Quero dizer... onde é que vão ficar? Oh... a minha casa é pequena, como podem ver.
Ding Hao, como se lesse os seus pensamentos, sorriu:
— Não te preocupes, não vamos ficar na tua casa. Mas, se for possível, podemos ficar um ou dois dias, só para descansar um pouco.”
— Isto... — Zhu Chaoyang mostrou uma expressão de embaraço. Deixar dois adolescentes problemáticos ficarem em casa era muito perigoso.
Pupu levantou a cabeça e disse:
— Haozi, esquece, vamos embora.
Ding Hao aproximou-se de Pupu e disse baixinho:
— Perdemos a mochila naquele carro hoje. Não temos muito dinheiro. Eu temo... temo que não tenhamos onde ficar.
— Não faz mal, sempre há uma maneira.— Pupu disse, impassível.
Ding Hao olhou para Pupu, depois para Zhu Chaoyang, levantou-se e riu:
— Bem, então vamos embora. Chaoyang, adeus. Quando encontrar um trabalho, volto para te ver.
Zhu Chaoyang franziu a testa e acompanhou-os até à porta.
— Da próxima vez que eu estiver a trabalhar e ganhar dinheiro, vou convidar-te para comer KFC. Chaoyang, adeus! —
Ding Hao acenou e virou-se para sair com Pupu. Depois de alguns passos, voltou-se e disse:
— Quase me esquecia, Chaoyang, tinha uma embalagem de tanghulu na minha mochila, comprada em Pequim. Cada pedaço estava embalado individualmente. Aposto que nunca comeste. Eu pensei, se pudesse ver-te novamente, te daria para experimentar—
Pupu lançou um olhar para Ding Hao
— A mochila não ficou no carro?
Ding Hao exclamou, depois coçou a cabeça, embaraçado:
— Então, só poderei trazer-te da próxima vez. Bem, cuida-te, adeus!
— Espera—
Zhu Chaoyang sentiu uma pontada de culpa ao ouvir isso. Afinal, Ding Hao tinha sido seu melhor amigo na escola primária. Eles iam juntos para a escola e voltavam todos os dias durante anos. Uma vez, um aluno do ano superior o estava a intimidar, e Ding Hao defendeu-o, acabando por apanhar enquanto ele próprio fugia. Depois, Ding Hao não disse uma palavra de repreensão, e ainda disse que se ele não tivesse fugido, ambos teriam sido espancados. Lembrando-se dessa amizade, Zhu Chaoyang sentiu-se comovido, esquecendo por um momento que eles eram filhos de assassinos. Com coragem, disse:
— Se não tiverem onde ficar hoje, podem ficar na minha casa. A minha mãe trabalha na zona turística e só volta de vez em quando. Podem ficar aqui nos próximos dois dias.
— Mesmo? — Ding Hao parecia surpreso e feliz.
— Sim, mas o quarto da minha mãe não pode ser usado. Pupu pode dormir na cama, e eu e tu dormimos no chão, está bem?
Ding Hao olhou para Zhu Chaoyang e depois para Pupu: — O que achas?
Pupu ficou em silêncio por alguns segundos, depois balançou a cabeça:
— Incomodar os outros não é bom.
— Não tem problema, de verdade — disse Zhu Chaoyang rapidamente.
Pupu hesitou por mais um momento e finalmente assentiu:
— Então, vamos incomodar o mano Chaoyang. Se mudares de ideia, diz-nos. Não ficaremos aqui contra a tua vontade.
Zhu Chaoyang corou.
— Pupu, as tuas massas estão realmente ótimas, muito melhores do que as minhas — disse Zhu Chaoyang, segurando uma tigela de massa.
— Sim, antes, no orfanato, ela costumava ajudar as funcionárias na cozinha — acrescentou Ding Hao.
Pupu, com uma expressão impassível, sentou-se ao lado, comendo a massa em pequenas mordidas e de forma delicada, sem dizer quase nada, parecendo não se importar com a opinião dos outros.
Olhando para sua expressão fria, Zhu Chaoyang tentou agradá-la: — Pupu, só vais comer um pouco de massa?
— Sim, é suficiente — respondeu Pupu calmamente.
Ding Hao olhou para ela e explicou: — Ela sempre come muito pouco. E agora é meio-dia, está muito calor, eu mesmo não tenho muito apetite. — Apesar de dizer isso, Zhu Chaoyang viu claramente que ele já estava na sua terceira tigela.
— Então... Pupu, foste para o orfanato pelo mesmo motivo?
Ding Hao respondeu por ela: — Claro, o nosso orfanato é para crianças sem o primeiro guardião e cujos outros guardiões não querem cuidar. Há mais de cem crianças como nós em todo o país.
— Ah, entendo — disse Zhu Chaoyang, imaginando como seria difícil sorrir e falar sobre isso como Ding Hao fazia, como se estivesse falando de algo alheio e trivial. Depois de algum tempo juntos, Zhu Chaoyang já não se importava tanto com o facto de serem filhos de assassinos. — Hum... Então, qual foi o motivo para os pais de Pupu?
Com um som de "clink", os pauzinhos de Pupu caíram sobre a mesa. Ela olhou fixamente para a tigela à sua frente, sem expressão.
Zhu Chaoyang apressou-se a dizer: — Desculpa, não devia ter perguntado.
Pupu não respondeu, apenas pegou os pauzinhos novamente e continuou a comer a massa.
Ding Hao riu e disse: — Não faz mal, és como um de nós, não tem problema contar-te. Certo, Pupu?
Pupu permaneceu inexpressiva, não respondendo. Ding Hao tomou seu silêncio como consentimento e suspirou: — O pai dela matou a mãe e o irmão, e depois foi preso e condenado à morte.
— Não, o meu pai não matou ninguém! — Pupu levantou os olhos de repente, olhando seriamente para Ding Hao. — Já te disse, o meu pai não matou ninguém.
— Mas... todos os instrutores dizem isso.
— Não, eles não sabem de nada. Antes de ser executado, uma hora antes, eu vi o meu pai e ele me disse que eu devia acreditar nele, que ele não matou a minha mãe. Embora eles discutissem, ele amava-me, e por mim ele nunca a mataria.
Zhu Chaoyang perguntou, confuso: — Então, por que a polícia prendeu o teu pai? A polícia não prende a pessoa errada.
— Prendem sim! Eles prenderam a pessoa errada, acusaram falsamente o meu pai! Ele me disse que a polícia não o deixou dormir, forçando-o a confessar por vários dias. Ele não teve escolha a não ser admitir. Mas ele não matou ninguém! Eu tinha sete anos, lembro-me claramente. Naquele dia, o meu pai disse que agora era tarde demais para dizer qualquer coisa, mas queria que eu soubesse que ele não matou a minha mãe. Ele sempre me amou e mesmo depois de morto, sempre me amaria — Pupu falou seriamente, sem derramar uma lágrima, nem mesmo os seus olhos estavam vermelhos.
Zhu Chaoyang ficou em silêncio. Nesse momento, Pupu perguntou: — Chaoyang, tens uma câmara?
— Câmara? Para quê?
— O meu pai pediu-me que tirasse fotos minhas e as queimasse para ele ver como eu estou a crescer. Todos os anos, no aniversário da morte do meu pai, tiro uma foto e escrevo uma carta para ele. No próximo mês é o aniversário da morte do meu pai, mas este ano ainda não tirei uma foto.
— Entendo — Zhu Chaoyang hesitou. — Não tenho câmara, parece que teremos de ir a um estúdio fotográfico.
— Quanto custa uma foto? — perguntou Ding Hao imediatamente, ele tinha perdido a mochila no carro do Departamento de Assuntos Sociais e agora tinha que calcular bem o pouco dinheiro que tinha.
— Acho que... uns dez yuans — Zhu Chaoyang não tinha certeza.
— Dez yuans... — Ding Hao franziu a testa e colocou a mão no bolso, depois sorriu. — Bem, a foto é necessária. Dez yuans não é caro. Pupu, tenho dinheiro.
— Sim — Pupu assentiu.
Depois de comer a massa, os três começaram a conversar. Afinal, eram crianças e rapidamente se tornaram mais próximos, sem as reservas típicas dos adultos. Conversaram sobre as suas experiências nos últimos anos. Zhu Chaoyang, sendo o melhor aluno da turma, recebeu a admiração de Ding Hao e Pupu. Eles falaram sobre como Ding Hao e Pupu voltaram de Pequim para Ning após meses de viagem. Ficou claro que eles não gostavam de falar sobre os últimos meses, mencionando as dificuldades e os desafios que enfrentaram, incluindo enganar pessoas boas e, às vezes, roubar comida de supermercados.
Ao ouvir sobre o roubo, Zhu Chaoyang, que estava a sentir-se relaxado, voltou a ficar ansioso, arrependendo-se de ter deixado os dois ficarem. Ele olhou involuntariamente para o quarto da mãe, onde havia alguns milhares de yuans no armário. Decidiu que deveria trancar a porta para que não encontrassem o dinheiro. Observou Ding Hao e Pupu, que pareciam alheios aos seus pensamentos, e relaxou um pouco.
Enquanto conversavam animadamente, o telefone de casa tocou. Zhu Chaoyang correu para atender no quarto da mãe. Depois de desligar, pensou por alguns segundos e tirou o dinheiro da gaveta, escondendo-o atrás da mesa de cabeceira. Encontrou um pedaço de linha e, ao sair do quarto, fechou a porta e prendeu a linha na fresta da porta. Assim, se a porta fosse aberta, a linha cairia e ele saberia.
Ao sair, Zhu Chaoyang disse: — O meu pai ligou e pediu-me para ir até lá. Então, esta tarde... Onde vão ficar?
Ding Hao hesitou por um momento, depois entendeu e sorriu: — Não faz mal, eu e Pupu podemos dar uma volta lá em baixo, esperamos tu voltares.
Ao ouvir isso, Zhu Chaoyang sentiu um alívio, parecendo que eles não tinham más intenções, e ele sentiu-se culpado por suspeitar deles.
A cinco quilómetros a leste da sede do governo do distrito, existe uma zona industrial com várias fábricas de congelamento de pescado de diferentes tamanhos. Na parte oeste do parque industrial, há uma fábrica de tamanho médio chamada "Yongping Seafood". No momento, o escritório está cheio de fumaça de cigarro, com maços de "Soft Zhonghua" espalhados sobre a mesa. Zhu Yongping está a jogar cartas com cinco ou seis donos de fábricas vizinhas.
Depois de abrir as cartas, Zhu Yongping olhou em volta e gritou: — Ganhei tudo! — rindo enquanto recolhia os três ou quatro mil yuans em dinheiro sobre a mesa.
— Hoje estás com uma sorte incrível, quantas rodadas já ganhaste seguidas? — disse um dono de fábrica chamado Yang Gengchang.
— Perdi muito anteontem, hoje tenho que recuperar! — Zhu Yongping respondeu alegremente enquanto embaralhava as cartas.
— Ganhaste tanto dinheiro, dá um pouco ao teu filho — sugeriu outro dono de fábrica chamado Fang Jianping.
— Eu dou — respondeu Zhu Yongping.
— Dás ar! — Fang Jianping riu ironicamente. — Ontem levei a minha filha Lina à livraria Xinhua e encontrei o teu filho sentado no chão a ler. Perguntei-lhe por que estava lá a ler, e ele disse que estava muito calor e que a livraria tinha ar condicionado. Vê só, o pai é um grande empresário e o filho parece um mendigo, tem que ir à livraria para aproveitar o ar condicionado.
Zhu Yongping corou ligeiramente e defendeu-se: — Eu dou dinheiro, mas o Chaoyang e a mãe dele são muito poupados, não gostam de gastar.
Fang Jianping pegou nas cartas distribuídas e continuou: — Claro que dás pouco. A minha filha é colega de turma do teu filho e diz que ele raramente troca de roupa, usa sempre as mesmas poucas peças. Tu, como pai, vestes-te com roupas de marca que custam milhares de yuans, arranjas a tua esposa e a tua filha para ficarem bonitas, mas o teu filho parece um mendigo. Vou ser sincero, um filho é sempre um filho. Mesmo que estejas divorciado, ele ainda é o teu filho e deves cuidar dele.
Yang Gengchang concordou: — Exatamente. Ouvi dizer que o teu filho é o primeiro da escola, um miúdo tão brilhante. Dos filhos de todos nós aqui, o teu é o melhor aluno.
— Ele é o primeiro da escola? — Zhu Yongping perguntou casualmente.
— Não sabias que o teu filho é o primeiro da escola? — Fang Jianping riu ironicamente. — A tua filha, que não consegue tirar boas notas, está apenas no segundo ano do ensino primário e já reprova. Mesmo assim, tratas-a como um tesouro e ignoras o teu filho inteligente. Se algum dos nossos filhos fosse metade tão inteligente quanto o teu, estaríamos a sonhar de felicidade.
Os outros amigos também começaram a criticar Zhu Yongping.
Zhu Yongping, embaraçado, disse: — Vou chamá-lo daqui a uns dias e dar-lhe algum dinheiro.
Fang Jianping sugeriu: — Não precisas de esperar. Hoje a tua esposa levou a tua filha ao jardim zoológico, certo? Já que não estão cá, chama o teu filho para vir cá. Eu também queria pedir-lhe que ajudasse a minha filha Lina a melhorar as notas, vai para o terceiro ano depois das férias.
Yang Gengchang concordou: — Sim, a tua esposa não te deixa ver o teu filho, nós sabemos disso. Mas hoje, como não estão cá, é a oportunidade perfeita. Deixa o teu filho ensinar a filha do Jianping, talvez eles fiquem amigos. No futuro, o Jianping será o sogro do teu filho e ele poderá conduzir o Bentley do Jianping e, quem sabe, até herdar a fábrica. Vais ganhar muito com isso.
Todos riram alto. Incapaz de resistir às provocações dos amigos, Zhu Yongping, com um ar envergonhado, pegou no telemóvel e ligou para o filho.
— Pai, Tio Fang, Tio Yang, tios, bom dia — Zhu Chaoyang entrou no escritório do pai, cumprimentando educadamente todos os presentes.
Yang Gengchang riu: — Vê como o teu filho é bem-educado, isso é que é ser culto, ao contrário do meu filho inútil.
Zhu Yongping, ligeiramente orgulhoso, acariciou a cabeça do filho e disse: — Filho, vai buscar um pouco de água para os tios.
Zhu Chaoyang fez como lhe foi pedido.
Enquanto organizava as suas cartas, Fang Jianping olhou para ele: — Chaoyang, a minha filha Lina ficou em vigésimo na turma desta vez. Com essa nota, nem vai conseguir entrar na Segunda Escola. Tu és o colega de carteira dela, devias ajudá-la mais nos estudos.
Zhu Chaoyang acenou com a cabeça: — Sim, claro.
— Tio Fang agradeço-te desde já.
— Não tens de agradecer, tio Fang.
Os outros donos de fábrica assentiram, achando notável que um estudante do ensino secundário fosse tão educado.
Fang Jianping continuou: — O teu pai costuma dar-te dinheiro?
— Hm... sim, ele dá.
— Quanto te deu desta vez?
— Desta vez? — Zhu Chaoyang olhou confuso para o pai.
Zhu Yongping apressou-se a explicar: — As férias de verão acabaram de começar, ainda não lhe dei nada. Vou dar-lhe depois.
Fang Jianping perguntou: — Quando foi a última vez que o teu pai te deu dinheiro?
Zhu Chaoyang abaixou a cabeça: — No Ano Novo.
— E quanto te deu?
Zhu Chaoyang respondeu honestamente: — Dois mil yuans.
Os amigos soltaram risadas.
Zhu Yongping, com o rosto vermelho, olhou para as cartas e explicou: — No Ano Novo, eu também não estava muito desafogado, dei pouco.
Fang Jianping disse: — Hoje o teu pai já ganhou mais de dez mil, e vai dar-te o dinheiro todo que ganhou, não é, Yongping? Afinal, a tua esposa não está aqui, e o dinheiro da mesa de jogo ela não vai saber. Nós também não vamos contar quanto ganhaste, podes dizer que perdeste.
Os outros donos de fábrica assentiram, dizendo que era o que se devia fazer.
Zhu Yongping, sem escolha, disse: — Claro, filho, vem cá, vê quanto o teu pai consegue ganhar hoje.
Na rodada seguinte, foi a vez de Yang Gengchang distribuir as cartas. Enquanto ele embaralhava, duas pessoas entraram no escritório. À frente, uma mulher de trinta e poucos anos, com um visual exuberante, parecia muito jovem. Usava uma pulseira de jade, um colar de platina com pedras preciosas, carregava uma bolsa de couro e tinha a chave de um BMW pendurada no dedo. Atrás dela, vinha uma menina de nove anos, com uma expressão descontente.
— Ai, que cansaço — disse a mulher, atirando as chaves sobre a mesa e esfregando os braços.
— Vocês voltaram cedo — Zhu Yongping levantou-se apressadamente, colocando-se à frente de Zhu Chaoyang, visivelmente constrangido.
— A câmara está velha, a bateria não funciona bem, tirámos algumas fotos e ela desligou-se, por isso voltámos mais cedo. Esta câmara já pode ir para o lixo, tem uns quatro ou cinco anos. Amanhã vamos comprar uma nova — disse ela, atirando a câmara digital para um canto da mesa com uma expressão infeliz.
— Oh, então por que não voltam para casa? Nós ainda vamos jogar por algum tempo.
A mulher, que normalmente não se interessava pelos jogos de cartas do marido, notou algo estranho na atitude dele. Observando atentamente, viu um rapaz sentado atrás dele. Reconhecendo Zhu Chaoyang, um sorriso sarcástico passou pelo rosto dela e ela lançou um olhar severo a Zhu Yongping.
Zhu Chaoyang, claro, sabia que esta mulher era a responsável por afastar o pai dele, e a menina era filha dela com seu pai. Ele mordeu os lábios e desviou o olhar, sentando-se desconfortavelmente, fingindo não as ver.
Yang Gengchang parou de distribuir as cartas, e os amigos observaram a cena com sorrisos.
A menina também viu Zhu Chaoyang e, curiosa, correu até ele e perguntou: — Papá, quem é este rapazinho?
— Ele é... — Zhu Yongping, com o rosto constrangido, hesitou por um momento e disse: — Ele é sobrinho do tio Fang, veio cá hoje para brincar.
— Hahaha! — Os outros jogadores riram às gargalhadas.
Yang Gengchang não se conteve e gritou: — Que talento! És mesmo talentoso, o Zhu mais talentoso de Ning!
— Ei, ei, parem de rir — Fang Jianping disse seriamente. — O irmão talentoso tem razão, Chaoyang chama-me tio, por isso ele é meu sobrinho.
A mulher ficou momentaneamente surpresa, mas logo esboçou um sorriso sarcástico.
Yang Gengchang, sorrindo, dirigiu-se à menina: — Zhu Jingjing, ouvi dizer que não passaste nos exames finais desta vez?
A menina, envergonhada, escondeu-se atrás do pai e agarrou o braço dele: — Não é verdade, não é verdade, eu só fui descuidada...
Yang Gengchang apontou para Zhu Chaoyang: — Tens que aprender com este rapazinho, ele é o melhor aluno da escola.
Um vislumbre de desagrado passou pelo rosto da mulher, mas rapidamente desapareceu. Ela puxou a filha e concordou: — Sim, tens que estudar bem e ter melhores notas do que este rapazinho, está bem? — Ela deu ênfase especial às palavras “melhores notas”.
— Está bem, está bem — respondeu a menina, contrariada.
Fang Jianping disse novamente: — Olha para o meu sobrinho, as roupas dele estão tão gastas de tanto lavar. Irmão Talentoso, não te importas de levar o meu sobrinho para comprar algumas roupas novas, pois não? Depois diz-me quanto gastaste e eu reembolso-te.
Ele piscou para Zhu Chaoyang, que continuava sentado, sem saber o que fazer.
— Isto...— Zhu Yongping estava claramente embaraçado.
— Vai lá, o Ajie ocupa o teu lugar, — disse Yang Gengchang — As roupas do sobrinho do Jianping estão tão velhas, merece umas novas. Não achas, cunhada? — disse ele, olhando para a esposa de Zhu Yongping.
A mulher, sem querer contrariar o marido na frente dos amigos, disse: —Sim, justamente estamos a pensar em comprar roupas novas. Yongping, leva o Chaoyang contigo. Jingjing, vamos para o carro e esperaremos pelo papá para irmos comprar roupas.
A menina exclamou alegremente: —Boa, quero ir à Centro Comercial de Sol!
A mulher lançou mais um olhar para Zhu Chaoyang, sorriu e saiu com a filha.
Depois que elas saíram, Zhu Yongping, pressionado pelos amigos, disse: —Filho, o papá vai levar-te para comprar roupas.
—Oh — Zhu Chaoyang levantou-se, pensou um pouco e depois balançou a cabeça. —Pai, eu não quero ir, prefiro voltar para casa cedo.
Os outros donos de fábrica encorajaram-no: —Já disseste que vais, agora não podes recuar! Não é uma questão de tempo, o teu pai pode levar-te de carro para casa depois, vai lá!
Zhu Chaoyang, sem escolha, assentiu lentamente.
Zhu Yongping levou o filho para fora, parou depois de alguns passos e sussurrou: —A tua irmã não sabe que tem um irmão. Ela é muito pequena, se souber que o pai dela já foi casado antes, pode afetar o psicológico dela. Então, eu disse que és sobrinho do tio Fang. Quando ela for mais crescida, eu conto-lhe a verdade. Por agora, chamas-me de tio, está bem?
—Está bem — murmurou Zhu Chaoyang, de cabeça baixa.
Zhu Yongping recolheu o dinheiro da mesa de jogo, contou e tirou cinco mil yuan, entregando-os ao filho: —Guarda o dinheiro no bolso e não o mostres a ninguém. Não digas à tua tia que te dei dinheiro.
—Entendido.
Zhu Yongping, com um olhar de desculpas, deu uma palmada no ombro do filho, apertou os lábios e despediu-se dos amigos. Para parecer natural, pegou a câmara em cima da mesa e disse: —Esta câmara está realmente velha, não admira que não funcione bem, temos que deitá-la fora.
Zhu Chaoyang lembrou-se de que Pupu queria tirar fotos e rapidamente perguntou: —Pai, vais deitar fora esta câmara?
—Sim, já não serve.
—Então, posso ficar com ela?
—Queres uma câmara? Eu compro-te uma nova na próxima vez.
Zhu Chaoyang não esperava realmente que o pai comprasse uma câmara para ele: —Se não vais usá-la, podes dar-ma? Gosto de tirar umas fotos de vez em quando.
Zhu Yongping concordou prontamente: —Está bem, de qualquer forma, não precisas de uma câmara profissional para estudar. Podes ficar com esta para brincar. Vou buscar uma caixa para a guardares.
Desde que entrou no BMW, Zhu Chaoyang sentia-se extremamente nervoso.
Ele estava no lugar do passageiro da frente, com a cabeça baixa, sem dizer uma palavra. De vez em quando, levantava a cabeça e via pelo espelho retrovisor que a mulher o observava com um leve sorriso. Ele rapidamente voltava a abaixar a cabeça. As risadas e conversas ao lado pareciam vir de outro mundo; ele sentia-se completamente deslocado.
Chegaram rapidamente ao centro comercial de Sol, o melhor centro comercial da cidade. Seja intencionalmente ou não, Zhu Yongping andava com Zhu Chaoyang, enquanto a mulher e a filha seguiam atrás, cochichando.
Zhu Chaoyang parou em frente a uma loja de artigos desportivos.
Zhu Yongping olhou para o filho: —Queres comprar roupas desportivas?
—Eu... eu queria ver uns ténis.
Os estudantes do ensino básico já tinham a consciência de marcas, e usar ténis de marca era na moda. Mas Zhu Chaoyang nunca teve uns; sempre usou ténis simples.
Ele viu um par de ténis muito comentado pelos colegas na escola e não pôde esconder a excitação: —Pai...
De repente, percebeu a situação, e viu Zhu Yongping tossir e piscar-lhe o olho. Corrigiu-se rapidamente: —Tio, eu queria ver estes ténis.
A funcionária, entusiasmada, perguntou o tamanho do pé e trouxe os ténis para experimentar. Zhu Yongping esperou ao lado. No meio da prova, a menina chamou na entrada da loja: —Pai, vem cá, quero comprar aquele vestido!
—Espera, deixa o Chaoyang acabar de experimentar os ténis.
—Não, eu quero agora! Vem já! — A menina começou a choramingar.
—Ai, que chatice. Está bem, está bem, já vou.
Zhu Chaoyang olhou para cima e viu a mulher falando baixinho com a filha, com um sorriso vitorioso no rosto. Ele rapidamente baixou a cabeça.
—Pai, vem já! — insistiu a menina com voz chorosa.
—Está bem, está bem. Já terminaste? — Zhu Yongping perguntou ansiosamente ao filho, que estava a experimentar os ténis. —Estão bons?
—Sim, perfeitos.
—Então, não há necessidade de continuar a experimentar. Parecem bons. Senhora, quanto custam? — Ele apressou-se a tirar o dinheiro.
Zhu Chaoyang levantou-se, observando o pai apressado por causa da menina, apertou os lábios e disse:
—Já comprámos os ténis, deixamos a roupa e as calças para outra vez. Quero ir para casa.
—Eu levo-te...
—Não é necessário, posso ir de autocarro.
—Bem... está bem. — Zhu Yongping também queria terminar aquele dia embaraçoso o mais rápido possível.
Zhu Chaoyang levantou-se, pegou os ténis antigos e a câmara velha na caixa e dirigiu-se silenciosamente para a saída do centro comercial. Zhu Yongping voltou-se para a esposa e a filha, explicando que Zhu Chaoyang tinha coisas para fazer e já tinha ido embora, e sugeriu que continuassem as compras.
Enquanto Zhu Chaoyang se dirigia à saída, olhou para trás e viu a mulher a observá-lo com um sorriso no rosto, enquanto a menina o encarava irritada e lhe fazia caretas.
Zhu Chaoyang apertou os punhos e cerrou os dentes, saindo rapidamente do centro comercial.
Ao chegar ao prédio, Zhu Chaoyang viu Ding Hao e Pupu encostados na parede, conversando. Ding Hao tinha uma expressão preocupada, enquanto Pupu mantinha seu ar frio habitual. Ao verem Zhu Chaoyang, Ding Hao sorriu e correu em sua direção, trazendo Pupu junto.
—Porque voltaste tão cedo?— perguntou Ding Hao.
—Ah… não tinha nada de especial para fazer, então voltei mais cedo.
Pupu o observou atentamente e, após um momento, comentou:
—Parece que não estás contente.
—Não… estou bem.— Zhu Chaoyang forçou um sorriso para esconder seus sentimentos.
—Ele está triste? Não consigo perceber,— disse Ding Hao, curioso.
Pupu ignorou Ding Hao, focando-se nos olhos de Zhu Chaoyang:
—Choraste?
—Claro que não! Por que choraria?
Ding Hao olhou mais de perto:
—Espera, Chaoyang, tu realmente choraste, não foi?
Pupu, com uma voz calma, disse:
—Se a nossa chegada te incomodou, podes nos dizer. Não ficaremos chateados.
Ding Hao baixou a cabeça:
—Desculpa, fui egoísta, apareci na tua casa sem avisar. Crianças como nós só trazem problemas para os outros. Desculpa, Chaoyang, vamos embora e não te incomodaremos mais. Adeus.
Os dois começaram a se afastar, e Zhu Chaoyang sentiu um vazio repentino. Queria desesperadamente conversar com alguém. Chamou-os de volta:
—Esperem, vocês entenderam mal, não tem nada a ver convosco.
Pupu franziu ligeiramente a testa, desconfiada:
— Não é por nossa causa? Se é por outra pessoa, se alguém está a incomodar-te, diz ao Haozi. Ele é muito bom a lutar, ninguém no orfanato consegue vencê-lo. Não precisas ter medo.
— Pois é, eu sou ótimo a lutar, Chaoyang. Fica tranquilo, se alguém te incomodar, eu cuido disso! — disse Ding Hao com um ar presunçoso, imediatamente adotando um tom meio desordeiro, gabando-se das suas experiências passadas em lutas. No fim, ele quis dizer que qualquer um que importunasse Zhu Chaoyang estaria a importunar Ding Hao, e Ding Hao não era fácil de lidar; em poucos minutos, ele poderia acabar com qualquer um.
Na escola, Zhu Chaoyang era sempre focado nos estudos, introvertido e praticamente sem amigos. Não tinha ninguém com quem pudesse desabafar. Ver os dois tão preocupados com ele fez com que uma onda de calor humano o invadisse. Ele então começou a contar tudo o que tinha acontecido, exceto o detalhe de que tinha cinco mil yuans no bolso. Ainda não confiava completamente neles, não queria que eles fossem tentados pelo dinheiro.
Depois de ouvir tudo, Ding Hao comentou:
— Afinal, és o filho dele. Como é que ele não se preocupa contigo e se preocupa mais com a filha? — Ele olhou para Pupu e rapidamente acrescentou: — Eu sei que homens e mulheres são iguais. Quero dizer, geralmente os pais mimam mais os filhos. Como é que o teu pai faz o contrário?
Pupu respondeu com desprezo:
— Isso não é uma regra. Há muitos pais que são parciais. Com dois filhos, alguns ignoram um e tratam o outro como um tesouro.
Zhu Chaoyang abanou a cabeça desanimado:
— A minha mãe diz que o meu pai tem medo daquela vadia. Ao vê-la, já perde o juízo e faz tudo o que ela manda. Ele também mima muito a pequena vadia. Aquela vadia é muito boa a fazer-se de querida. Há alguns anos, o meu pai ainda entrava em contacto comigo em segredo e dava-me dinheiro. Depois, ouvi a minha avó dizer que a mulher discutiu muitas vezes com ele por causa disso e até começou a controlar o telemóvel dele. Nos últimos anos, ele raramente entrou em contacto comigo.
Ding Hao, indignado, cerrou os punhos:
—Aquela grande vadia e sua pequena vadia são realmente desprezíveis. Sem elas, o teu pai ainda estaria com a tua mãe. Mas agora elas te atormentam, e eu… eu não sei como te ajudar.
Zhu Chaoyang deu um tapinha no ombro dele e sorriu:
—Está tudo bem, ninguém pode ajudar. Ah, a propósito, Pupu, aqui está a câmera. Meu pai disse que a bateria não está boa, mas deve durar o suficiente para tirarmos algumas fotos. Depois, podemos levar para imprimir. O que achas?
Pupu corou ligeiramente e respondeu:
—Obrigada, irmão Chaoyang.
Ding Hao acrescentou:
—Chaoyang, és realmente uma boa pessoa, não é, Pupu?
—Sim.
Zhu Chaoyang sentiu-se embaraçado com os elogios deles.
Pupu continuou:
—Chaoyang, aquele grande vadia é adulta, não podemos fazer nada contra ela. Mas e a pequena vadia? Sabes em que escola ela está?
—Não sei, só sei que está no segundo ano da escola primária.
– Se soubéssemos em que escola ela está, seria fácil – disse Pupu. – Da próxima vez, vamos até lá e damos-lhe uma surra, para te vingares!
Ding Hao respondeu imediatamente:
– Óptima ideia! Já sei o que fazer. Na hora, não te mostres. Só precisas dizer-me quem é ela e eu pego nela e atiro-a para dentro do caixote do lixo, e fecho a tampa. Haha, vai ser engraçado vê-la a chorar!
Zhu Chaoyang ouviu o "plano" dele e quase podia ver a menina a ser atirada para o caixote do lixo e a chorar. Não conseguiu evitar rir.
Pupu soltou um riso frio:
– Isso é suficiente? O melhor seria despir-lhe a roupa e atirá-la para dentro do caixote do lixo cheio de porcaria. – A expressão dela ficou cheia de rancor.
Zhu Chaoyang olhou para ela, um pouco surpreso. Não esperava que uma menina dois anos mais nova que ele pudesse ter ideias tão maldosas, mas, se fosse realmente possível, seria muito fixe.
Pupu falou sério: —Eu tinha um irmão. Depois que minha mãe teve meu irmão, ela só cuidava dele e nunca se importava comigo. Eu odiava elas. Apenas o meu pai gostava de mim. Chaoyang, tu estás na situação oposta. O teu pai prefere a pequena vadia, enquanto a tua mãe cuida de ti.—
—Tu ainda tens contato com teu irmão?—
—Não, ele morreu junto com a minha mãe. Ouvi dizer que ele não era filho do meu pai, mas de outro homem. Por isso meu pai foi acusado de matá-los e acabou sendo executado. Eu os odeio! Gostaria que eles morressem de novo!
Zhu Chaoyang assentiu, sentindo-se compreendido. Agora entendia por que Pupu, que antes era tão fria, de repente começou a falar mais. A experiência de Pupu era muito semelhante à dele. Não era de admirar que ela quisesse ajudá-lo a vingar-se da pequena vadia. Mas será que poderia mesmo vingar-se assim? Provavelmente, tudo o que poderiam fazer era contar algumas piadas pelas costas para desabafar um pouco.
Depois do jantar, Ding Hao e Pu Pu estavam ansiosos para ir tomar duche, já que durante os seus meses de andanças, nem sempre tinham a oportunidade de se banhar todos os dias.
Mais tarde, os três sentaram-se juntos para conversar. Zhu Chaoyang e Ding Hao sentaram-se no chão, enquanto Pu Pu escolheu ficar perto da pequena varanda, mantendo uma distância considerável dos outros dois. Zhu Chaoyang achou um pouco estranho, mas não fez perguntas.
—Haozi, por que vocês fugiram do orfanato? — Zhu Chaoyang perguntou.
—Bem, — Ding Hao olhou para Pu Pu antes de responder —, as pessoas lá eram muito ruins, ficou insuportável continuar.
—Como assim ruins?
—Não sempre ruins, na verdade. A diretora anterior era uma senhora idosa que nos tratava muito bem, como se fôssemos os seus próprios netos e netas. Mas ela se aposentou dois anos atrás e o novo diretor assumiu, um homem, um gordo nojento.
Pu Pu soltou um muxoxo e adicionou: — E também um tarado repulsivo.
— Tarado ? — Zhu Chaoyang ficou confuso.
Ding Hao assentiu seriamente: — Sim, ele tocou em Pu Pu.
—Tocou como? — Apesar de a maioria dos estudantes do ensino básico ter algum conhecimento sobre sexo, Zhu Chaoyang não conversava muito com os seus colegas, e o seu entendimento sobre assuntos de gênero limitava-se ao que via na televisão, como segurar mãos e beijar. Embora tivesse ouvido alguns dos seus colegas masculinos falar sobre fazer amor, ele entendia muito pouco sobre isso.
Pu Pu, que apenas começava a se desenvolver e não tinha muita vergonha sobre questões de gênero, disse diretamente:
— Ele me levou para um quarto isolado, tirou a minha roupa e as minhas calças, e quis me tocar.
— Isso... como pode ser assim! — Zhu Chaoyang exclamou, chocado.
— Ele fez isso muitas vezes, tirou as próprias calças e colocou o seu pénis na minha boca. Era horrível, o pénis dele tinha muitos pelos, e algumas vezes eu acabava com pelos na boca. Era tão nojento que eu queria vomitar todas as vezes, — Pu Pu disse, quase vomitando ao relembrar.
— Por que ele colocou o pénis na tua boca? — perguntou Zhu Chaoyang, confuso.
— Não sei.
Zhu Chaoyang olhou para Ding Hao: — Sabes?
— Eu? Bem... — Ding Hao fez uma cara estranha, olhando para a inocência deles, riu baixinho e abanou a cabeça, — De qualquer forma, não era nada bom. Uma vez, o gordo veio atrás de Pu Pu de novo. Ela já tinha me pedido para ajudá-la, e antes que ele pudesse tirar as calças, eu entrei correndo. Ele ficou muito irritado, trancou-me num pequeno quarto por um dia e uma noite sem comida. Esse gordo, quando eu crescer, vou voltar lá e acabar com ele! — Ele esfregava as mãos, fazendo um gesto de quem afia uma faca.
— Não foi só comigo, ele também arrastava outras raparigas para lá, e muitas foram tocadas por ele, — adicionou Pu Pu.
— Li Hong foi por vontade própria! Ela disse que o gordo comprava lanches para ela, tratava-a muito bem, e ela queria ser a esposa dele, — interrompeu Ding Hao.
— Pff, que ela faça o que quiser! De qualquer forma, eu não aguentava mais, não podia ficar lá!
— Eu também, na última vez que saí escondido para me divertir, quando voltei ele descobriu e ainda me bateu, dizendo que eu tinha roubado dinheiro, — partilhou Ding Hao.
Zhu Chaoyang, confuso, perguntou: — Por que ele disse que roubaste dinheiro?
— Eu tinha saído para jogar vídeojogos, e ele acusou-me falsamente de ter roubado dinheiro de um instrutor, perguntando como eu teria dinheiro de outra forma.
— E como tinhas dinheiro?
— As pessoas de bom coração que nos visitavam às vezes davam-nos dinheiro, e eu não entregava. Todos os outros entregavam, e o gordo dizia que o dinheiro era para comprar lanches para nós, mas mesmo que juntássemos centenas ou milhares, nunca vi ele comprar nada para comermos. Então eu não entreguei, guardei escondido, fugi e joguei um pouco nos vídeojogos, e o gordo acusou-me de roubo.
Zhu Chaoyang disse: — Então, com esta fuga, o orfanato vai procurar por vocês?
Ambos assentiram, e Ding Hao disse: — Com certeza vão procurar. Eu ouvi a tia funcionária dizer antes que cada criança no orfanato é registada, e os superiores vêm verificar os números. Depois que fugimos, ficámos a ver TV, vimos uma notícia que ainda estava à procura de nós dois. Nossas fotos estavam na TV, e o gordo estava na TV a fingir chorar e a chamar-nos para voltar. Tínhamos medo de ser capturados e levados de volta. Se voltássemos, não dá para saber o que o gordo faria connosco! E, haha, antes de fugirmos, eu fui até ao escritório do gordo e roubei a sua carteira, que tinha mais de quatro mil yuan. Se não fosse por esse dinheiro, não teríamos conseguido sobreviver por muitos dias depois de fugir. Foi com esse dinheiro que tivemos coragem de fugir e sobreviver todo esse tempo. Então, de qualquer maneira, não podemos voltar. Fugimos por nossa conta e ainda por cima roubei a carteira dele, o gordo com certeza iria me matar se voltássemos.
— Se vocês não tivessem fugido, teriam que ficar no orfanato para sempre?
Ding Hao explicou: — Não é bem assim, só podemos sair quando completamos 18 anos. Nessa idade, se não saíres, eles expulsam-te. Mas faltam alguns anos até lá, e eu e Pu Pu não conseguimos esperar tanto tempo. Viver lá é como estar na prisão, não podemos sair para brincar, dizem que o nosso orfanato é especialmente rigoroso, nunca permitem que as crianças fujam.
Pu Pu disse friamente: — Isso é porque os nossos pais são assassinos, eles tratam-nos da mesma maneira, acham que se sairmos, seremos uma praga!
Nesse momento, Zhu Chaoyang ouviu alguns sons de peidos, seguidos por um cheiro ruim, e franzindo a testa, disse: — Haozi, tu peidas sem avisar?
Ding Hao olhou para Pu Pu, que virou ligeiramente a cabeça com uma expressão sombria. Ding Hao torceu a boca e sorriu: — Tudo bem, da próxima vez vou avisar-te três minutos antes de peidar.
Os três logo caíram na gargalhada.
Depois de rirem, a expressão de Ding Hao voltou a ficar sombria e ele suspirou: — Realmente invejo-te, Zhu. Embora os teus pais tenham se divorciado, pelo menos tu tens uma casa para morar, uma escola para estudar, muitos colegas. Não como nós, que ninguém quer, nem sabemos para onde ir no futuro.
A atmosfera da conversa mudou para algo mais amargo. Zhu Chaoyang olhou para Ding Hao e Pu Pu e forçou um sorriso, dizendo: — Também não me invejes, eu também não estou bem, sempre sou intimidado na escola.
— Quem te intimida? Eu acabo com ele! — Ding Hao mostrou novamente seu talento para a luta.
— É uma menina, tu ousarias bater numa menina?
— Uma menina? — Ding Hao sorriu embaraçado, — Um bom homem não luta com mulheres, não posso bater nela, deixa que a Pu Pu lute. Ha ha, mas a Pu Pu é dois anos mais nova do que nós, provavelmente não ganharia da tua colega de classe.
Pu Pu fez uma careta.
Zhu Chaoyang suspirou e disse: — Bater nela não adianta, o pai dela é da polícia, quem ousaria bater nela? Além disso, isso não é algo que se resolva com violência.
Zhu Chaoyang contou novamente como Ye Chimin havia-o caluniado várias vezes na frente dos professores.
Ding Hao franziu a testa e disse: — Claramente é ela que está a caluniar-te, e os professores não acreditam em ti?
Zhu Chaoyang bufou: — Os adultos só ouvem um lado da história, especialmente se for de uma menina, são burros. Na visão dos adultos, crianças são sempre simples, mesmo que as crianças mintam, eles acham que as mentiras são facilmente desmascaradas. Eles não conseguem imaginar quão astutas podem ser as crianças, mesmo que eles próprios já tenham sido crianças.
Ding Hao e Pu Pu concordaram com a cabeça.
Zhu Chaoyang continuou: — Na visão dos adultos, desde um bebê recém-nascido até um estudante de dezesseis anos, todos são vistos como crianças. Crianças pequenas são, claro, simples, e suas mentiras são facilmente descobertas, mas aos dezesseis anos, as crianças já não são tão inocentes, mas eles ainda as imaginam como simples.
Pu Pu disse: — Os adultos são piores, tu foste intencionalmente incriminado pelo teu colega, e eu e o Haozi fomos falsamente acusados por adultos várias vezes.
— É mesmo? — Zhu Chaoyang perguntou.
Ding Hao resmungou fortemente, assentindo com a cabeça.
Pu Pu disse: — Depois que o meu pai foi executado, o meu tio estava disposto a adotar-me. Mas apenas algumas semanas depois, uma colega da turma discutiu comigo no caminho para casa, chamando-me de filha de assassino, e nós lutamos. Eu fiz-a chorar e ela fugiu. Naquela noite, encontraram-na morta no reservatório, e então disseram que eu a tinha empurrado lá. Foram até a casa do meu tio procurar-me, queriam bater-me, a polícia veio, levaram-me para a delegacia, fiquei lá por dois dias, eu disse que não a tinha empurrado, não sabia como ela tinha caído no reservatório, mas ninguém acreditava. No final, a polícia disse que não havia provas, soltaram-me, mas a família dela continuou a causar problemas, a minha tia não concordou em continuar a adotar-me, e acabei sendo enviada para o orfanato.
— Então... — Zhu Chaoyang perguntou cautelosamente, — aquela colega da turma, foi realmente tu quem a empurrou?
Pu Pu olhou para ele desapontadamente, balançando a cabeça: — Claro que não, eu bati nela algumas vezes e depois voltei para casa. Não sei como ela caiu lá.
Ding Hao disse: — Quando os meus pais foram presos, foi a mesma coisa comigo. Quando voltei para a minha cidade natal, nenhum parente quis-me acolher. Uma vez, quando estava a brincar fora, o dono da loja disse que eu tinha roubado algo, definitivamente não fui eu, não encontraram nada comigo, mas ele insistiu que eu tinha roubado, e o filho dele ainda me bateu. Naquela noite, atirei uma pedra e quebrei a janela da casa dele, fui preso por isso e depois enviado ao orfanato também.
Os três crianças mostraram nos seus rostos a raiva e a impotência, como se a injustiça do mundo pesasse sobre eles.
Depois de um tempo, Zhu Chaoyang forçou um sorriso para quebrar a atmosfera pesada: — Vamos deixar essas coisas de lado, vamos ver a câmera, ela está carregada, amanhã podemos tirar fotos de Pu Pu.
— Sabes usar esta câmera? — Pu Pu perguntou, esperançosa.
Zhu Chaoyang balançou a cabeça: — Não, tenho que estudar um pouco. Vi outras pessoas a conectar a câmera digital ao computador. Tenho um computador velho debaixo da minha cama, o governo deu para a minha mãe quando ela estava em treinamento para desempregados, para ajudá-la a praticar digitação, não sei se ainda funciona.
Eles tiraram o computador, mexeram nele por um bom tempo, mas não conseguiram fazê-lo funcionar, então chamaram um jovem vizinho para ajudar, e finalmente conseguiram arrumar o computador e conectá-lo à câmera. O jovem vizinho ensinou rapidamente como operar, e Zhu Chaoyang, sendo inteligente, aprendeu rapidamente.
Ele abriu os arquivos da câmera no computador, apareceram muitas fotos, todas do pai dele com aquela mulher e a filha, eles pareciam muito próximos e feliz, o pai sempre abraçando e beijando a filha.
Zhu Chaoyang estava prestes a deletar todas as fotos, quando Pu Pu o parou e disse: — Não apagues todas, guarda algumas, vamos anotar como é a cara daquela vadia, se tivermos uma oportunidade, podemos ajudar a vingar-te.
Zhu Chaoyang olhou para as fotos íntimas da família, lembrou-se das memórias dolorosas da tarde e apertou os dentes, parando de apagar as fotos.
Depois de um tempo, ele finalmente acalmou o seu humor e perguntou a Pu Pu: — Onde queres ir tirar fotos amanhã? — Hmm... melhor encontrar um lugar bonito.
— Que tipo de lugar achas bonito?
— Não sei, o que achas, irmão Chaoyang
Zhu Chaoyang pensou por um momento e disse: — Que tal irmos às Três Montanhas ? A minha mãe trabalha lá na bilheteira, não precisamos pagar para entrar, a paisagem lá é muito bonita, vamos nos divertir lá amanhã?
— Claro, eu nunca subi uma montanha antes, — Ding Hao exclamou, empolgado.
Pu Pu olhou para fora da janela: — O meu pai ficaria feliz em ver fotos minhas brincando na montanha.
Não havia autocarro directo da vila para as Três Montanhas, então os três meninos levantaram-se cedo, apanharam um autocarro até à cidade e depois mais duas horas de viagem até à zona turística das Três Montanhas.
À distância, Zhu Chaoyang apontou para uma mulher baixinha e rechonchuda na entrada de verificação de bilhetes e disse:
— Aquela é a minha mãe. Esperem aqui, vou falar com ela um momento.
Ele correu até Zhou Chunhong, sua mãe.
— Oh, o que estás aqui a fazer?
— Trouxe dois colegas para passear. — Ele apontou para Ding Hao e Pupu ao longe. — Um é meu colega da escola primária, depois foi para Hangzhou estudar. Está a visitar-nos e a outra é a irmã dele. Ah, mãe...
Ele rapidamente tirou cinco mil yuans do bolso e entregou-os discretamente à mãe.
— Ontem o pai chamou-me para vir lá e deu-me estes cinco mil. Guarda-os.
— Como é que o Zhu Yongping teve um ataque de consciência e te deu tanto? — Zhou Chunhong guardou o dinheiro no bolso.
Zhu Chaoyang baixou ligeiramente a cabeça.
— Ontem, quando lá fui, os amigos com quem ele estava a jogar cartas disseram-lhe para me dar mais. Mas depois, a mulher e a filha dele viram-nos.
Zhou Chunhong perguntou preocupada:
— O que é que elas disseram?
— Nada de especial. A filha dele não me conheceu e perguntou quem eu era. O pai... disse que eu era sobrinho do tio Fang Jianping. — Ele falou em voz baixa.
Zhou Chunhong, vendo a expressão do filho, sentiu os olhos encherem-se de lágrimas, mas segurou-as. Suspirou e disse friamente:
— O Zhu Yongping tem mesmo lata para dizer uma coisa dessas! Ser pai assim é uma vergonha, mais valia morrer!
Zhu Chaoyang mordeu os lábios e não disse nada. Zhou Chunhong mudou de assunto, ajeitando a roupa do filho:
— As tuas roupas estão sujas, não as lavaste, pois não? Amanhã ia ser meu dia de folga, mas a tia Li teve de ir para o hospital com o pai dela, então a tia Wang e eu vamos ter de ficar para cobrir o turno. Não vou para casa nos próximos dias, por isso lava a tua roupa sozinho, está bem?
— Entendi. Eu lavo-as. Vou levar os meus colegas para passear agora.
— Vai, vai. Quando voltarem, leva-os a comer fora. Tens de ser um bom anfitrião, não deixes que pensem que és forreta. Tens dinheiro suficiente?
— Tenho umas centenas de yuans, é suficiente. Mãe, se não vais voltar para casa nos próximos dias, posso deixar os meus colegas ficarem lá por uns dias?
— Claro, divirtam-se. — Zhou Chunhong não impunha muitas regras ao filho, confiava nele. Além disso, ele sempre foi um excelente aluno, desde a escola primária, e ela não precisava de se preocupar com as notas dele. Era o seu orgulho.
Zhu Chaoyang fez sinal aos dois amigos para se aproximarem. Eles cumprimentaram Zhou Chunhong educadamente, e a tia Wang, que trabalhava com Zhou Chunhong, comentou que Pupu era uma menina muito bonita, como uma boneca de porcelana, e que seria uma boa esposa para Chaoyang. Zhou Chunhong riu e deu-lhe um leve tapa, mas Pupu ouviu a conversa e, fazendo uma careta, riu sem dizer nada.
Os três começaram a subir a montanha, rapidamente esquecendo os seus problemas. Era uma quarta-feira de Julho, não um feriado, e também fora da época alta, por isso havia poucos turistas. Os três brincavam e riam enquanto subiam, até chegarem a um pavilhão a meio da montanha para descansar.
— Se pudéssemos brincar assim todos os dias, seria maravilhoso! — Ding Hao exclamou, esticando o corpo em direcção ao ar livre fora do pavilhão.
Pupu, olhando para a vista panorâmica lá em baixo, sorriu feliz:
— Irmão Chaoyang, o que achas da vista aqui?
— É linda.
— Quero tirar algumas fotos aqui.
— Claro, fica aí, vou tirar algumas fotos de teste.
Pupu endireitou-se imediatamente, fazendo o gesto de "v" com as mãos e sorrindo brilhantemente.
— Pareces um coelho, haha — Zhu Chaoyang comentou enquanto ajustava a câmara, com Ding Hao a observar por trás.
Depois de tirar algumas fotos, Zhu Chaoyang verificou as imagens. O fundo era bonito, e Pupu parecia adorável. Todos gostaram das fotos. Então ele começou a fotografar de outro ângulo.
Desta vez, a câmara estava apontada para a frente da plataforma, onde havia um homem jovem e um casal de idosos. Zhu Chaoyang tirou algumas fotos e, ao verificar, viu que tinham ficado boas.
— E então?
Pupu acenou com a cabeça repetidamente:
— Estão lindas! Adoro.
— Haozinho, queres tirar algumas fotos também?
— Eu? Não, não gosto de tirar fotos.
— Bem... então vou gravar um vídeo de vocês.
— A câmara grava vídeos também? — Pupu perguntou curiosa.
— Sim, e também grava som. Vamos lá, estou a gravar. Digam algo para a câmara.
— Dizer o quê? — Pupu perguntou.
— Haha, deixa comigo — Ding Hao começou a fingir ser um apresentador de notícias. — Olá a todos, bem-vindos ao programa Notícias do Mundo, apresentado pelo famoso Ding Hao. Primeiro, vamos ver uma notícia de última hora: três jovens génios estão a visitar as Três Montanhas e depois...
— E depois o quê? — Zhu Chaoyang perguntou rindo.
Pupu continuou:
— Senhor apresentador, e depois? Não há mais?
— E depois... e depois... — Ding Hao coçou a cabeça, envergonhado, sem conseguir pensar em mais nada.
Mas naquele momento, dois gritos estridentes "ah" interromperam-nos, assustando os três. Eles olharam em direcção à plataforma e viram apenas o jovem, enquanto o casal de idosos tinha desaparecido.
Segundos depois, ouviram sons abafados vindos de baixo. O jovem debruçou-se sobre o parapeito da muralha, gritando:
— Pai! Mãe! Pai! Mãe! — Ele virou-se e correu para as lojas atrás da plataforma, gritando:
— Ajuda! Os meus pais caíram! Alguém, por favor, ajude!
Zhu Chaoyang guardou rapidamente a câmara, e os três correram em direcção à plataforma.
Não havia autocarro direto da vila para as Três Montanhas, então os três meninos levantaram-se cedo, apanharam um autocarro até à cidade e depois mais duas horas de viagem até à zona turística das Três Montanhas.
À distância, Zhu Chaoyang apontou para uma mulher baixinha e rechonchuda na entrada de verificação de bilhetes e disse:
— Aquela é a minha mãe. Esperem aqui, vou falar com ela um momento.
Ele correu até Zhou Chunhong, sua mãe.
— Oh, o que estás aqui a fazer?
— Trouxe dois colegas para passear. — Ele apontou para Ding Hao e Pupu ao longe. — Um é meu colega da escola primária, depois foi para Hangzhou estudar. Está a visitar-nos e a outra é a irmã dele. Ah, mãe...
Ele rapidamente tirou cinco mil yuans do bolso e entregou-os discretamente à mãe.
— Ontem o pai chamou-me para vir lá e deu-me estes cinco mil. Guarda-os.
— Como é que o Zhu Yongping teve um ataque de consciência e te deu tanto? — Zhou Chunhong guardou o dinheiro no bolso.
Zhu Chaoyang baixou ligeiramente a cabeça.
— Ontem, quando lá fui, os amigos com quem ele estava a jogar cartas disseram-lhe para me dar mais. Mas depois, a mulher e a filha dele viram-nos.
Zhou Chunhong perguntou preocupada:
— O que é que elas disseram?
— Nada de especial. A filha dele não me conheceu e perguntou quem eu era. O pai... disse que eu era sobrinho do tio Fang Jianping. — Ele falou em voz baixa.
Zhou Chunhong, vendo a expressão do filho, sentiu os olhos encherem-se de lágrimas, mas segurou-as. Suspirou e disse friamente:
— O Zhu Yongping tem mesmo lata para dizer uma coisa dessas! Ser pai assim é uma vergonha, mais valia morrer!
Zhu Chaoyang mordeu os lábios e não disse nada. Zhou Chunhong mudou de assunto, ajeitando a roupa do filho:
— As tuas roupas estão sujas, não as lavaste, pois não? Amanhã ia ser meu dia de folga, mas a tia Li teve de ir para o hospital com o pai dela, então a tia Wang e eu vamos ter de ficar para cobrir o turno. Não vou para casa nos próximos dias, por isso lava a tua roupa sozinho, está bem?
— Entendi. Eu lavo-as. Vou levar os meus colegas para passear agora.
— Vai, vai. Quando voltarem, leva-os a comer fora. Tens de ser um bom anfitrião, não deixes que pensem que és forreta. Tens dinheiro suficiente?
— Tenho umas centenas de yuans, é suficiente. Mãe, se não vais voltar para casa nos próximos dias, posso deixar os meus colegas ficarem lá por uns dias?
— Claro, divirtam-se. — Zhou Chunhong não impunha muitas regras ao filho, confiava nele. Além disso, ele sempre foi um excelente aluno, desde a escola primária, e ela não precisava de se preocupar com as notas dele. Era o seu orgulho.
Zhu Chaoyang fez sinal aos dois amigos para se aproximarem. Eles cumprimentaram Zhou Chunhong educadamente, e a tia Wang, que trabalhava com Zhou Chunhong, comentou que Pupu era uma menina muito bonita, como uma boneca de porcelana, e que seria uma boa esposa para Chaoyang. Zhou Chunhong riu e deu-lhe um leve tapa, mas Pupu ouviu a conversa e, fazendo uma careta, riu sem dizer nada.
Os três começaram a subir a montanha, rapidamente esquecendo os seus problemas. Era uma quarta-feira de Julho, não um feriado, e também fora da época alta, por isso havia poucos turistas. Os três brincavam e riam enquanto subiam, até chegarem a um pavilhão a meio da montanha para descansar.
— Se pudéssemos brincar assim todos os dias, seria maravilhoso! — Ding Hao exclamou, esticando o corpo em direcção ao ar livre fora do pavilhão.
Pupu, olhando para a vista panorâmica lá em baixo, sorriu feliz:
— Irmão Chaoyang, o que achas da vista aqui?
— É linda.
— Quero tirar algumas fotos aqui.
— Claro, fica aí, vou tirar algumas fotos de teste.
Pupu endireitou-se imediatamente, fazendo o gesto de "v" com as mãos e sorrindo brilhantemente.
— Pareces um coelho, haha — Zhu Chaoyang comentou enquanto ajustava a câmara, com Ding Hao a observar por trás.
Depois de tirar algumas fotos, Zhu Chaoyang verificou as imagens. O fundo era bonito, e Pupu parecia adorável. Todos gostaram das fotos. Então ele começou a fotografar de outro ângulo.
Desta vez, a câmara estava apontada para a frente da plataforma, onde havia um homem jovem e um casal de idosos. Zhu Chaoyang tirou algumas fotos e, ao verificar, viu que tinham ficado boas.
— E então?
Pupu acenou com a cabeça repetidamente:
— Estão lindas! Adoro.
— Haozinho, queres tirar algumas fotos também?
— Eu? Não, não gosto de tirar fotos.
— Bem... então vou gravar um vídeo de vocês.
— A câmara grava vídeos também? — Pupu perguntou curiosa.
— Sim, e também grava som. Vamos lá, estou a gravar. Digam algo para a câmara.
— Dizer o quê? — Pupu perguntou.
— Haha, deixa comigo — Ding Hao começou a fingir ser um apresentador de notícias. — Olá a todos, bem-vindos ao programa Notícias do Mundo, apresentado pelo famoso Ding Hao. Primeiro, vamos ver uma notícia de última hora: três jovens génios estão a visitar as Três Montanhas e depois...
— E depois o quê? — Zhu Chaoyang perguntou rindo.
Pupu continuou:
— Senhor apresentador, e depois? Não há mais?
— E depois... e depois... — Ding Hao coçou a cabeça, envergonhado, sem conseguir pensar em mais nada.
Mas naquele momento, dois gritos estridentes "ah" interromperam-nos, assustando os três. Eles olharam em direcção à plataforma e viram apenas o jovem, enquanto o casal de idosos tinha desaparecido.
Segundos depois, ouviram sons abafados vindos de baixo. O jovem debruçou-se sobre o parapeito da muralha, gritando:
— Pai! Mãe! Pai! Mãe! — Ele virou-se e correu para as lojas atrás da plataforma, gritando:
— Ajuda! Os meus pais caíram! Alguém, por favor, ajude!
Zhu Chaoyang guardou rapidamente a câmara, e os três correram em direcção à plataforma.
Num instante, as pessoas ao redor correram para ajudar, enquanto os funcionários, ao telefone, desciam a montanha para tentar resgatar as vítimas. As três crianças, tal como os outros, debruçaram-se sobre o muro, olhando para baixo.
— É tão alto! Nem se vê as pessoas, será que sobreviveram? — Ding Hao exclamou, arrepiado.
— Com certeza morreram. — Zhu Chaoyang recuou um pouco, sentindo o medo instintivo de olhar de tal altura.
Pu Pu tocou no muro e comentou: — Estranho, este muro é tão largo, como é que eles caíram?
O muro tinha mais de meio metro de largura, permitindo que as pessoas se sentassem com segurança. Muitos turistas costumavam tirar fotos ali. Claro, havia uma placa de aviso “Cuidado com a segurança”, mas nunca ninguém tinha caído da muralha antes.
— Talvez estivessem sentados do lado de fora e, ao tentar voltar, escorregaram. — Sugeriu Ding Hao.
Pupu abanou a cabeça: — Quem teria coragem de se sentar do lado de fora, especialmente idosos?
Zhu Chaoyang tentou imaginar uma explicação: — Talvez um deles tenha tido um mal súbito e, ao desmaiar para trás, puxou o outro consigo. Bem... foi azar, de qualquer forma.
Nesse momento, viram ao longe alguns funcionários do parque entrarem na vegetação abaixo para procurar os corpos. Ding Hao chamou os outros: — Vamos descer e ver o que aconteceu.
Pupu fez uma careta: — O que há para ver nisso?
— Nunca vi alguém cair de uma altura destas, estou curioso para ver como fica.
Zhu Chaoyang olhou para ele com desdém: — Devem estar todos despedaçados, vai ser nojento.
— Sim, deve estar cheio de sangue. — Pupu também não estava interessada.
Ding Hao, no entanto, estava cheio de curiosidade: — Vamos só dar uma vista de olhos, vocês podem ficar longe, eu vou ver de perto.
Os outros dois, cansados da insistência dele, acabaram por ceder. Zhu Chaoyang disse: — Tudo bem, vou ver se a minha mãe precisa da ajuda. Com algo tão grave, eles devem estar muito ocupados.
Os três desceram a montanha e, ao chegarem à entrada, viram Zhou Chunhong a conversar sobre o incidente com colegas de trabalho.
— Mãe, já encontraram as pessoas que caíram?
— Ah, vocês já desceram. Voltem para casa, temos muito trabalho para fazer.
— Encontraram as pessoas?
Zhou Chunhong suspirou: — Acabaram de encontrar, os seguranças estão a trazê-los para cima.
— Tia, como estão? — Pu Pu perguntou.
Um colega de Zhou Chunhong, com um sorriso estranho, assustou as crianças: — Estão em pedaços, os seguranças que desceram para resgatá-los saíram a vomitar.
Enquanto falavam, os seguranças e os polícias que tinham chegado ao local subiam da vegetação, carregando dois corpos enrolados em plásticos manchados de sangue. Todos estavam pálidos, claramente a lutar contra a náusea, e apressavam-se a tirar os corpos dali.
Atrás deles, o homem que tinham visto antes seguia a chorar, a gritar pelos pais, contagiando todos ao redor com a sua tristeza. As três crianças assistiam a tudo, mais por curiosidade do que por reflexão sobre a brevidade da vida. Depois de algum tempo, despediram-se de Zhou Chunhong e começaram a voltar para casa. Ao passarem pelo posto de gestão do parque, viram novamente o homem, agora com alguns polícias, seguranças e funcionários, a discutir o que fazer a seguir — se cremariam os corpos ou os levariam para casa para o funeral. Depois de alguns telefonemas, o homem decidiu que os corpos seriam levados ao crematório. Todos ajudaram a carregar os corpos para uma carrinha do parque, seguida por uma viatura da polícia, enquanto o homem caminhava em direção ao seu carro estacionado.
— Um BMW, ele deve ser muito rico. — Zhu Chaoyang murmurou admirado.
Na verdade, o carro de Zhang Dongsheng era um BMW de fabrico nacional, não muito caro, mas para Zhu Chaoyang, que não distinguia entre carros nacionais e importados, ver o símbolo do BMW era o suficiente para considerá-lo um homem rico. Pupu ficou parada, a observar o carro até ele desaparecer da vista.
Para as três crianças, este incidente parecia apenas uma interrupção no seu dia de diversão. Eles ainda não sabiam que o que aconteceu naquele dia mudaria para sempre o destino dos três.
Ao entrar na sala de mediação, os olhos de Xu Jing estavam vermelhos de tanto chorar. Deu um passo em falso e quase caiu, mas Zhang Dongsheng, que estava logo atrás, rapidamente a segurou, evitando sua queda. No entanto, no segundo seguinte, Xu Jing torceu o pulso para soltar a sua mão da dele, como se não quisesse nenhum contato.
Zhang Dongsheng ficou brevemente surpreso, franzindo ligeiramente a testa ao olhar para ela, mas logo se recompôs e começou a soluçar baixinho: — Desculpa... foi minha culpa, eu não cuidei bem dos meus sogros, sinto muito... — Enquanto ele falava, duas lágrimas escorreram dos seus olhos vermelhos.
Xu Jing soltou um resmungo frio e virou o rosto, mordendo os lábios enquanto olhava para cima, tentando conter as lágrimas que ameaçavam transbordar.
Ao ver a cena, os policiais na sala apressaram-se a oferecer cadeiras para que ambos se sentassem, além de trazer água e toalhas úmidas para que pudessem limpar o rosto.
— Obrigado — disse Zhang Dongsheng, agradecendo aos policiais enquanto enxugava os olhos com a toalha.
Um dos policiais, responsável por atender este chamado de emergência, suspirou e disse: — Lamentamos muito pelo que aconteceu. Os corpos dos idosos já foram levados para o crematório, certo? Precisamos registrar oficialmente o incidente no parque, e depois que terminarmos o trabalho hoje, podemos agendar um encontro com o pessoal do parque para discutir como proceder. Isso parece razoável para vocês?
Zhang Dongsheng olhou para a esposa e perguntou suavemente: — Xu Jing, o que achas?
Xu Jing, ainda imersa em sua dor, não respondeu.
O policial então se voltou para Zhang Dongsheng: — Senhor Zhang, como ocorreu o acidente hoje?
Zhang Dongsheng, ainda chorando, começou a explicar: — Estava tudo bem. Eu sou professor e acabamos de entrar nas férias de verão. Os meus sogros já tinham dito há algum tempo que queriam sair para passear. Pesquisei na internet e vi que as Três Montanhas pareciam um bom lugar, perto de casa, dava para ir e voltar no mesmo dia. Então sugeri a eles, e concordaram. Xu Jing ainda me lembrou de cuidar bem deles, pois o meu sogro tinha hipertensão e poderia se sentir mal subindo a montanha, mas ele insistiu que estava tudo bem e que era bom para a saúde... Quem poderia imaginar... foi tudo culpa minha!
Ele enterrou o rosto nas mãos, soluçando.
— Hipertensão? — O policial levantou uma sobrancelha ao ouvir isso e perguntou: — O seu sogro tinha pressão alta severa?
Zhang Dongsheng levantou a cabeça e respondeu: — Só o meu sogro tinha hipertensão. Minha sogra estava sempre com boa saúde, e a pressão arterial do meu sogro não era tão alta para a idade dele. Raramente tomava medicação.
— Entendo — disse outro policial, anotando rapidamente no seu caderno. — E como foi que eles caíram da montanha?
— Estávamos descansando na plataforma do meio, e minha sogra pediu para que eu tirasse algumas fotos deles. Queríamos capturar a paisagem, mas a muralha estava a bloquear a vista. Então o meu sogro decidiu que seria melhor se eles se sentassem na muralha para tirar a foto. Eu estava ajustando a câmera, foi questão de segundos, e então ouvi os dois gritando e, quando levantei a cabeça, já vi os dois caindo de costas... Foi culpa minha... minha...
A esposa, Xu Jing, gritou entre lágrimas: — Como deixaste oe meus pais subirem na muralha? Eles... Eles já são idosos, como poderiam subir ali? Deve ter sido tu, só pode ter sido tu!
Zhang Dongsheng a interrompeu rapidamente: — Sim, sim, a culpa foi minha... Eu nunca imaginei que eles cairiam. Aquela muralha parece tão larga, era impossível que caíssem. Eu não consigo entender como isso aconteceu. — Ele voltou o olhar para os policiais.
O policial tentou acalmá-la: — Senhora Xu, o muro da antiga fortificação em Três Montanhas é bastante largo e baixo. Muitas pessoas se sentam ali para tirar fotos, e nunca houve problemas. A muralha parece segura, e ninguém esperaria que alguém caísse dela. Não podemos culpar seu marido por isso, afinal, ele também não queria que isso acontecesse.
Xu Jing, ainda soluçando, perguntou: — Então por que os meus pais caíram?
Zhang Dongsheng, chorando, disse: — Eu também não sei, foi questão de segundos... Eu nunca imaginaria que algo assim pudesse acontecer.
O policial ofereceu uma possível explicação: — Fomos até o local e verificamos que a muralha é bastante larga, normalmente não é um risco para quem se senta nela. Acho que o seu pai pode ter tido um episódio de vertigem por causa da hipertensão depois da caminhada, e, ao cair, acabou puxando a sua mãe consigo. Encontramos medicamentos para hipertensão no bolso dele. Ele estava tomando esses medicamentos recentemente?
— Eu... Eu não sei. Isso é algo que o Zhang Dongsheng pode responder.
Zhang Dongsheng explicou: — A Xu Jing trabalha muito, então sou eu quem cuida mais dessas coisas.
Os policiais rapidamente ficaram com uma boa impressão de Zhang Dongsheng, vendo nele um genro que cuidava mais dos sogros do que a própria filha. Algo raro nos dias de hoje.
Zhang Dongsheng continuou: — Eu sempre lembrava o meu sogro de tomar os remédios para pressão. Mas ele dizia que não sentia nada e que era melhor evitar medicamentos. Se ele estivesse tomando os remédios regularmente, acho que... isso nunca teria acontecido!
Os policiais assentiram, cada vez mais simpáticos a Zhang Dongsheng.
Logo, o registro do incidente foi concluído. O relatório policial afirmava que, após uma caminhada, o idoso descansou subitamente, o que pode ter desencadeado um episódio de hipertensão, causando uma vertigem que o fez cair, levando a sua esposa junto.
Depois disso, os policiais confortaram o casal, dizendo que não havia mais nada a ser feito, que deveriam cuidar de si mesmos agora e seguir em frente. Como o parque não tinha responsabilidade direta, considerando que havia placas de segurança no local, eles sugeriram que uma compensação de cinco mil yuans poderia ser oferecida em caráter humanitário, mas que isso ainda seria discutido com a administração do parque.
Ninguém ali imaginava que o genro tão cuidadoso, mais atencioso que a própria filha, era na verdade o assassino.
Tudo fazia parte do plano de Zhang Dongsheng. Ele havia planejado esse assassinato por quase um ano, sabendo que, desse modo, não haveria qualquer risco de ser pego. Mesmo o melhor detetive do mundo não poderia provar que ele havia empurrado os sogros. Além disso, sua atuação foi impecável, ganhando a simpatia de todos. Talvez Xu Jing não estivesse completamente convencida, mas isso não importava mais.
Porque Xu Jing seria a próxima.
— Que cor vocês acham que tem o cérebro? Li em alguns livros que dizem que é amarelo, outros dizem que é branco. — De volta à casa de Zhu Chaoyang, Ding Hao continuava a falar animadamente sobre o ocorrido durante o dia.
Zhu Chaoyang e Pupu já estavam fartos e diziam que ele era fofoqueiro demais. Os três tinham presenciado o mesmo incidente, e Ding Hao não sabia mais do que os outros dois, mas ele continuava tratando o ocorrido como uma grande notícia, insistindo em dramatizar para eles. Se fosse algo que só ele tivesse presenciado, provavelmente não pararia de repetir a história até tarde da noite.
Eles deram duas novas alcunhas para Ding Hao: "Boca Grande" e "Fuxiqueiro", dizendo que qualquer segredo que ele soubesse não ficaria guardado, pois todo o mundo acabaria sabendo.
Embora tivessem presenciado um grave acidente durante o passeio, o incidente não abalou o humor dos três adolescentes. Tinham tirado fotos e, assim que chegaram à casa, correram para para o computador conectar a câmera digital para ver as imagens.
As fotografias deixaram-nos bastante satisfeitos; ao olhar para as poses, ora fingidamente maduras, ora propositadamente engraçadas, todos riram juntos, trocando brincadeiras. Até mesmo Pu Pu, que geralmente era fria e distante, estava hoje especialmente alegre. Depois de verem as fotos, abriram o último vídeo que gravaram. O vídeo começava com Ding Hao a imitar um apresentador de notícias, e Zhu Chaoyang riu-se, dizendo: “Depois de alguns anos em Pequim, o teu mandarim está mesmo muito bom.”
— Claro! Quando crescer, quero ser jornalista.
Zhu Chaoyang brincou: — Sim, tu que és um grande tagarela, vais ser perfeito para o jornalismo.
Pu Pu comentou: — Para ser jornalista, é preciso ser bom nos estudos. Tu não consegues, mas o irmão Chaoyang consegue.
Ding Hao ficou surpreso, e o sorriso desapareceu-lhe do rosto: — Pois é, as minhas notas são péssimas, e… além disso, já nem vou à escola.
Num instante, a atmosfera alegre parecia ter sido varrida por uma escova invisível, deixando tudo sombrio.
Zhu Chaoyang mudou de assunto imediatamente: — A minha mãe disse que hoje devo levar-vos a comer KFC.
— A sério? Que bom! — Ding Hao voltou a rir alto, rindo-se tão alto que parecia tentar compensar pelo impacto da conversa anterior. — Eu e a Pupu nunca comemos, mas já passámos várias noites no KFC, eles estão abertos 24 horas e não expulsam ninguém.
— Ótimo, então vamos agora.
Zhu Chaoyang disse, já a preparar-se para desligar o vídeo, sem notar a expressão estranha no rosto de Pu Pu.
— Espera — disse Pu Pu, franzindo ligeiramente as sobrancelhas e ficando imóvel, olhando fixamente para o ecrã do computador.
— O que se passa? — perguntou Zhu Chaoyang, sem entender.
Pu Pu continuou a olhar para o ecrã: — Podes voltar atrás neste vídeo?
— Claro — ele ajustou o vídeo — Até onde? Aqui?
— Sim, começa aqui. — Pu Pu estava extremamente séria, concentrada no ecrã.
Ambos olharam para ela sem compreender: — O que foi?
Pu Pu engoliu em seco, com o rosto completamente inexpressivo, e só depois de o vídeo terminar é que ela falou, num tom frio: — Ele matou-os.
— Hã? — Os dois continuaram sem entender.
Pu Pu pegou no rato das mãos de Zhu Chaoyang, voltou ao ponto anterior do vídeo e pausou-o, dizendo friamente: — As duas pessoas em frente ao pavilhão não caíram; foram empurradas pelo homem do BMW.
— O quê! — Ao entenderem o que ela disse, ambos ficaram de boca aberta.
Pu Pu pressionou o botão de reprodução e a imagem voltou a mexer-se. Desta vez, Zhu Chaoyang e Ding Hao viram claramente: um pouco atrás deles, o homem agarrou nos pés dos dois idosos sentados na muralha e, num movimento rápido, fez um grande impulso para cima. Os dois instintivamente tentaram agarrar-se a alguma coisa, mas o homem esquivou-se das mãos deles e, com um movimento ainda mais forte, empurrou-os para fora da muralha.
O processo todo durou apenas um ou dois segundos.
Mas mesmo depois de o vídeo terminar novamente, Zhu Chaoyang e Ding Hao ainda estavam parados, olhando fixamente para a imagem estática.
— Ele matou-os — repetiu Pu Pu, com a mesma frieza no rosto.
Zhu Chaoyang parecia ter despertado de um pesadelo, com o coração a bater violentamente: — Como… como pode ser?!
Ding Hao, que adorava falar sobre as novidades, também ficou sem palavras, com a boca aberta, incapaz de emitir um som. Zhu Chaoyang sentia-se extremamente nervoso e tomado por um medo que nunca tinha sentido antes. Nunca tinha passado por algo assim, nunca tinha visto alguém ser morto. Ouvir falar de assassinatos no noticiário e testemunhar um assassinato à sua frente são coisas completamente diferentes, especialmente depois de ver aquele homem a empurrar duas pessoas da muralha em apenas um ou dois segundos, o que o deixou completamente aterrorizado.
Apertando os punhos, gaguejou: — O que… o que vamos fazer agora? Parece que mais ninguém no parque sabe que isto foi um assassinato, todos pensam que foi um acidente. Só nós sabemos. O que fazemos? O que fazemos? Vamos chamar a polícia.
Ding Hao acenou rapidamente com a cabeça: — Sim, sim, vamos chamar a polícia. Isto é muito sério, muito grave!
Zhu Chaoyang correu para o quarto da mãe, agarrou no telefone com as mãos trémulas e disse: — Ligamos… ligamos diretamente para o 112? O que… o que devemos dizer? — Ele não sabia como explicar toda a situação à polícia. Pensou que três crianças a denunciar um assassinato talvez não fossem levadas a sério, talvez fossem apenas repreendidas como se fosse uma brincadeira de mau gosto.
Os outros dois não deram sugestões.
Zhu Chaoyang pensou um pouco e passou o telefone a Ding Hao: — Haozi, tu és bom a falar, tu é que devias explicar.
Ding Hao recuou um passo: — Eu não sou bom nisso, talvez… Pu Pu, diz tu.
Pu Pu abanou a cabeça, sem mostrar qualquer emoção.
Zhu Chaoyang hesitou: — E se eu disser a verdade? Será que a polícia vai acreditar num grupo de crianças?
Ding Hao disse: — Se não acreditarem, vamos nós mesmos à esquadra.
— Sim, está bem, então eu vou ligar. Vou mesmo ligar.
Zhu Chaoyang respirou fundo e marcou o 112. O telefone tocou algumas vezes, até que uma voz feminina respondeu: — Sim?
— Eu… sou — Zhu Chaoyang mal começou a falar, quando de repente uma mão estendeu-se à sua frente e desligou o telefone.
Pu Pu olhou para ele e abanou a cabeça: — Não ligues ainda, vamos pensar.
— Pensar sobre o quê? — Zhu Chaoyang estava confuso, ansioso: — Isto… isto é uma questão de vida ou morte!
Pu Pu, com a mesma expressão inabalável, perguntou: — Se ligarmos para a polícia, estás preparado para entregar a câmara a eles?
— Claro.
— E eu e o Haozi?
— Vocês? O que há com vocês?
— A polícia vai interrogar todas as pessoas que aparecem no vídeo. Eu e o Haozi vamos ser identificados. Eles vão descobrir que fugimos do orfanato, e então vão mandar-nos de volta. Se voltarmos, estaremos melhor mortos.
Ding Hao ficou paralisado por um momento e, nervoso, disse: — Sim, Chaoyang, espera, vamos pensar mais um pouco. Nós prometemos que não voltaríamos, não podemos… não podemos chamar a polícia agora.
— Então… então o que fazemos?
Nesse momento, o telefone tocou novamente. Zhu Chaoyang pensou em atender, mas ao olhar para Ding Hao e Pu Pu, hesitou, incapaz de decidir. O som do toque enchia a sala, e cada segundo parecia demorar uma eternidade. Zhu Chaoyang esfregava as mãos, sem saber o que fazer.
Então Pu Pu pegou no telefone, e disse suavemente para a operadora: — Desculpe, eu marquei o número errado sem querer.
Do outro lado da linha, ouviu uma repreensão sobre como as crianças não deveriam brincar com o telefone durante as férias e que o número de emergência não era uma brincadeira. Pu Pu pediu desculpa várias vezes.
Depois de desligar, Pu Pu olhou para os dois e disse: — Vamos pensar mais um pouco. Estou com fome. Podemos ir comer primeiro?
Os três estavam sentados num canto do restaurante, à volta de um balde familiar. Zhu Chaoyang tirou uma maçaroca, deu duas dentadas e, sem apetite, olhou para os dois com uma expressão preocupada: — Se não denunciarmos, ninguém saberá que ele é um assassino. Ele ficará impune.
Pu Pu respondeu: — Mas eu e o Haozi aparecemos no vídeo. Se a polícia descobrir quem somos, vão contactar o orfanato e mandar-nos de volta para Pequim.
— Mas não podemos simplesmente deixar um assassino escapar impune.
Pu Pu levantou as sobrancelhas: — Talvez ele tenha matado uma pessoa má.
— Aqueles dois velhos não pareciam ser pessoas más.
— Mas tu não consegues distinguir uma pessoa má só pela aparência.
A conversa ficou empatada, e Zhu Chaoyang virou-se para Ding Hao: — E tu, o que achas?
Ding Hao, visivelmente desconfortável, engoliu um pedaço de carne e murmurou: — Tens razão, um assassino não pode ficar impune, mas o que a Pupu disse também faz sentido. Se denunciarmos, vão mandar-nos de volta. Humm... que tal esperar alguns anos para denunciar? Quando tivermos 18 anos, já não precisamos de nos preocupar em ser enviados de volta ao orfanato, e o assassino será preso.
— É uma solução — disse Zhu Chaoyang, franzindo o sobrolho, mas logo abanou a cabeça. — Mas deixar este vídeo guardado por anos... Eu... fico com medo.
Pu Pu, indiferente, comentou: — Do que tens medo? Ninguém sabe disso, a não ser nós três. Quando a polícia te perguntar por que não denunciaste na altura, dizes que não reparaste no vídeo e só notaste agora.
— Mas guardar um vídeo assim por tantos anos... quanto mais tempo passar, mais perigoso é. — Zhu Chaoyang expressou sua ansiedade.
Os três ficaram em silêncio por um momento, comendo em silêncio.
Depois de terminar um pãozinho, Pu Pu olhou para eles com seriedade e disse: — Tenho uma nova ideia de como lidar com isso.
— O quê? — Zhu Chaoyang perguntou apressadamente.
Pu Pu hesitou por um momento antes de continuar: — Podemos aproveitar este vídeo.
— Como assim? — Zhu Chaoyang perguntou, confuso.
Pu Pu semicerrando os olhos, falou em tom sombrio: — Podemos devolver o vídeo a esse homem, mas antes disso, pedimos-lhe uma quantia de dinheiro.
— O quê? Estás a sugerir que vendamos o vídeo a ele? — Zhu Chaoyang ficou boquiaberto.
Pu Pu assentiu, com uma expressão adulta: — Esse homem dirige um BMW, deve ser rico. Agora eu e o Haozi estamos sem meios de subsistência, precisamos urgentemente de dinheiro. Então, a melhor solução é vender o vídeo a ele, pedir uma quantia suficiente para vivermos durante alguns anos. Precisamos de dinheiro para sobreviver, não é, Haozi?
— Sim... mas fazer isso...
— Irmão Chaoyang, dividimos o dinheiro entre nós três. Este será o nosso segredo, e se não contarmos a ninguém, ninguém saberá. Claro, depois de receberes o dinheiro, tens de o guardar no banco, sem que a tua mãe descubra, para que não surjam perguntas.
Ao ouvir o plano dela, Zhu Chaoyang ficou tão assustado que mal conseguia falar. Passou-se um tempo antes que ele recuperasse a fala: — Isto que estamos a fazer é chantagem! E estamos a chantagear um assassino! Isto é crime!
— Haozi, o que achas? — perguntou Pu Pu.
Ding Hao coçou a cabeça, hesitante: — Se conseguirmos o dinheiro sem problemas, seria uma boa ideia, mas tenho medo de que negociar com um assassino seja perigoso.
Pu Pu apertou os lábios: — Este vídeo pode custar-lhe a vida. Ele estará disposto a pagar para o recuperar. Mas… pensando bem, estou a ser egoísta. — Ela olhou para Zhu Chaoyang. — Nós realmente precisamos de dinheiro, mas o irmão Chaoyang não. E mesmo que o consiga, terá de guardá-lo no banco e mantê-lo em segredo até ser adulto.
Zhu Chaoyang ficou em silêncio. Não queria de forma alguma fazer um acordo com um assassino. E se o assassino os matasse também? Mesmo que isso não acontecesse, a ideia de chantagear e não denunciar um crime fazia dele cúmplice do assassino.
Sempre foi um bom aluno, nunca se meteu em brigas, e agora, de repente, estava envolvido em algo criminoso, ligado a um assassino. Ele não conseguia aceitar isso.
Arrependeu-se profundamente de ter acolhido Ding Hao e Pu Pu. Eles eram filhos de assassinos, fugitivos de um orfanato, não tinham nada em comum com ele. Eles não tinham casa, não se importavam com o que os outros pensavam deles. Aos olhos dos outros, eles eram piores do que os delinquentes comuns, já que durante meses de fuga, tinham praticado todo o tipo de crimes menores. Mais um crime não faria diferença para eles.
Mas ele sempre foi um bom aluno! Desde a chegada deles, já tinha gasto cem yuan, o que para um adolescente com uma mesada limitada e poucas despesas mensais era uma quantia considerável. Achava que, se continuasse com eles, as consequências seriam imprevisíveis.
A melhor solução seria procurar uma oportunidade de avisar a polícia secretamente, para que eles fossem enviados de volta ao orfanato. Mas ao fazer isso, Ding Hao e Pu Pu certamente o odiariam e deixariam de vê-lo como amigo. Podiam até agredi-lo ou tentar uma vingança ainda pior. Mesmo que fossem levados de volta ao orfanato, nada garantia que não escapassem novamente. E mesmo que não escapassem, quando fizessem 18 anos e saíssem do orfanato, poderiam querer vingança. Ding Hao já tinha dito que, quando crescesse, procuraria o diretor gordo do orfanato para se vingar. Ele falava sempre de brigas, o que mostrava que era rancoroso.
Isso também o assustava.
Ele sentia-se encurralado, sem saber o que fazer.
A chegada deles trouxe-lhe uma infinidade de problemas.
O jantar foi marcado por conversas interrompidas e demorou muito para terminar.
Os três saíram do KFC, cada um absorto nos seus próprios pensamentos. A essa altura, ainda não estava completamente escuro, e as ruas estavam animadas, mas Zhu Chaoyang não tinha vontade de passear, só queria voltar para casa o mais rápido possível. No entanto, após dar apenas alguns passos, Pu Pu parou de repente, com uma expressão tensa no rosto. “Vocês voltem, eu volto daqui a pouco”, disse ela, com uma voz firme.
Ding Hao perguntou imediatamente: “Tens dinheiro contigo?”
“Tenho mais de dez yuans, volto de autocarro daqui a pouco.”
“Sabes o caminho de volta?” Ding Hao perguntou preocupado.
Pu Pu olhou para Zhu Chaoyang e perguntou: “Irmão Chaoyang, como é que se apanha o autocarro para voltar?”
Zhu Chaoyang olhou para ela, intrigado: “Onde é que vais?”
Ding Hao interrompeu: “Não te preocupes com ela, deixa-a dar uma volta sozinha. Chaoyang, que tal se ficássemos mais um bocado aqui fora? Podemos ir à livraria Xinhua ali em frente, dar uma olhada nos livros enquanto esperamos a Pu Pu acabar o que tem para fazer.”
“Mas... para onde é que ela vai sozinha?” Zhu Chaoyang estava inquieto, preocupado que Pu Pu pudesse estar a fazer algo perigoso.
“Ela vai ficar bem, vamos embora,” disse Ding Hao, puxando Zhu Chaoyang e acrescentando: “Quando acabares, Pu Pu, vem ter connosco, nós vamos estar na livraria.”
Pu Pu assentiu e afastou-se rapidamente.
Assim que ela saiu, Zhu Chaoyang ficou ainda mais ansioso: “Para onde é que a Pu Pu foi?”
“Bem... isso...” Ding Hao hesitou.
“Diz logo!” Zhu Chaoyang exclamou impaciente.
“Está bem, eu conto, mas não digas a ela que fui eu que te disse.”
“Claro, prometo que não direi nada.”
Ding Hao, finalmente aliviado, começou a falar: “Sabes por que é que ela se chama Pu Pu?”
“Não é esse o nome dela?”
Ding Hao riu: “Quem é que tem um nome como Pu Pu?”
“Então porquê?”
“Bem...” Ding Hao parecia um pouco envergonhado antes de explicar: “Quando ela era pequena, ficou doente, e depois disso teve sempre problemas de estômago. Cerca de meia hora depois de comer, ela começa a soltar uns puns, ‘pu pu’, e por isso as pessoas começaram a chamá-la de Pu Pu. Viste ontem que ela comeu muito pouco quando estávamos a comer massas, certo? É porque se comer muito, vai soltar ainda mais puns.”
“Ah, então é por isso!” Zhu Chaoyang exclamou, entendendo agora. “Não é de admirar que ontem à noite, quando estávamos a conversar, ela se sentou sozinha perto da varanda. Houve várias vezes em que senti um cheiro mau, e pensei que fosses tu.”
Ding Hao riu: “O que é que eu podia fazer? Ela é minha irmã jurada, como irmão mais velho, tive que assumir a culpa e dizer que fui eu. Mas olha, não digas nada a ela, ela é uma rapariga, não tem uma cara de pau como eu.”
“Então sabes que tens a cara de pau, hein?” disse Zhu Chaoyang, aliviado por perceber que a saída repentina de Pu Pu não tinha nada a ver com o vídeo.
Ding Hao colocou o braço em volta dos ombros de Zhu Chaoyang, que era muito mais baixo que ele, e disse: “No início, eu ria-me muito dos puns dela, mas depois, ao ver que ela ficava tão triste, comecei a sentir pena dela.”
Zhu Chaoyang assentiu: “Sim, com certeza os outros colegas gozaram muito com ela. Ela é mesmo muito infeliz. Mas como é que podes chamá-la de Pu Pu se és o irmão dela? Esse é uma alcunha insultuosa.” Na escola, Zhu Chaoyang era chamado de “nanico”por alguns rapazes, e sempre detestou alcunhas.
“Ela não se importa, já se habituou. Foi ela que me disse.”
“Então está bem, vamos à livraria esperar por ela.”
Esta livraria Xinhua era a maior da região, com três andares, e tinha uma grande variedade de livros. O ar condicionado estava ligado, tornando o ambiente agradável, especialmente nesta época do ano.
Assim que entraram, Ding Hao correu para a seção de livros infantis. Zhu Chaoyang, por outro lado, não se interessava por histórias literárias; o que mais lhe atraía eram os livros técnicos. Quando chegou à área de livros de apoio para o ensino básico, composta por cinco prateleiras seguidas, sentiu-se completamente em casa, como se uma mulher tivesse acabado de entrar num centro comercial. Havia uma grande mesa cheia de provas simuladas, e ele desejava poder comprar tudo para fazer em casa. Passou meia hora apenas a examinar os índices dos livros, sem perceber o tempo a passar, até que finalmente escolheu um livro de problemas de matemática olímpica e se sentou num canto da prateleira para lê-lo.
Mais meia hora se passou, e Pu Pu voltou com um livro de redações, sentando-se ao lado dele e murmurando: "Voltei. O Haozi está tão entretido com um livro de histórias de terror que não quer sair."
Zhu Chaoyang também não estava com pressa para sair. Ler ali era mais interessante do que assistir à televisão em casa. Além disso, ele realmente não queria discutir mais sobre o plano de chantagear o assassino; então, qualquer desculpa para adiar o assunto era bem-vinda. "Vamos ficar mais um pouco. A livraria fecha às nove, ainda dá tempo de apanhar o autocarro. No verão, quando não tenho nada para fazer, venho para cá e fico o dia todo."
"Esta vida parece boa," comentou Pu Pu com um olhar invejoso.
Assim, os três começaram a ler. Não demorou muito para que Zhu Chaoyang ouvisse uma voz familiar.
"Jingjing, onde é que está o livro que o teu professor recomendou? Vamos perguntar a um dos funcionários."
"Papai, são os Quatro Clássicos: 'Jornada ao Oeste', 'Água... Água alguma coisa' e mais..."
"'À Margem da Água', 'Sonho do Pavilhão Vermelho' e 'Romance dos Três Reinos'. Ai, o teu professor está a pedir para leres os Quatro Clássicos já no segund ano? Até eu nunca os li."
"Não, o professor disse que agora não entendemos, mas que no futuro definitivamente teremos que ler. Eu quero ver como são os Quatro Clássicos."
"Ah, está bem, o pai compro para ti. Não só os Quatro Clássicos, como os Quarenta Clássicos, se for preciso. Com esse gosto pelo estudo, as tuas notas vão ser excelentes!"
Ao ouvir aquela voz familiar, Zhu Chaoyang levantou a cabeça de imediato, e instintivamente chamou a pessoa à sua frente: "Pai—" Mas imediatamente fechou a boca.
Pu Pu, que estava ao seu lado, levantou os olhos, curiosa, para olhá-lo.
Zhu Yongping, ao ver o filho, apressou-se a piscar-lhe o olho e colocou um dedo nos lábios, num gesto que pedia silêncio.
Por um momento, Zhu Chaoyang engoliu em seco e não disse nada.
Zhu Yongping segurou a filha, que continuava a andar, e fez com que ela se virasse: "Os Quatro Clássicos estão no andar de cima. Jingjing, o pai levo-te lá para os buscar."
"Está bem! Ah, e preciso de comprar um caderno de caligrafia, a professora de caligrafia disse que vamos precisar na aula de amanhã. Esqueci-me de comprar da última vez."
"Está bem, compramos tudo."
Os dois deram meia-volta e começaram a subir as escadas, com Zhu Yongping a segurar na mão da filha. Ele não olhou para trás, mas ao chegar ao patamar das escadas, deu uma rápida espreitadela ao filho. Viu que, à distância, ele ainda o seguia com um olhar nostálgico. Zhu Yongping tossiu ligeiramente, desviou o olhar, e continuou a subir com a filha.
Zhu Chaoyang sentiu-se como se estivesse preso noutro mundo, incapaz de se mover, incapaz de escapar.
"Esse era o teu pai?"
Só as palavras de Pu Pu, ditas de forma calma, o trouxeram de volta à realidade. Ele não respondeu, apenas acenou com a cabeça e voltou a baixar os olhos. Não sabia que expressão teria Pu Pu ao olhar para ele naquele momento—se era de pena, de compaixão, ou a sua habitual indiferença.
"O teu livro está amassado." Pu Pu disse isto, e depois voltou a mergulhar na leitura do seu livro de redação.
Zhu Chaoyang, surpreendido, percebeu então que tinha apertado as páginas do livro na sua mão, até as amassar.
Naquela noite, ao voltar para casa, Zhu Chaoyang falou muito pouco, e Pu Pu não mencionou novamente o plano de fazer um acordo com o assassino. Apenas Ding Hao, completamente alheio ao que estava a acontecer, continuava a perguntar sobre o que fazer com o vídeo, e os outros dois davam respostas evasivas.
No dia seguinte, ao acordar, Ding Hao começou a falar sobre onde poderiam ir brincar, dizendo que deviam aproveitar os próximos dias, pois, depois de saírem da casa de Zhu Chaoyang, talvez não tivessem mais oportunidades. Esse tipo de conversa deixava todos um pouco tristes, e Zhu Chaoyang, temendo que Pu Pu e Ding Hao voltassem a falar sobre chantagear o assassino, achou que sair para brincar seria uma boa maneira de passar o tempo. Quem sabe, depois que a sua mãe voltasse para casa e os dois fossem embora, eles não voltassem a tocar no assunto. Quanto ao vídeo, ele pensava em como lidar com isso mais tarde.
Ele sugeriu irem ao Palácio da Juventude. O Palácio da Juventude e o parque de diversões estavam no mesmo local, e era um lugar grande. Além disso, as atrações no parque de diversões eram muito baratas; por exemplo, a montanha-russa custava apenas três yuans, embora ele sempre tivesse que esperar muito tempo na fila quando ia lá.
Quando Ding Hao soube que o Palácio da Juventude tinha um parque de diversões, ficou super entusiasmado. Pu Pu, que raramente tinha momentos de lazer, também queria ir, mas sentia-se desconfortável em gastar o dinheiro de Zhu Chaoyang. Zhu Chaoyang, no entanto, achou que um dia de diversão custaria apenas algumas dezenas de yuans. Afinal, eles eram amigos, e ele quase não tinha amigos com quem realmente pudesse conversar, nem na escola. Talvez eles fossem os únicos amigos que ele realmente tinha. Além disso, eles iriam embora em alguns dias e, depois, talvez não tivessem mais essas oportunidades. Se gastar esse dinheiro ajudasse a evitar que eles voltassem a falar sobre chantagear o assassino, seria um ótimo investimento.
O Palácio da Juventude do distrito era um edifício de seis andares, construído no final dos anos 80. Após mais de vinte anos e várias reformas externas, ainda parecia um pouco desgastado.
Do lado de fora do Palácio da Juventude havia um parque de diversões infantil. Na época da construção, muitas árvores foram plantadas, e, após tantos anos, tinham se tornado enormes. Mesmo em julho, o parque de diversões ficava agradavelmente fresco sob a sombra das árvores. Havia trens elétricos, carrosséis, barcos bate-bate, uma pequena montanha-russa e outras atrações. Era um lugar para crianças, e os preços permaneciam inalterados há muitos anos. Contudo, devido aos preços baixos, durante as férias de verão, o local estava sempre cheio de pais com seus filhos, e todas as atrações tinham filas enormes.
Dentro do grande edifício do Palácio da Juventude, o primeiro andar abrigava um museu de ciências gratuito, o segundo andar tinha uma sala de ténis de mesa e uma biblioteca, e do terceiro andar em diante, os espaços eram alugados para instituições privadas que ofereciam vários cursos.
Os três desceram do autocarro e entraram no parque de diversões. Ao verem a multidão, ficaram imediatamente animados, ansiosos por se divertirem. Ding Hao, cheio de entusiasmo, começou a avançar, mas Pu Pu parou subitamente, puxando Zhu Chaoyang e apontando para a entrada. Zhu Chaoyang seguiu a direção que ela indicava e viu Zhu Jingjing e sua mãe. A mãe de Jingjing estava a dar-lhe a mochila, enquanto lhe dava algumas instruções. A menina parecia impaciente, acenando para a mãe ir embora. Em seguida, a mãe entrou num carro SUV vermelho estacionado ao lado da estrada.
Zhu Jingjing, agora sozinha, com a mochila às costas, dirigiu-se para o edifício do Palácio da Juventude. Só quando ela desapareceu na multidão é que Zhu Chaoyang murmurou: “Vamos, vou levar-lhes a andar na montanha-russa.”
Pu Pu olhou para ele com curiosidade: “Não queres vingar-te?”
Zhu Chaoyang baixou a cabeça e suspirou: “Vingar-me? Como?”
Nesse momento, Ding Hao percebeu que os outros dois não estavam a segui-lo e voltou: “O que se passa? Vamos, está uma fila enorme lá dentro.”
Pu Pu disse: “O Chaoyang viu a pequna vadia.”
“Ah, sim? E daí? Deixa isso para lá. Vamos, vamos divertir-nos, esquece isso.”
Zhu Chaoyang acenou com a cabeça.
Pu Pu, com uma expressão séria, disse: “Não disseste que irias vingar o Chaoyang?”
“Ah… eu disse,” Ding Hao coçou a cabeça, um pouco embaraçado, “mas… o que é que vamos fazer?”
Pu Pu respondeu friamente: “Vamos bater-lhe até ela cair.”
Ding Hao abriu a boca: “Aqui? Com toda esta gente? Não podemos fazer isso, bater numa miúda… não é boa ideia.”
“A mãe dela foi-se embora, agora está sozinha naquele edifício. Vamos segui-la e, quando tivermos uma oportunidade, vamos levá-la para um canto e dar-lhe uma surra, para vingar o Chaoyang.”
Zhu Chaoyang sentiu imediatamente o sangue ferver, mas, após alguns segundos de reflexão, balançou a cabeça: “Se lhe batermos, ela vai contar ao meu pai, e aí… aí vai ser um problema.”
Pu Pu sorriu com confiança: “Não precisas de te mostrar. Só tens de observar de longe. O Haozi dá-lhe uma surra, ela não conhece o Haozi, por isso não pode queixar-se ao teu pai.”
“Por que eu?” Ding Hao apontou para si mesmo, com a boca aberta de espanto. “Eu, um homem feito, vou bater numa miúda? Isso não é nada honroso.”
“Não é uma miúda,” corrigiu Pu Pu, “é uma putinha.”
“Está bem, mesmo que seja, não é bom para a minha imagem.”
“Não disseste que irias vingar o Chaoyang?”
“Sim, mas…”
Pu Pu interrompeu-o: “Entendo, é aquela coisa de orgulho masculino. Se tu a bateres, só nós três saberemos. Se não quiseres, eu mesma posso bater-lhe, mas tu tens de me ajudar se ela reagir.” Pu Pu cerrou o punho.
“Bem… Chaoyang, o que achas?” Ding Hao olhou para ele, esperando uma resposta.
“Eu acho…” Zhu Chaoyang ficou a pensar, dividindo-se entre os seus sentimentos.
Ele tinha dois anos quando os pais se divorciaram, e, se não fosse por aquela mulher que seduziu o seu pai, ele teria tido uma família feliz e próspera. Agora, na escola, sentia-se sempre inferior, porque os colegas, quando discutem, gostam de atacar os pais dos outros, e ele sempre tinha de engolir em seco.
Se tivesse uma família normal, a professora Lu não pensaria que ele era mal-educado, certo? A mãe dele suportou muitas dificuldades ao longo dos anos; quando a empresa onde trabalhava faliu, ficou desempregada. Mais tarde, o governo arranjou-lhe um trabalho num parque turístico, a verificar os bilhetes, mas isso significava que passava a maior parte do tempo fora de casa, e ele tinha de se cuidar sozinho. Quando ia às compras com a mãe, ela discutia o preço por alguns cêntimos; aquela mulher, de certeza, nunca teria de se preocupar com trocos. A mãe dele deveria ser quem conduzia o carro SUV, e ele deveria estar a sentar confortavelmente no carro. Mas, em vez disso, a mãe dele só tinha uma bicicleta, e ele nunca tinha a oportunidade de andar de carro.
Tudo isso, por culpa daquela mulher, que lhe roubou o que era dele por direito. Agora, a vida que ele deveria ter está a ser desfrutada pela filha dela. Quando a imagem do seu pai a segurar a mão de Zhu Jingjing e a levá-la escadas acima lhe veio à mente, ele apertou os punhos com força e tomou uma decisão: “Vamos atrás dela. Eu fico por perto, mas vocês não deixem que ela perceba que estamos juntos.”
Zhu Chaoyang puxou Pu Pu de lado e disse com seriedade: “Obrigado.”
Pu Pu, com uma expressão indiferente, respondeu apenas: “Somos iguais.”
Em seguida, Pu Pu e Ding Hao entraram no Palácio da Juventude, enquanto Zhu Chaoyang os seguia a uma distância segura, disfarçando sua presença.
Zhu Chaoyang já tinha ido várias vezes ao Palácio da Juventude e conhecia bem o local. Ele deduziu que Zhu Jingjing provavelmente estava a frequentar uma aula de algum curso extracurricular e, por isso, não estaria no primeiro ou segundo andar.
Seguindo a uma distância de cerca de dez metros dos outros dois, Zhu Chaoyang fazia sinais discretos com as mãos, indicando para onde deveriam ir. Os três subiram diretamente até ao terceiro andar, onde Zhu Chaoyang se escondeu na casa de banho dos rapazes, aguardando notícias. Como Pu Pu tinha visto Zhu Jingjing na noite anterior e a reconheceria facilmente, ficou encarregue de levar Ding Hao para encontrá-la.
Fingindo serem alunos, eles espreitaram dentro de cada sala de aula. No terceiro andar, não encontraram nada. Então, subiram para o quarto andar e repetiram o processo, mas novamente sem sucesso. O mesmo aconteceu no quinto andar. Finalmente, chegaram ao sexto e último andar.
Ao contrário dos andares inferiores, que estavam cheios de pessoas, o sexto andar parecia deserto, com o corredor completamente vazio. Justamente quando Zhu Chaoyang pensava que não haveria aulas naquele andar e se preparava para descer, Pu Pu disse: "Parece que há som vindo daquela sala ali à frente. Espera aqui, eu vou verificar."
Pu Pu foi discretamente investigar e, após um momento, voltou correndo e apontou para a sala mais distante: "A pequena vadia está mesmo lá dentro."
Zhu Chaoyang perguntou ansioso: "Há muita gente?"
"Não, já vi tudo. O sexto andar só tem esta turma. Parece que estão a aprender caligrafia com pincel, só há uma professora e cerca de uma dúzia de crianças da mesma idade, a praticar escrita."
Zhu Chaoyang assentiu: "As aulas de caligrafia normalmente não têm muita gente. Mas como a professora está lá, não podemos simplesmente entrar e bater nela. Como vamos fazê-la sair?"
Pu Pu sugeriu: "Esperamos um pouco. Daqui a pouco, ela provavelmente sairá para ir à casa de banho, e esperamos que saia sozinha. Senão, será mais complicado."
"Está bem, então vamos esperar na curva da escada. Vamos ver se temos sorte hoje."
Ding Hao, um pouco nervoso, perguntou: "E quando a apanharmos, como é que devemos bater nela? Com que força?"
Zhu Chaoyang pensou por um momento e respondeu: "Não a podemos machucar seriamente, basta fazê-la chorar."
Pu Pu resmungou: "Só fazer chorar? Isso é muito pouco."
Zhu Chaoyang perguntou: "Então o que sugeres?"
Pu Pu disse friamente: "Tenho uma ideia boa, que não a machucará, mas que a fará chorar até se fartar e nunca mais esquecer isso na vida."
Zhu Chaoyang, animado, perguntou: "O quê?"
"Enfiar a cabeça dela no cocô da sanita."
Ding Hao fez uma cara de espanto: "Como é que pensaste nisso? És um génio!"
Os olhos de Zhu Chaoyang brilharam, e ele quase bateu palmas de excitação: "Isso é mesmo uma excelente ideia!"
Pu Pu, com um sorriso sarcástico, disse: "Mas há um problema."
Zhu Chaoyang, preocupado, perguntou: "Qual é?"
Pu Pu respondeu lentamente: "Não sabemos se há algum cocô na sanita."
Zhu Chaoyang riu: "Isso é fácil de resolver, vou já tratar disso!" E correu alegremente para a casa de banho.
Pouco depois de Zhu Chaoyang entrar na casa de banho, Ding Hao e Pu Pu viram uma menina sair da sala de aula. Com os olhos a brilhar, Pu Pu apontou para ela e disse a Ding Hao: "A pequena vadia saiu."
"Ela está a vir para cá. Parece que vai à casa de banho, não é?"
"Sim, e está sozinha. Vamos apanhá-la e arrastá-la para a casa de banho dos rapazes."
Como a sala de aula ficava no final do corredor e a casa de banho perto das escadas, o ponto mais distante, quando Zhu Jingjing chegou à porta da casa de banho, deparou-se com Ding Hao e Pu Pu à espera.
Antes que pudesse entrar na casa de banho das meninas, Pu Pu agarrou-lhe o cabelo e disse: "Fica quieta."
Zhu Jingjing gritou de dor e, ao ver duas pessoas muito mais altas do que ela, perguntou, assustada e zangada: "O que é que vocês querem?"
Pu Pu, com um sorriso sarcástico, respondeu: "Não gosto de ti." E puxou-lhe o cabelo com força.
"Ai! O que é que vocês estão a fazer?!" Zhu Jingjing gritou.
"Vamos bater-te. Algum problema?" E Pu Pu puxou-lhe o cabelo novamente.
"Quem são vocês?! O que estão a fazer?! Socorro, socorro!"
Vendo que ela estava prestes a gritar, Ding Hao, com medo de serem descobertos, rapidamente tapou-lhe a boca. Zhu Jingjing, por instinto, mordeu-lhe a mão com força, fazendo Ding Hao gritar de dor, sangue a escorrer-lhe da mão. Ele soltou-a imediatamente. Zhu Jingjing tentou correr de volta para a sala de aula, mas Pu Pu, rápida, voltou a agarrar-lhe o cabelo.
Zhu Jingjing, agora com lágrimas nos olhos de dor, virou-se e começou a cuspir-lhes. Ding Hao, furioso pela mordida que lhe arrancou a pele, bateu-lhe na cabeça e no rosto algumas vezes, fazendo-a chorar. A sala de aula estava longe, e o Palácio da Juventude era barulhento, cheio de crianças a brincar e a rir, por isso, ninguém ouviu os gritos de Zhu Jingjing.
Nesse momento, Zhu Chaoyang saiu da casa de banho.
"Haozi, Pu Pu, o que é que está a acontecer? Ela—"
Zhu Chaoyang, ao ouvir o barulho lá fora, pensou que fosse algum problema com outras pessoas, sem imaginar que já tinham apanhado Zhu Jingjing. Quando saiu, a sua visão foi bloqueada por Ding Hao e Pu Pu, de modo que não viu Zhu Jingjing imediatamente. Mas, no segundo seguinte, percebeu que a tinham capturado. Ele quis recuar para se esconder, mas já era tarde demais; Zhu Jingjing viu-o e reconheceu-o.
"Ah! És tu! Vocês estão juntos! Foste tu que os mandaste bater-me, não foi?"
Embora tivesse apenas nove anos, a inteligência de Zhu Jingjing já estava bem desenvolvida como um adulto. Ao ver como os três se relacionavam, ela imediatamente entendeu a situação.
"Eu… eu não fiz nada." Zhu Chaoyang gaguejou e virou rapidamente a cabeça.
Zhu Jingjing parou de chorar e, furiosa, apontou para ele: "A minha mãe disse que tu és um filho bastardo, que és filho de uma mulher gorda que andava com o meu pai. A minha mãe disse ao meu pai para nunca mais te ver, por isso é que mandaste esses dois baterem-me, não é verdade?"
Por um momento, tudo ficou em silêncio. No segundo seguinte, Zhu Chaoyang sentiu o sangue ferver na cabeça, o rosto ficou vermelho de raiva, e ele avançou dois passos, apontando para a testa dela e gritou: "Tu é que és filha de uma vadia! Eu sou o filho do meu pai!"
Zhu Jingjing era uma criança teimosa e mimada, que nunca tinha sido espancada antes. Apesar de estar ferida e muito zangada, ainda enfrentava Zhu Chaoyang com raiva: "A minha mãe disse que és um filho bastardo e que a tua mãe é uma anã gorda, e é por isso que tu também és baixo. Vais ser sempre mais baixo do que eu. O meu pai prometeu à minha mãe que nunca mais te veria e que não te daria um tostão. Vamos ver o que é que fazes agora!"
Pu Pu, de repente, deu-lhe uma bofetada violenta. Zhu Jingjing soltou um grito estridente e começou a chorar incontrolavelmente. Zhu Chaoyang agarrou-a pelos cabelos e arrastou-a para a casa de banho dos rapazes, seguido por Pu Pu e Ding Hao.
Dentro da casa de banho, Zhu Chaoyang não a levou para o vaso sanitário, mas sim para junto da janela. Ele levantou-a e começou a empurrá-la para fora da janela. Embora Zhu Jingjing lutasse com todas as suas forças, a diferença de altura e força entre os dois era muito grande, e Zhu Chaoyang conseguiu colocá-la na beira da janela.
Zhu Jingjing enroscou as pernas na moldura da janela e agarrou-se firmemente o caixilho com força, continuava a gritar teimosamente: “És um doido! Larga-me, larga-me já!”
Ding Hao, percebendo que a situação estava a ficar perigosa, correu para puxar Zhu Chaoyang: "Baixa-a! O que é que estás a fazer? Isto é sério!"
Zhu Chaoyang, que agia por impulso, queria apenas assustá-la e não tinha a intenção real de a empurrar pela janela. Com Ding Hao a puxá-lo, ele recuperou a lucidez, segurou Zhu Jingjing com firmeza para que não caísse de verdade, e disse friamente: "Se voltares a chamar-me filho bastardo, eu empurro-te daqui para fora."
Mas Zhu Jingjing, teimosa, continuava a gritar: "Tu és um filho bastardo, tu és um filho bastardo! Socorro, socorro!" Percebendo que ela estava a gritar por ajuda na janela, Zhu Chaoyang rapidamente a virou para dentro, para que as pessoas lá fora não a vissem, e apertou-lhe os lábios, ameaçando: "Ainda queres continuar com isso?"
Zhu Jingjing sacudiu a cabeça com força e, em seguida, mordeu com toda a força os dedos de Zhu Chaoyang. Ele puxou a mão a tempo, quase sendo mordido. Pu Pu disse friamente: "Ela é como um cão, só sabe morder. Olha o que fez à mão do Haozi, arrancou-lhe sangue."
Ding Hao mostrou a mão ferida, onde uma mancha de sangue se destacava: "Esta pequena cadela, ela mordeu-me até arrancar a pele!"
Zhu Chaoyang, com raiva, disse: "Pequena vadia, tenta morder de novo para ver o que acontece."
"Doido, doido, doido!" Zhu Jingjing gritava, enquanto chorava e insultava.
Zhu Chaoyang deu-lhe uma bofetada na cabeça, fazendo-a chorar ainda mais alto, mas ela não cedia. Zhu Chaoyang respirava pesadamente, completamente tomado pela fúria, mas sem coragem para realmente a empurrar. Ele não sabia o que fazer.
Pu Pu soltou um suspiro frio: "Esta pequena cadela continua a ser teimosa. Eu sei como lidar com ela! Haozi, vem cá."
Ding Hao aproximou-se, e Pu Pu sussurrou-lhe algo ao ouvido. Ele hesitou, dizendo: "Não sei se devíamos..."
Mas Pu Pu manteve-se firme: "É exatamente assim que vamos fazer."
Zhu Chaoyang, curioso para saber o que Pu Pu tinha em mente, observou enquanto Ding Hao enfiava a mão dentro das calças, arrancando alguns pelos púbicos. Ele agarrou Zhu Jingjing pela boca e disse: "Abre a boca! Quiseste morder-me, até me fizeste sangrar!" Com um aperto forte nas bochechas, ele forçou-a a abrir a boca e empurrou os pelos para dentro da garganta dela.
Zhu Chaoyang ficou chocado. Ele ainda estava a começar a desenvolver pelos, mas os de Ding Hao já eram negros e ásperos. Olhou para Pu Pu com surpresa, nunca imaginando que ela poderia ser tão cruel.
Essa ação teve o efeito desejado. Zhu Jingjing começou imediatamente a engasgar e a tentar vomitar, mas com a boca tapada por Ding Hao, não conseguia expelir os pelos. Subitamente, a sua resistência quebrou-se e, com o corpo a tremer, começou a implorar: "Eu errei, grande irmão, grande irmã, por favor, soltem-me. Nunca mais vos insulto. Por favor!"
Ding Hao, olhando para o sangue na sua mão, disse: "Vais morder-me de novo, cadela?"
"Não, não vou, nunca mais."
Pu Pu, com uma expressão vitoriosa, sorriu friamente: "Agora percebeste que erraste? Pede desculpa."
Zhu Jingjing, soluçando, disse: "Desculpa, desculpa, por favor, deixem-me ir..."
Pu Pu soltou um suspiro: "Chaoyang, acho que ela aprendeu a lição. Acho que podes soltá-la agora."
Ding Hao também interveio: "Já a deixámos bem assustada, está feito. Ai, a minha pobre mão..."
Apesar de estar tomado pela raiva, Zhu Chaoyang sabia onde estavam os seus limites. Vendo que ela finalmente tinha perdido toda a arrogância, a sua fúria começou a dissipar-se. Ele olhou para Zhu Jingjing e disse: "Agora que já percebeste o teu erro, eu vou deixar-te ir."
Zhu Jingjing assentiu obedientemente: "Grande mano, eu entendi, por favor, solta-me."
Ao ouvi-la chamar-lhe "grande mano", Zhu Chaoyang sentiu uma onda de compaixão. Afinal, havia uma relação de sangue, embora indireta, entre eles. Contudo, antes de a soltar, ameaçou: "Lembra-te, tu é que és a filha de uma vadia, eu sou o filho legítimo! Se voltares a dizer alguma coisa, eu volto a bater-te!" Dizendo isso, ele deu-lhe mais uma palmada, como um gesto de intimidação.
Na verdade, não a bateu com muita força, mas Zhu Jingjing, já aterrorizada, começou a chorar novamente: "Socorro! Já pedi desculpa e ainda me estás a bater... Eu vou contar ao meu pai e à minha mãe!"
"Tu—" Zhu Chaoyang ficou chocado com as suas palavras, como se uma bacia de água fria tivesse sido derramada sobre ele, trazendo-o de volta à realidade. Num impulso, gritou: "Vai morrer!"
Com toda a força, empurrou Zhu Jingjing para fora da janela. Ding Hao tentou puxá-la de volta, mas já era tarde demais. Seguiu-se um estrondo, como se uma melancia tivesse caído de uma grande altura e se espatifado no chão.
Zhu Chaoyang estava a tremer da cabeça aos pés, parado no lugar.
Ding Hao e Pu Pu correram até à janela, pressionando as mãos contra o vidro e espreitando para baixo.
Zhu Jingjing estava deitada de costas no chão, com as mãos e os pés contraídos, e uma grande poça de sangue espalhada por detrás da cabeça.
Ao mesmo tempo, ouviram-se gritos de choque no chão, enquanto as pessoas corriam de todas as direções, aglomerando-se ao redor de Zhu Jingjing. Alguns segundos depois, muitas delas levantaram a cabeça, olhando para cima.
Pu Pu puxou Ding Hao de volta da janela.
Ding Hao olhou para Zhu Chaoyang com os dentes a bater de medo: "E agora... o que... o que fazemos?"
Zhu Chaoyang ficou calado, sem se mexer.
Pu Pu olhou para ele, agarrou-lhe o braço e disse com determinação: "Primeiro temos de fugir daqui!"
Quando chegaram à porta da casa de banho, Pu Pu espreitou para fora. O corredor estava temporariamente vazio, então puxou os dois e correu para as escadas, descendo-as a toda a velocidade. Correram até ao segundo andar, onde já havia muitas pessoas. Nesse momento, as pessoas começaram a encher as escadas, descendo para ver o que se passava. Zhu Chaoyang, perdido em seus pensamentos, de repente parou e puxou os dois para um canto. Apertando os lábios, disse: "Eu cometi um grande erro. Vocês devem ir embora. Eu não quero arrastar-vos comigo."
Ding Hao perguntou, preocupado: "E tu, o que vais fazer?"
Zhu Chaoyang forçou um sorriso: "Isto não tem nada a ver com vocês, fui eu que causei este problema. Vocês devem ir embora."
Ding Hao olhou para Pu Pu, mas ela não se moveu, perguntando com seriedade: "Estás com medo?"
"Medo?" Zhu Chaoyang soltou um sorriso frio, com uma expressão que de repente parecia muito mais velha: "Já que a pequena vadia me viu a bater-lhe, ela vai certamente contar ao meu pai. Já estou acabado, por isso, se ao menos consegui aliviar a raiva, não tenho nada a temer. Seja como for... é isso."
Pu Pu perguntou: "O que planeias fazer a seguir?"
"Vou entregar-me."
Ding Hao abanou a cabeça e suspirou: "Então, a tua mãe vai ficar sozinha."
Ao ouvir isto, Zhu Chaoyang parou, os músculos do rosto contraíram-se, e os olhos ficaram vermelhos, baixando a cabeça, sem dizer uma palavra.
Pu Pu franziu o sobrolho, pensando: "Não sabemos se a pequena vadia morreu. Se não morreu..." Ela pareceu desesperada. "Então... então não há nada a fazer..." Depois, os olhos dela estreitaram-se ligeiramente. "Mas se ela tiver morrido... e ninguém nos viu..."
Ding Hao imediatamente sugeriu: "Temos de ir ver o que aconteceu."
Pu Pu abanou a cabeça: "Não. Se ela não morreu e nos vir lá, vamos ser apanhados."
Zhu Chaoyang cerrou os dentes: "Eu vou ver. Não importa o que aconteça, a culpa é minha. Vocês não têm nada a ver com isto. Ela não vos conhece, e ninguém sabe quem são vocês. Se eu for apanhado, vocês ainda têm tempo para fugir. Sim, é isso. Vou descer para ver o que se passa, e vocês fiquem à janela. Se eu for apanhado, não entrem em pânico. Saíam discretamente com a multidão e fujam para outra cidade."
Os três consideraram por um momento. Zhu Chaoyang estava certo; se Zhu Jingjing não tivesse morrido, Zhu Chaoyang não poderia escapar de qualquer forma, enquanto Ding Hao e Pu Pu, mesmo que a polícia tentasse apanhá-los, não seria imediatamente. Haveria tempo para fugir. Pensando no pior, esta parecia a melhor solução. Pu Pu e Ding Hao correram até à janela, esforçando-se para espreitar por entre as crianças que estavam a olhar para baixo, à espera de ver Zhu Chaoyang.
Lá em baixo, muitas pessoas estavam a gritar que ela tinha morrido e que não havia esperança de salvá-la. Embora o corpo de Zhu Jingjing ainda se movesse, os espasmos estavam a diminuir. Alguns funcionários do Palácio da Juvendade rodeavam o corpo, impedindo os outros de se aproximarem. Os pais que tinham vindo com os filhos afastavam-nos da cena sangrenta. Apenas os transeuntes e os rapazes mais corajosos continuavam a correr para dentro.
Zhu Chaoyang, pequeno de estatura, foi empurrado para longe pela multidão e não conseguiu aproximar-se. Não sabia se Zhu Jingjing estava morta ou viva, e sentia-se perdido. Depois de algum tempo, ouviu um grito agudo vindo da multidão: "Jingjing, o que aconteceu? Jingjing! Acorda, a mamã está aqui! Jingjing! Jingjing! Ah..."
Zhu Chaoyang franziu ligeiramente o sobrolho. Não havia dúvida de que a mãe de Jingjing tinha chegado. Ele não queria encontrá-la, por isso foi para um local mais isolado e olhou para o segundo andar do Palácio da Juvendade, procurando a localização de Pu Pu e Ding Hao. Eles também estavam a olhar para ele. Pu Pu sorriu e fez-lhe um sinal de OK com a mão. Zhu Chaoyang apontou para a porta traseira do Palácio da Juvendade e começou a caminhar naquela direção, e os outros dois entenderam e seguiram-no.
Os três reuniram-se novamente à saída da porta traseira. Pu Pu disse friamente: "A pequena vadia está morta."
"Mesmo?" Zhu Chaoyang arregalou os olhos, sem saber se devia sentir alívio ou tristeza.
Pu Pu respondeu: "Sim, está morta. Eu e o Haozi vimos claramente. Quando levantaram a pequena vadia, a parte de trás da cabeça estava toda afundada, e ela não se mexia de forma alguma. A ambulância acabou de chegar, e quando o médico a pegou, ela ainda não se mexia. O médico olhou para ela e foi-se embora. Quando descemos, vimos que a polícia tinha chegado e ouvi um deles a dizer que ela tinha morrido e que precisavam de investigar o que aconteceu."
Ding Hao comentou com preocupação: "Sim, a polícia chegou depressa."
Zhu Chaoyang suspirou, desesperado: "Morreu, morreu... Agora estou perdido, a polícia vai apanhar-me em breve."
Pu Pu desdenhou: "Não precisas de ter medo. Quem viu que foste tu que a empurraste? Só nós dois. Eu não vou dizer nada. E tu, Haozi?"
"Eu?" Ding Hao endireitou-se imediatamente: "Eu nunca traíria um irmão! Podem matar-me, mas não vou entregar o meu irmão."
Pu Pu sorriu sarcasticamente: "Mas tu és um grande falador."
"Eu... Tenho os meus limites. Não te preocupes, Chaoyang, somos bons amigos. Estou contigo!" Nesta idade, as crianças têm uma forte noção de heroísmo. Ele riu alto para mostrar a sua lealdade e deu um tapinha no ombro de Zhu Chaoyang, imaginando que, se já tivesse uma barba espessa, um toque nela tornaria o momento ainda mais grandioso.
Zhu Chaoyang sentiu-se um pouco aliviado ao ver que os seus amigos estavam do seu lado. Ele forçou um sorriso e disse: "Seja como for, já está feito. Agora, seja o que for. Vamos para casa."
Mal terminou de falar, ouviram-se dois estrondos no céu, seguidos por uma chuva torrencial. As pessoas que estavam no Palácio da Juvendade e não tinham guarda-chuvas dispersaram-se em fuga. Os três também correram para a paragem de autocarro e apanharam o autocarro de volta a casa.
Zhu Chaoyang, de pé no autocarro, olhava para a chuva intensa lá fora, sentindo que tudo o que tinha acontecido naquele dia parecia um sonho. Ele ergueu os olhos para os seus dois amigos. Ding Hao estava cabisbaixo, com uma expressão preocupada. Apesar de ser o mais alto e ter a personalidade mais extrovertida, Ding Hao era na verdade muito medroso. Ele devia estar cheio de medo e de dúvidas, certo?
Pu Pu, por outro lado, tinha uma expressão indiferente, como sempre. Quando ela viu que Zhu Chaoyang estava a olhar para ela, sorriu-lhe, como se nada tivesse acontecido. Zhu Chaoyang forçou um sorriso, virou-se e voltou a olhar para a chuva torrencial que caía lá fora.
A chuva caía forte, diluindo o sangue no chão, que acabava por se espalhar numa grande poça.
A ambulância chegou ao local rapidamente, mas os paramédicos confirmaram a morte imediata. A cabeça estava completamente esmagada; nem um milagre poderia ter salvado aquela vida. O corpo foi então entregue à polícia, que chegou em seguida.
Com base nas condições do local, os agentes deduziram que a queda devia ter ocorrido de um andar acima do quarto, pois o impacto tinha sido demasiado violento. Olhando para cima, viram que o ponto de queda ficava alinhado com as casas de banho em cada andar. De imediato, começaram a investigar as casas de banho acima do quarto andar. A primeira hipótese foi que a queda tivesse ocorrido a partir de uma casa de banho feminina, mas, após inspecionarem minuciosamente os quartos, quinto e sexto andares, não encontraram nenhuma pista relevante.
Contudo, para sua surpresa, a polícia encontrou pegadas suspeitas e fibras de tecido na janela da casa de banho dos homens do sexto andar.
Uma menina numa casa de banho dos homens?
Os agentes sentiram um calafrio a subir-lhes pela espinha. Rapidamente chamaram a equipa de investigação criminal da esquadra de polícia. O chefe de equipa, Ye Jun, chegou com a sua equipa ao sexto andar e comparou as pegadas na janela com os sapatos de Zhu Jingjing, que estavam no carro da polícia. A comparação foi uma correspondência perfeita. Todos os polícias sentiram um arrepio: uma rapariga a cair de uma casa de banho dos homens? Claramente, não poderia tratar-se de um simples acidente.
Em breve, o legista Chen chegou ao sexto andar, ainda vestido com um impermeável, e puxou Ye Jun para o lado.
"Ye, encontrámos quatro pelos púbicos na boca da menina", disse Chen em tom urgente.
"O quê?" Os olhos de Ye Jun arregalaram-se, e as suas sobrancelhas cerraram-se num sulco profundo. Cerrou os punhos de raiva, fazendo os nós dos dedos estalarem. "Será que… mataram e violaram uma rapariga no centro da juventude?"
"Sim, é tão grave quanto parece!" Chen continuou, "Acabei de informar a delegacia. A equipe técnica está a caminho para realizar exames mais detalhados ao corpo. Este caso é extremamente sério, e nunca tivemos um crime tão horrível na nossa cidade!"
Naquela cidade, a segurança pública era geralmente aceitável. Havia cerca de cem crimes registados por ano, a maioria deles roubos, furtos ou lesões corporais, e raramente ocorriam homicídios. Nunca tinham visto um caso de violação de menores, e muito menos com assassinato. E para piorar, o crime tinha acontecido num centro da juventude, em plena luz do dia. Isso era verdadeiramente repugnante!
O rosto de Ye Jun ficou vermelho de raiva. Ele pensou na sua filha, que estava na escola secundária e que também costumava frequentar aquele centro juvenil. Era suposto ser um local seguro para as crianças, mas um incidente tão grave tinha acontecido ali. Se o caso não fosse resolvido rapidamente, causaria um enorme impacto negativo na sociedade. Os pais deixariam de se sentir seguros em mandar os seus filhos ao palácio da juventude. Cerrando os dentes, Ye Jun prometeu: "Vamos fazer tudo o que for preciso para apanhar esse monstro. Vou esfolá-lo vivo!"
Neste momento, os investigadores trouxeram a caixa de ferramentas do legista. Chen retirou o impermeável, e Ye Jun, juntamente com outros policiais, equipou-se com toucas, luvas e coberturas para os sapatos antes de entrarem na casa de banho dos homens para a investigação.
A casa de banho era pública e muito frequentada, com muitas pegadas no chão. Como o palácio da juventude era um prédio antigo, o chão das casas de banho eram de cimento, o que dificultava a preservação de pegadas. Depois de examinarem o local, encontraram algumas pegadas, mas muitas delas pertenciam a policiais ou funcionários que já haviam estado ali, tornando difícil identificar pistas úteis.
Em seguida, abriram as portas das cabines dos sanitários, uma a uma, e fizeram uma busca cuidadosa, mas não encontraram nada relevante. Não havia pegadas ou outros indícios que sugerissem que Zhu Jingjing tinha entrado em alguma das cabines. Numa das cabines, havia uma grande pilha de fezes que não tinha sido descarregada, mas ninguém achou que tivesse alguma ligação com o caso.
Após várias inspeções, a única esperança que lhes restava estava na janela. Lá fora, a chuva continuava a cair torrencialmente. Para proteger as pistas da água da chuva, os agentes montaram um guarda-chuva sobre a janela. As pegadas de Zhu Jingjing na beirada da janela estavam praticamente intactas.
Rapidamente, Chen encontrou várias impressões incomuns dentro e fora do caixilho da janela, que prontamente coletou. Também localizou várias impressões diferentes no vidro da janela e as recolheu.
A parte inferior da janela era feita de cimento, em vez de azulejos, o que dificultava a preservação de impressões . Depois de mais uma busca detalhada na casa de banho, esta foi a única evidência que puderam recolher, e o trabalho no local foi temporariamente suspenso.
Ao final do dia, os trabalhos de investigação preliminar estavam quase concluídos, e a equipa de investigação realizou uma pequena reunião na esquadra.
Primeiro, o médico legista Chen fez a descrição do caso. Zhu Jingjing caiu da casa de banho dos homens no sexto andar e morreu. Encontraram pelos pubianos na sua boca, o seu cabelo estava desarrumado, os seus olhos estavam inchados de tanto chorar e havia sinais de agressão física. Claramente, isso não poderia ser um acidente, mas sim um caso grave de violação seguido de homicídio de uma criança. Na janela da casa de banho, tanto no vidro quanto na moldura, foram encontrados vários impressões de Zhu Jingjing. Na quina da janela, também foram encontrados vestígios de fibras da roupa dela. Quanto ao processo de queda, há duas possibilidades: a primeira é que alguém a colocou no parapeito e a empurrou para fora. A segunda possibilidade é que, durante o abuso, ela tenha subido ao parapeito sozinha por medo e depois caído ou saltado. Encontraram muitas outras impressões na janela, e as mais recentes pertencem a pelo menos dez pessoas diferentes. Não é possível determinar se o criminoso está entre essas impressões. No entanto, logicamente, o criminoso provavelmente teria olhado pela janela após a queda, o que significa que as impressões na janela podem pertencer ao assasino. Zhu Jingjing tinha marcas de agressão na cabeça, pelos pubianos na boca, mas o órgão genital, no entanto, não foi violado. Isso indica que o criminoso não a violar diretamente, mas a forçou a fazer sexo oral.
Todos os policiais ficaram indignados ao ouvir isso. Forçar uma menina de nove anos a fazer sexo oral é um comportamento animalesco.
Ye Jun, tentando conter a raiva, perguntou: “Havia esperma na boca de Zhu Jingjing?”
O legista Chen balançou a cabeça: “Não. A equipe técnica do departamento de polícia coletou amostras da cavidade oral de Zhu Jingjing, mas não encontraram esperma.”
“Ele... o criminoso não teve tempo de ejacular?”
“Mesmo que não tenha ejaculado, o pênis ereto ainda secreta uma pequena quantidade de líquido. A equipe de perícia acha que Zhu Jingjing pode ter cuspido ou engolido. Eles estão preparando uma análise mais detalhada dos fluidos na boca. Mas o que mais me intriga é como o criminoso teve a audácia de cometer esse crime numa casa de banho de um palácio de juventude”
Um policial comentou: “Deve ser um psicopata!”
O legista Chen continuou a sua análise: “Independentemente de ser um psicopata, ao cometer um abuso numa casa de banho pública, o criminoso deveria ter levado a vítima para uma das cabines. Mas nós verificamos todas as cabines e não encontramos vestígios correspondentes, o que significa que Zhu Jingjing nunca esteve dentro das cabines. Em outras palavras, o criminoso a molestou diretamente na área aberta da casa de banho. Embora o sexto andar do palácio de juventude seja pouco frequentado, o criminoso agiu de forma muito ousada ao fazer isso no espaço aberto da casa de banho, onde qualquer pessoa entrando poderia tê-lo descoberto.”
Os policiais ficaram perplexos com essa questão, concluindo que o criminoso deve ser extremamente audacioso e mentalmente perturbado.
O legista Chen acrescentou: “Além disso, encontramos tecido cutâneo e vestígios de sangue nos dentes de Zhu Jingjing. Isso foi deixado pelo criminoso. Zhu Jingjing o mordeu, até tirou sangue. Esse tecido parece ser da mão, não do órgão genital. O criminoso pode ter ficado furioso depois de ser mordido e, em seguida, a empurrou pela janela. A equipe técnica está a trabalhar na coleta do DNA.”
Essa é uma pista crucial, mas como a China não possui um banco de dados de DNA, só seria possível identificar o criminoso caso houvesse um suspeito para comparação. No entanto, se encontrarem alguém suspeito, essa prova de DNA será essencial para a condenação.
Após a discussão das provas físicas, os policiais responsáveis pela investigação no local também relataram suas descobertas.
Por volta das nove da manhã, a mãe de Zhu Jingjing, Wang Yao, deixou a filha no palácio de juventude para uma aula de caligrafia e, em seguida, foi ao centro comercial, planeando voltar mais tarde para buscá-la. A aula de caligrafia de Zhu Jingjing ficava na sala mais distante da casa de banho no sexto andar, e era a única turma no andar naquele dia. Todos os alunos eram crianças de cerca de dez anos. A professora relatou que estava a ajudar os alunos a traçar os caracteres, e Zhu Jingjing pediu para ir à casa de banho. Pouco depois, ocorreu o incidente. Algumas crianças lembraram-se de ter ouvido alguém chorar naquela direção, mas não puderam confirmar se era Zhu Jingjing, uma vez que o Palácio da Juventude era naturalmente barulhento. As crianças estavam ocupadas a praticar caligrafia, e ninguém saiu para verificar.
Como o Palácio da Juventude é um edifício antigo, apenas o res do chão possui uma câmera de segurança; os outros locais não têm. Embora o Palácio estivesse cheio de gente, ninguém testemunhou o momento exato em que Zhu Jingjing caiu. Após a queda, muitas pessoas olharam para cima, mas ninguém percebeu alguém na janela naquela posição. Talvez o assassino estivesse de pé na janela do sexto andar naquele momento, mas a janela estava muito alta em relação ao chão, e a menos que o assassino estivesse com a cabeça fora da janela, as pessoas lá embaixo não teriam conseguido vê-lo.
Depois de uma discussão, todos mostravam expressões de preocupação. As pistas disponíveis não eram suficientes para resolver o caso. A câmera no piso 0 era crucial, pois, como o assassino entrou e saiu do Palácio da Juventude, ele certamente teria passado por aquele local. No entanto, com as férias de verão, o Palácio estava lotado de crianças e adultos a entrar e a sair desde manhã, tornando a investigação muito difícil.
Este caso era de extrema importância. A delegacia distrital e a sede da polícia municipal enviariam equipes de apoio e orientação no dia seguinte, sendo essencial capturar esse criminoso o mais rápido possível.
Ye Jun pensou por um momento e, após reunir as opiniões dos presentes, decidiu enviar equipes para contatar os alunos, pais e professores que estiveram no Palácio da Juventude naquela manhã, na esperança de encontrar alguma pista. Além disso, no dia seguinte, ele planeava solicitar às autoridades superiores a divulgação de um anúncio de recompensa, na esperança de encontrar testemunhas. Também ordenou uma análise detalhada da filmagem da câmera de segurança no res do chão, com atenção especial aos homens adultos suspeitos e estudantes masculinos mais velhos.
A forte chuva que começou pela manhã continuava a cair sem sinal de parar, e a previsão do tempo dizia que a tempestade continuaria até o dia seguinte.
Lá fora, as gotas de chuva batiam contra o vidro, produzindo um som ruidoso que ora aumentava, ora diminuía. Dentro da casa, Zhu Chaoyang estava sentado, olhando a televisão sem realmente prestar atenção. Desde o incidente, Ding Hao estava silencioso e retraído, mas logo descobriu alguns jogos no computador velho que não tinha acesso à internet. Imediatamente, ele mergulhou no mundo dos jogos, completamente absorvido, com entusiasmo e energia renovados, como se tivesse esquecido completamente o que aconteceu de manhã. Até a dor na sua mão, mordida por Zhu Jingjing, desapareceu enquanto ele segurava o rato. Pupu, por sua vez, folheava calmamente alguns livros de histórias na estante de Zhu Chaoyang.
Os três estavam imersos em seus próprios pensamentos.
Quando a noite chegou, Pupu olhou para o relógio eletrônico na parede; já eram oito horas. Percebendo que ninguém havia mencionado a hora de comer, ela balançou a cabeça levemente e disse: "Haozi, Chaoyang, vou fazer um pouco de massa, está bem?"
"Tudo bem, obrigado por isso." Ding Hao respondeu sem virar a cabeça, ainda concentrado no seu jogo de computador.
"Oh." Zhu Chaoyang respondeu de maneira igualmente distraída.
Pupu ficou onde estava, deu uma risada irônica e balançou a cabeça com desdém. "Irmão Chaoyang, não precisas de pensar tanto nisso. Se a polícia souber que foste tu, mais cedo ou mais tarde, virá atrás de ti. Se não souber, não há motivo para te preocupares. Não importa como tu penses, isso não mudará o resultado. Então, em vez de te atormentares, por que não aproveitares e fingires que nada aconteceu? Mesmo no pior cenário, mesmo se a polícia te encontrar, ainda é uma criança. Crianças não são executadas."
Para ela, a execução era a única coisa verdadeiramente assustadora.
"Crianças não são executadas." Zhu Chaoyang repetiu as palavras dela, atordoado. Ele pulou do chão e correu até a estante de livros. Depois de puxar uma pilha de livros didáticos, ele finalmente encontrou o que procurava: o livro de "Ciências Sociais e Políticas". Ele folheou rapidamente até a página que estava em sua mente, e, depois de confirmar o que tinha lido, virou-se para Pupu, agarrando-a pelo braço com entusiasmo. "Eu não tenho catorze anos! Eu não tenho catorze anos!"
Pupu não entendeu. "E daí?"
Zhu Chaoyang respondeu repetidamente: "Menores de catorze anos não têm capacidade penal! Eu não sou responsável criminalmente!"
Ding Hao finalmente desviou a atenção do jogo e perguntou: "O que queres dizer?"
"Significa que, mesmo se a polícia descobrir que fui eu, não importa. Eu só completo catorze anos em janeiro do ano que vem. Agora, eu sou menor de catorze anos, então, mesmo que cometa um crime, não há problema!"
Ding Hao balançou a cabeça, incrédulo, fazendo os cálculos em sua cabeça. "Eu ainda tenho quatro meses até completar catorze, e Pupu só completa daqui a dois anos. Então, se seguirmos essa lógica, podemos sair matando por aí sem problemas?"
"Bem, não vais para a prisão. Ouvi dizer que eles mandam para um reformatório."
Ding Hao perguntou, confuso: "Qual é a diferença entre um reformatório e uma prisão?"
"Eu não sei ao certo. Mas não é prisão. Se fores para o reformatório, ainda podes continuar a educação obrigatória e sair aos dezoito anos."
"Então, é tipo o orfanato onde estávamos?"
"Não sei dizer," Zhu Chaoyang respondeu, agora visivelmente mais aliviado. "De qualquer forma, o ponto é que eu não serei responsabilizado criminalmente."
Pupu sorriu. "Viu? No pior cenário, só ficarias alguns anos em um reformatório. Podes relaxar um pouco."
Zhu Chaoyang assentiu, mas logo franziu a testa novamente. "Mas, se alguém descobrir, mesmo que eu não seja responsabilizado criminalmente, estou acabado."
Ding Hao perguntou, curioso: "Por quê?"
"Se o meu pai descobrir que fui eu quem empurrou a garota, estou morto. Eu vou para o reformatório, e a minha mãe vai ficar sozinha, e ela vai sofrer muito. Quem sabe se não seria até maltratada pela mãe da pequena vadia."
"Não se preocupe. Ninguém vai descobrir." Ding Hao respondeu, tentando tranquilizá-lo antes de voltar ao jogo.
Pupu também disse algumas palavras de conforto e foi preparar a massa.
Quando a massa ficou pronto, Ding Hao continuava preso ao computador, jogando enquanto comia. Pupu e Zhu Chaoyang sentaram-se juntos para assistir televisão enquanto comiam a massa, e a atmosfera na sala finalmente parecia um pouco mais leve.
De repente, o telefone tocou, e os três pararam imediatamente o que estavam a fazer. Já eram 8h40 da noite. Quem poderia ligar a essa hora?
Zhu Chaoyang, com os dentes cerrados, levantou-se lentamente e foi até o quarto da mãe. Pupu o seguiu de perto, e Ding Hao pausou o jogo e olhou para eles, apreensivo.
O telefone tocava incessantemente. Zhu Chaoyang ficou parado, olhando o aparelho, e apertou os punhos várias vezes antes de finalmente criar coragem para atender. "Alô?"
"Chaoyang, eu preciso de te contar uma coisa," disse a voz apressada e ligeiramente divertida da sua mãe, Zhou Chunhong. "A filha daquela mulher que teve um caso com o seu pai morreu hoje. Sabias disso?"
"Morreu... morreu?" Zhu Chaoyang não sabia como responder.
"Ouvi da tia Fu, lá do trabalho. O irmão dela trabalha na fábrica do Zhu Yongping. Parece que aquela criança caiu de um prédio no Palácio da Juventude e morreu. Aquela mulher deve estar em prantos agora, e Zhu Yongping também deve estar devastado. Ele nunca deu atenção a ti, mas agora que a filha morreu, ele está a chorar como se tivesse perdido o próprio pai." Zhou Chunhong parou subitamente, percebendo que tinha dito algo inadequado, já que os pais de Zhu Yongping ainda gostavam muito do neto. Ela rapidamente corrigiu-se: "Mas não se preocupe, o seu avô é boa pessoa. É só que Zhu Yongping deixou a consciência ser encoberta pela escuridão. De qualquer forma, isso pode ser bom para ti. Agora és o único filho dele, então ele vai ter que cuidar melhor de ti."
"Oh." Zhu Chaoyang respondeu.
Zhou Chunhong achou o tom do filho estranho e perguntou: "O que se passa ? Os seus amigos ainda estão aí?"
"Sim, eles estão aqui."
"Vocês brigaram?"
"Não, estamos bem."
"Então, o que se passa ?" Ela pensou um pouco e perguntou: "Vocês saíram para brincar hoje?"
Zhu Chaoyang hesitou, mas decidiu não mentir para a mãe. "Fomos ao Palácio da Juventude de manhã e ficamos em casa a jogar à tarde."
"Vocês foram ao Palácio da Juventude? Viram quando a filha dela caiu?"
"Vimos uma criança cair, mas não sabíamos que era ela, então fomos embora."
"Ah, deves ter ficado assustado." Zhou Chunhong finalmente encontrou uma explicação para o comportamento estranho do filho.
"Sim... um pouco."
"Não se preocupe, não tenhas medo. Vocês estão juntos aí à noite, certo? Sê corajoso, meu filho."
"Sim, estamos a jogar juntos."
"Que bom. Fico mais tranquila assim. Eu não vou conseguir voltar nos próximos dias, então cuida-te bem."
"Podes deixar, mãe. Fica tranquila."
Depois de desligar o telefone, Zhu Chaoyang soltou um longo suspiro de alívio.
Yan Liang conseguiu comprar um novo telemóvel e recuperar o cartão SIM no dia seguinte.
Ele lembrou-se da mensagem de Xu Jing do dia anterior e, através da lista de contactos recuperada, ligou para ela:
"Xiao Jing, perdi o telemóvel ontem. Queres falar comigo sobre alguma coisa?"
"Ah, não, já não é nada. Enfim... é isso, até logo." Do outro lado da linha, Xu Jing desligou apressadamente.
Yan Liang franziu o sobrolho, um tanto confuso. Porém, meia hora depois, ele recebeu uma nova chamada de Xu Jing.
Desta vez, a voz do outro lado soava baixa e tensa:
"Tio Yan, há pouco não pude falar em detalhes. A verdade é que os meus pais... eles sofreram um acidente."
"O que aconteceu?"
"Os meus... os meus pais morreram."
"Morreram?" Yan Liang ajeitou os óculos, surpreso. "Como é que... de repente..."
"Anteontem, no dia 3 de julho, Zhang Dongsheng levou-os para as Três Montanhas, e eles caíram da montanha... morreram na queda." Xu Jing falou com a voz trémula, quase chorando.
Yan Liang tentou consolar:
"Não chores, foi um acidente... um acidente é sempre imprevisível, não há nada que se possa fazer. Quando é o funeral? Eu vou passar por lá."
"Tio Yan," hesitou por um momento antes de continuar, "se tiveres tempo, será que podes vir antes?"
"Oh, precisas que eu te ajude com alguma coisa?" Ele ficou intrigado, afinal, ele e a família Xu eram apenas parentes distantes. Os irmãos e irmãs mais próximos dos pais de Xu Jing já deveriam estar a tratar dos preparativos do funeral. Yan Liang não era exatamente habilidoso com esse tipo de coisas e, normalmente, só iria ao funeral para prestar as suas condolências como parente distante.
Depois de um silêncio breve, Xu Jing murmurou:
"Eu suspeito que a morte dos meus pais não foi um acidente."
Yan Liang franziu a testa, perguntando cautelosamente:
"E o que seria então?"
Xu Jing respirou fundo antes de dizer com firmeza:
"Homicídio."
"Homicídio?" A boca de Yan Liang abriu-se em choque. "Por que estás a dizer isso? Quem teria algo contra os teus pais para os matar?"
"Zhang Dongsheng!"
"Zhang Dongsheng?" Yan Liang tossiu desconfortavelmente. "Vocês não têm estado em bons termos ultimamente? Olha, eu entendo que, com algo assim a acontecer, é fácil pensar em teorias loucas, mas Xiao Jing, não devias dizer essas coisas sem provas. Afinal, vocês são marido e mulher, ainda têm uma vida pela frente. Se o Dongsheng souber que estás a pensar isso, ele vai ficar muito magoado."
"Não, eu não vou continuar a viver com ele. Já falei várias vezes sobre o divórcio, e tenho a certeza que ele matou os meus pais por vingança."
Yan Liang franziu as sobrancelhas. Ele não fazia ideia de que o casamento de Zhang Dongsheng e Xu Jing estava à beira do colapso. A sua memória estava congelada há quatro anos, quando eles se casaram, apesar das objeções dos pais de Xu Jing, que inicialmente não gostavam de Zhang Dongsheng por ser de uma família humilde e ter um emprego modesto. Mesmo com a disparidade social entre eles, os dois estavam muito apaixonados. Xu Jing, uma mulher determinada, casou-se com Zhang Dongsheng apesar da desaprovação dos pais, pegando todos de surpresa com um casamento às pressas. No final, os pais de Xu Jing cederam e aceitaram o casamento. Como é que, apenas quatro anos depois, aqueles dois que haviam superado tantas adversidades poderiam estar prestes a se separar?
Mas, independentemente da situação, Yan Liang não conseguia acreditar que Zhang Dongsheng pudesse matar os sogros. Ele respondeu:
"Tu suspeitas que o Dongsheng matou os teus pais... o que é que a polícia diz?"
"A polícia apresentou um relatório de acidente, disseram que foi uma fatalidade. Mas... foi tudo baseado no que o Zhang Dongsheng disse."
Yan Liang deu um sorriso irônico:
"Tu não acreditas no que a polícia concluiu, mas acreditas nas tuas próprias suposições infundadas?"
Xu Jing começou a chorar novamente, soluçando enquanto dizia com a voz trêmula:
"Tio Yan, estou com muito medo aqui em casa. Tenho medo que o Zhang Dongsheng possa tentar matar-me também. Quando tu ligaste há pouco, ele estava por perto, e eu não podia falar. Só tu podes ajudar-me agora. Eu quero encontrar-me contigo. Se tu não tiveres tempo, eu vou para Hangzhou hoje."
"Queres encontrar-me? E o que é que eu poderia fazer?"
"Só tu podes descobrir se os meus pais foram realmente assassinados pelo Zhang Dongsheng."
Yan Liang respondeu de forma embaraçada:
"Bem... sabes que eu já não sou polícia, não é? Tu devias confiar na experiência e nas capacidades da polícia. Se eles te mostraram um relatório de acidente, certamente é fiável."
Houve uma longa pausa do outro lado da linha antes de Xu Jing perguntar, chorosa:
"Nem tu acreditas em mim?" Ela começou a chorar, a sua tristeza aumentando a cada soluço.
Yan Liang, sem alternativa, cedeu:
"Está bem, Xiao Jing, não chores. Eu vou dar uma olhada, tudo bem?" Do outro lado da linha, o choro de Xu Jing começou a diminuir:
"Obrigada, Tio Yan. Quando vieres, vamos encontrar-nos em algum lugar. Mas, por favor, não digas nada ao Zhang Dongsheng. Eu não sei o que mais ele pode ser capaz de fazer."
Sem outra escolha, Yan Liang prometeu que iria visitá-la. Disse que tinha a tarde livre e iria telefonar antes de sair.
"Tio Yan!" Assim que entrou no café, Xu Jing correu para os braços de Yan Liang, soluçando incontrolavelmente.
Yan Liang ficou completamente desprevenido, estendeu as mãos para lhe dar alguns tapinhas desajeitados nas costas, mas sua expressão estava repleta de constrangimento. Ao olhar em volta, percebeu que os atendentes o observavam. Um dos atendentes, particularmente, desviou o olhar rapidamente, mas Yan Liang notou que ele ainda espreitava com os olhos semicerrados. Com certeza, aquela pessoa estava imaginando uma cena típica de um homem de meia-idade com a sua amante, choramingando e exigindo casamento.
Sendo conhecido como um intelectual de prestígio, Yan Liang sempre foi cuidadoso com a sua conduta. Rapidamente, ele afastou Xu Jing, dizendo repetidamente: "Acalma-te, acalma-te!" E, aproveitando a oportunidade, ele se levantou e sentou-se à frente dela, mantendo uma distância adequada.
Após alguns minutos a acalmá-la à distância, Xu Jing finalmente começou a estabilizar-se. Entre um gole e outro de bebida, ela fungou e disse: "Tio Yan, eu realmente acredito que meus pais foram assassinados por Zhang Dongsheng. Tens de me acreditar."
Yan Liang suspirou e respondeu: "Mas a polícia já apresentou um relatório de acidente, não foi?"
"Ontem, sim."
"E tens uma cópia?"
"Tenho, mas tudo o que está lá é baseado na versão de Zhang Dongsheng!" Xu Jing tirou uma cópia do relatório da bolsa e entregou a Yan Liang.
Yan Liang leu o documento e comentou: "Aparentemente, é um acidente muito comum. Estás a imaginar coisas que não existem."
"Não! Não é assim tão simples!" Xu Jing levantou a cabeça, a seriedade nos seus olhos brilhando enquanto dizia: "Subestimei o Zhang Dongsheng este tempo todo. Agora, vejo que ele tem muita estratégia! Em setembro do ano passado, pedi o divórcio, e ele ficou furioso, discutimos várias vezes. Mas, após alguns dias, ele mudou completamente. Deixou de brigar, tornou-se extremamente simpático, concordava com tudo e até começou a tratar meus pais muito bem. Fazia todas as tarefas de casa, comprava presentes para eles e, todos os fins de semana, levava-os para passear e fazer compras, alegrando-os bastante. Da segunda vez que pedi o divórcio, ele trouxe meus pais para me convencer. Não sei como, mas os meus pais ficaram do lado dele. Até minha mãe, que sempre foi contra, disse que não só eu não devia me divorciar, como devia ter um filho logo. Ele planeava usar o filho para me prender!"
Yan Liang deu um sorriso irônico: "Então, ele percebeu que brigar não adiantava, e, em vez disso, mostrou o seu lado bom. Também tentou conquistar teus pais para salvar o casamento. Isso é normal, não é? É uma forma de lidar com a vida familiar. Chamas isso de manipulação?"
“Não, sabes a situação da minha família. Quando nos casámos, os meus pais eram contra, e por isso, depois do casamento, o Zhang Dongsheng tratava-os de forma bastante indiferente, só dizia coisas formais. A minha mãe costumava conversar comigo em segredo, dizendo que sempre achava que o Zhang Dongsheng era um estranho, que nunca gostou dele, e culpava-me por ter sido tão teimosa. Mas, depois de eu pedir o divórcio, ele mudou completamente, começou a agradar-lhes, tornou-se outra pessoa, muito diferente do que era antes. Ele sempre foi teimoso, nunca baixava a cabeça. Agora percebo que, naquela altura, ele já planeava o assassinato, e estava a ganhar a confiança dos meus pais para poder levá-los até às Três Montanhas e provocar o acidente, empurrando-os da montanha.”
Yan Liang respondeu com um tom frio: “Dizes que ele planeou matar os teus pais desde o início, agradando-lhes apenas para cometer o assassinato. Contaste isso à polícia?”
Xu Jing abanou a cabeça: “Não, a polícia nunca acreditaria.”
Yan Liang riu sarcasticamente: “Então já sabes que a polícia não acreditaria.”
Xu Jing hesitou, e as lágrimas começaram a rolar novamente. Com a voz baixa, ela disse: “Tio Yan, sei que o Zhang Dongsheng foi teu aluno, e que ao dizer isso sobre ele, provavelmente estás a sentir-te desconfortável.”
Yan Liang respondeu: “Deixa de lado o facto de ele ter sido meu aluno. Conhecendo-o ou não, se os teus pais foram empurrados por ele nas Três Montanhas, alguém teria visto, certo? A polícia deve estar a investigar.”
“Ninguém viu. Era uma quarta-feira, fora de época, e havia poucos turistas nas montanhas.”
Yan Liang, ainda frio, respondeu: “Se queres acreditar nisso, não posso fazer nada. Mas deixa-me perguntar: quem é que quer o divórcio, tu ou ele?”
“Eu quero o divórcio.”
“Então está tudo bem. Ele não quer divorciar-se, certo?”
“Sim, podes dizer isso.”
“Então ele não quer divorciar-se de ti, os teus pais também pedem para não te separares, e ele mata os teus pais? Ele é doido?”
O tom incisivo de Yan Liang sugeria claramente que ele achava que Xu Jing estava a enlouquecer.
Xu Jing apertou os lábios e disse: “Ele vai acabar por me matar também.”
“Ah, então o Zhang Dongsheng é um assassino em série agora? Por que ele te mataria?”
Vendo a atitude de Yan Liang, Xu Jing percebeu que o tio estava mais inclinado a acreditar no seu ex-aluno do que nela. Soluçando, disse: “Ele quer vingar-se de mim, e também quer ficar com o dinheiro da minha família.”
Yan Liang cerrou os punhos, irritado: “Ele quer ficar com o dinheiro da tua família e, por isso, vai matar-vos? Estás completamente fora de ti!”
Xu Jing olhou para o rosto de Yan Liang, onde a raiva se desenhava nitidamente, e choramingou: “Sei que ninguém vai acreditar em mim, mas é a verdade. Ele é um genro que vive na nossa casa. Por exigência dos meus pais, fizemos um acordo de partilha de bens antes do casamento, e nestes anos todo o dinheiro que ele ganha vai para a minha conta, segundo a vontade da minha mãe. Ele não tem nada. Se nos divorciarmos, ele fica sem nada, por isso quer matar-nos a todos.”
Yan Liang explodiu: “O Zhang Dongsheng é uma pessoa orgulhosa, eu sei disso! Quando te conheceu, ele estava a desistir da sua oportunidade de continuar os estudos e melhorar a carreira, tendo escolhido trabalhar depois da licenciatura e mudar-se para a tua cidade. Se ele não te amasse, nunca teria aceitado assinar um acordo de partilha de bens antes do casamento, aceitando tornar-se um genro que vive na casa dos sogros! Ele fez isso por ti. E tu dizes que ele só casou contigo para ficar com o dinheiro da tua família e depois vos matar? Como é que uma ideia dessas entrou na tua cabeça?”
Xu Jing, sem palavras, limitou-se a encarar Yan Liang em silêncio. Este suspirou profundamente, suavizando o tom: “Os teus pais faleceram, e tu foste apanhada de surpresa com esta tragédia. É compreensível que a tua mente esteja em choque. Mas essas ideias são infundadas, e não deves deixar que dominem o teu pensamento. Lembra-te de como tudo começou. Tu enfrentaste os teus pais, lutaste contra a oposição deles para ficares com o Zhang Dongsheng. Isso prova que vocês dois tinham uma base sólida de amor. Apesar das dificuldades no casamento, é possível superar isso. Espero sinceramente que tu e ele consigam encontrar uma maneira de seguir em frente.”
Xu Jing esboçou um sorriso amargo e abanou a cabeça: “É impossível. Não podemos continuar juntos.”
“Por quê?”
Xu Jing baixou os olhos e murmurou: “Apaixonei-me por outra pessoa. Estou a ter um caso.”
“Como?” Yan Liang olhou incrédulo para Xu Jing. “Como é que podes fazer isso?”
“Tio Yan, sei que estás desapontado, mas os sentimentos não são controlados pela lógica. Quando casei com o Zhang Dongsheng, estava apaixonada, mas agora vejo que somos de mundos diferentes. Não consigo aceitar os hábitos e pensamentos que ele trouxe do campo. Conheci outra pessoa e sinto que é com ele que deveria estar. Estou arrependida e magoada, mas não consigo passar o resto da vida com alguém que já não amo. Sei que fui mimada e teimosa a vida toda, e que o que fiz foi errado, mas não consigo evitar. Por isso, pedi o divórcio.”
Yan Liang olhou para ela, inexpressivo: “Ele sabe que tens um caso?”
“Acho que sim.”
“Mas ele perdoou-te e quer continuar contigo, certo?”
Xu Jing soltou uma gargalhada amarga: “Ele disse que me perdoou, mas acho que começou a tramar a sua vingança. Por isso matou os meus pais, e agora está a tentar ocultar o crime, apressando-se em cremar os corpos. Eu queria esperar por ti para investigarmos mais a fundo, mas ele insistiu em cremar os corpos desde que o acidente aconteceu. Eu recusei até ontem, mas ele acabou por fazer a cremação à força, dizendo que era recomendação da polícia.”
Yan Liang ficou confuso: “De que altura os teus pais caíram?”
“Cerca de cem metros.”
“Se eles caíram dessa altura, é natural querer fazer a cremação o quanto antes, para que possam descansar em paz. Não deixarias os corpos nesse estado só para mostrar a outros familiares, pois não? O Zhang Dongsheng fez o que era certo, e ainda assim estás a suspeitar dele?”
Xu Jing, desesperada, abanou a cabeça: “Tio Yan, sei que não vais acreditar em mim, por mais que eu diga. Não tenho provas, apenas a minha intuição como mulher. Mas se um dia eu morrer num acidente, será obra do Zhang Dongsheng. Nesse dia, vais acreditar em mim.”
Yan Liang soltou um sorriso amargo e abanou a cabeça, olhando para Xu Jing. Sentia-se dividido entre a pena e a irritação. Ao mesmo tempo, sentia uma profunda compaixão pelo seu antigo aluno. Se Zhang Dongsheng não tivesse se envolvido nesse relacionamento, ele provavelmente teria feito um doutoramento. Com o talento que possuía, o seu futuro seria ilimitado.
No dia seguinte ao incidente com Zhu Jingjing, continuava a chover. As três crianças permaneceram em casa; Ding Hao estava completamente absorvido pelos jogos, enquanto Zhu Chaoyang e Pupu liam seus livros.
Após uma noite de reflexão, o medo começou a desaparecer gradualmente, e nenhum dos três mencionou o ocorrido no dia anterior. O jantar ainda era o simples prato de massa, e, após a refeição, Ding Hao voltou para o computador para continuar a jogar. Desta vez, Pupu o impediu, dizendo seriamente: "Haozi, a mãe de Chaoyang vai voltar em alguns dias, e então teremos que ir embora. Precisamos discutir para onde vamos a seguir."
Ding Hao franziu a testa, recostou-se no sofá e suspirou: "Vamos ver como as coisas se desenrolam. Não te preocupes, eu vou arranjar um emprego, e depois veremos como te meter na escola."
"Arranjar um emprego não é tão simples como parece."
"E então? O que vamos fazer ?", Ding Hao perguntou, irritado.
"E se não conseguirmos arranjar um emprego?" Pupu perguntou diretamente.
"Não arranjar?" Ding Hao sorriu, um pouco sem graça. "Como é que não vamos arranjar? Conseguir um trabalho temporário não deve ser difícil, certo, Chaoyang?"
Zhu Chaoyang abanou a cabeça: "Eu nunca trabalhei, por isso não sei."
Pupu continuou: "Vi hoje num livro que contratar crianças com menos de 16 anos é crime, e tu ainda precisas de mais de dois anos para fazer 16. Ninguém te vai querer contratar."
"Mas… as pessoas nem conseguem ver que eu não tenho 16 anos. Até sou bem alto, não sou?"
"Tu não tens documentos, ninguém se vai arriscar a contratar uma pessoa sem identificação."
Ding Hao, irritado, olhou para o teto e disse, aborrecido: "Então, o que fazemos? Não podemos ficar na casa do Chaoyang até que eu faça 16 anos, certo?"
Zhu Chaoyang levou um susto. Na verdade, ele esperava que eles fossem embora logo. Como poderiam ficar na casa dele para sempre? Ao mesmo tempo, ele também desejava que eles encontrassem um lugar seguro para ficar, pelo menos — de qualquer forma, não poderiam voltar para o orfanato. E se um dia voltassem e contassem que ele matou Zhu Jingjing?
A melhor situação seria que Pupu e Haozi tivessem um ambiente de vida estável, não muito longe dele, para que pudessem continuar a brincar juntos. Assim, eles certamente não o trairiam.
Pupu apertou os lábios, hesitando por um momento, e então olhou para Zhu Chaoyang: "Irmão Chaoyang, eu quero vender a câmara para aquele homem, trocar por uma quantia de dinheiro. O que achas?"
Zhu Chaoyang ficou chocado, era aquele assunto de novo! Fazer isso seria obviamente muito perigoso. Mas agora, recusar Pupu novamente... E se eles não tivessem mais para onde ir, ou não conseguissem sobreviver? Será que contariam que ele matou Zhu Jingjing? Afinal, eles só estavam juntos há alguns dias; embora se dessem bem, ainda estavam longe de uma confiança total. Além disso, quando ele desceu para comprar massa hoje, viu que algumas pessoas estavam a olhar para o quadro de avisos da comunidade, e ele também deu uma espiada. Descobriu que a polícia tinha oferecido uma recompensa de trinta mil yuans por informações sobre o caso de Zhu Jingjing no Palácio da Juventude de ontem. Trinta mil! Isso era uma quantia enorme! O que aconteceria se eles vissem esse aviso de recompensa? Ele nem ousava imaginar.
Por outro lado, se aquele assassino realmente estivesse disposto a pagar uma quantia em dinheiro para comprar a câmara, então Pupu e Haozi teriam o sustento necessário para os próximos anos. Eles certamente ficariam gratos e não o trairiam. Além disso, a extorsão contra o assassino seria um crime cometido pelos três juntos, e os segredos deles estariam protegidos mutuamente.
Após ponderar por um momento, Zhu Chaoyang falou sinceramente: "Vocês realmente precisam de uma grande quantia de dinheiro agora, então... eu acho que vender a câmara para o assassino pode ser a única opção. Mas... agora temos um problema: como podemos encontrar o assassino?"
Ding Hao pensou por um momento e, animado, sugeriu: "Podemos perguntar na esquadra. Eles devem ter registrado as informações dele."
Pupu interrompeu com um resmungo frio: "Perguntar na esquadra? Queres ser mandado de volta para o orfanato?"
"Podemos deixar Chaoyang perguntar."
"Pedir para Chaoyang perguntar como? Ele diria à polícia que tem um vídeo do crime desse homem e que quer vendê-lo para ele? Perguntar o contato dele?"
Com isso, Ding Hao ficou sem palavras. Os três continuaram a pensar, mas não conseguiram encontrar uma maneira de contatar o homem sem ir à esquadra.
Depois de uma noite de chuva, o tempo clareou, mas os três miúdos ainda estavam perdidos quanto ao futuro.
Tomaram pequeno almoço apressado, e Pupu foi à casa de banho, mas demorou mais de dez minutos e ainda não tinha saído.
Ding Hao, já impaciente, gritou para dentro: "Pupu, já acabaste? Preciso de urinar."
"Espera... espera um pouco. Irmão Chaoyang, podes vir aqui um momento?"
Zhu Chaoyang aproximou-se da porta da casa de banho e perguntou: "O que se passa?"
Pupu respondeu com a voz trêmula: "A tua mãe... a tua mãe tem pensos higiénicos? Eu... eu estou com o período."
Embora Zhu Chaoyang e Ding Hao não soubessem exatamente por que as mulheres têm período, sabiam que, após a puberdade, as meninas têm menstruação uma vez por mês. Este era o "segredo" das raparigas, e os dois "rapazes" tentaram agir com naturalidade, sem fazer piadas sobre isso.
Zhu Chaoyang correu para o quarto da mãe e viu que o fio de lã que ele tinha colocado na fenda da porta ainda estava intacto, indicando que Pupu e Haozi não tinham mexido na porta. Durante esses dias, ele tinha entrado e saído várias vezes do quarto da mãe, sempre fechando a porta e colocando o fio de lã para garantir que não mexessem. Mas agora, sentia-se um pouco envergonhado. Procurou por algum tempo até encontrar uma embalagem de pensos higiénicos numa gaveta. Foi até à porta da casa de banho, abriu uma pequena fenda e entregou-os a ela.
Depois que Pupu saiu, envergonhada, explicou que não sabia o que estava a acontecer, que de repente ficou menstruada, e que era a primeira vez que isso acontecia, por isso não estava preparada.
Zhu Chaoyang e Ding Hao não quiseram discutir o assunto íntimo das raparigas, apenas disseram que isso significava que ela estava a crescer.
Após arrumar tudo, Pupu perguntou: "Haozi, ainda tens algum dinheiro?"
"Duzentos e poucos yuans."
"Então dá-me um pouco, vou descer para comprar mais pensos higiénicos. Vou comprar o mesmo tipo que a tia, assim ela não nota nada de diferente."
Zhu Chaoyang respondeu: "Isso não é nada, a minha mãe sabe que és uma menina, ter o período é normal, não precisas de te envergonhar."
Mas Pupu, ao experienciar a menstruação pela primeira vez, sentia-se profundamente envergonhada e insistiu que a mãe de Chaoyang não soubesse. Como os dois rapazes não tinham nada para fazer, disseram que iriam descer juntos e depois dariam uma volta lá fora. Havia uma loja de conveniência no andar de baixo, mas Pupu não encontrou o tipo de penso higiénico que a mãe de Chaoyang usava, então continuaram a andar, passando por cinco ruas até encontrarem um supermercado maior. Zhu Chaoyang e Ding Hao ficaram a esperar do lado de fora, sem querer entrar para comprar pensos higiénicos.
Pupu entrou sozinha, mas menos de um minuto depois, saiu correndo apressadamente, agarrando os dois e dizendo em voz baixa: "Aquele homem... aquele homem está lá dentro!"
"O quê!" Os dois arregalaram os olhos.
"Eu vi ele comprar papel higigénico e uma toalha. Ele vai sair logo."
Zhu Chaoyang perguntou: "Tens a certeza que é ele?"
Pupu acenou com a cabeça decididamente: "Naquele dia, vi ele entrar num BMW e fiquei a observar por um bom tempo. Lembro-me bem da cara dele, é definitivamente ele."
Enquanto falavam, viram um homem sair do supermercado. Como a aparência do homem no vídeo era vaga, no dia em que o encontraram em Três Montanhas, Zhu Chaoyang não prestou atenção ao rosto, então não tinha certeza. "É ele?"
O homem carregava várias sacolas e, ao sair, dirigiu-se a um BMW. Ao ver que era do mesmo modelo e cor do carro que viram naquele dia, Zhu Chaoyang e Ding Hao começaram a acreditar que Pupu estava certa.
Pupu imediatamente disse: "Não podemos deixá-lo ir se embora. Vamos rápido, vamos pará-lo."
Ao ver que ele estava prestes a entrar no carro, com pouco tempo para pensar no que dizer, os três correram até ele e o agarraram antes que ele pudesse abrir a porta.
Zhang Dongsheng virou-se e viu que quem o segurava era uma menina, acompanhada por dois rapazes que pareciam estudantes do ensino secundário, um mais alto e outro mais baixo. Ele perguntou, confuso: "O que querem?"
Pupu foi direta: "A tua família não teve duas pessoas que caíram de em Três Montanhas ?"
Zhang Dongsheng franziu ligeiramente a testa e olhou para os três. Zhu Chaoyang e Ding Hao, instintivamente, recuaram um passo, mas Pupu permaneceu firme.
"O que querem de mim?"
Pupu disse friamente: "Tu mataste-os."
Zhang Dongsheng estremeceu, e seus olhos brilharam com um olhar ameaçador: "Que disparate é esse! Quem vos disse isso?"
Zhu Chaoyang e Ding Hao nem ousaram encarar o adulto.
Pupu manteve-se firme: "Nós vimos com os nossos próprios olhos quando empurraste aquelas pessoas."
"Que loucura é essa!" Zhang Dongsheng gritou, abrindo a porta do carro, pronto para entrar.
Pupu disse friamente: "Não só vimos, como gravamos com a câmara. Se fores embora agora, teremos de entregar a câmara à polícia."
Zhang Dongsheng parou, virou-se lentamente e examinou cada um deles com cuidado, antes de fixar o olhar em Pupu: "Miúda, sabes o que estás a dizer?"
Pupu respondeu: "Se não acreditas, podemos mostrar-te a câmara. Irmão Chaoyang, vai buscar."
Zhang Dongsheng estreitou os olhos para o que Pupu chamava de "Irmão Chaoyang", mas não disse nada.
Zhu Chaoyang hesitou por um momento, mas logo correu para casa. Zhang Dongsheng fingiu estar calmo, batendo os dedos na porta do carro. Os dois rapazes apenas o observavam em silêncio, e ele também permaneceu em silêncio.
Dez minutos depois, Zhu Chaoyang voltou, ofegante, com uma câmara na mão. Antes que ele se aproximasse, Pupu o puxou para mais longe de Zhang Dongsheng, cerca de três ou quatro metros de distância. Pupu, olhando cautelosamente para Zhang Dongsheng, perguntou a Zhu Chaoyang em voz baixa: "Ainda tem bateria?"
"Não sei, vamos testar."
Ligaram a câmara e viram que a bateria estava quase acabando. A câmara consumia muita energia, e eles sabiam que não duraria muito. Pupu apressou-se em dizer a Zhang Dongsheng: "Olha bem."
Ela posicionou-se entre Zhang Dongsheng e a câmara, e Zhu Chaoyang abriu o vídeo, mostrando a tela para Zhang Dongsheng. Zhang Dongsheng, com os lábios cerrados, viu claramente o momento em que empurrava os sogros da plataforma. Naquele momento, ao cometer o assassinato, ele havia verificado os arredores e lembrava-se de que não havia ninguém por perto, exceto três crianças a brincar longe, que não pareciam prestar atenção. Nunca imaginou que a cena tivesse sido capturada por acaso por aquelas crianças.
O seu rosto endureceu, e ele avançou um passo com raiva. Zhu Chaoyang agarrou a câmara e correu para longe, parando a cerca de dez metros de distância ao perceber que Zhang Dongsheng não o estava a seguir.
Zhang Dongsheng, olhando fixamente para Pupu, perguntou com raiva: "O que querem?"
Pupu respondeu: "Queremos vender."
"Vender para mim?" Zhang Dongsheng estava surpreso.
Pupu disse: "Sim, vendemos-te a câmara e tu dás-nos dinheiro."
Zhang Dongsheng hesitou por um momento. Nunca imaginou que as três crianças pensariam em vender algo que poderia levá-lo à morte. Após ponderar, disse: "Estamos na rua, há muitas pessoas. Vamos a um café mais tranquilo para conversar."
Pupu perguntou: "Aonde?"
"Vou levá-los a um café mais sossegado. O que acham?"
Pupu virou-se para os outros dois: "O que vocês acham?"
Ding Hao coçou a cabeça: "Não sei."
Zhu Chaoyang pensou por um momento e disse: "Aqui realmente não é o lugar certo para conversar. Podemos ir a outro lugar, mas eu vou levar a câmara para casa primeiro."
Zhang Dongsheng lançou um olhar frio para Zhu Chaoyang, cerrando os dentes, mas não se opôs diretamente, dizendo: "Está bem. Então, que tal vocês dois entrarem no carro e esperarem? Ficar aqui na rua não é boa ideia."
Ding Hao puxou os outros dois para o lado e sussurrou: "Se entrarmos no carro dele, será que ele...?"
Pupu acenou com a cabeça, cautelosa: "É possível."
Zhu Chaoyang, no entanto, balançou a cabeça: "Não vai acontecer. É pleno dia, em público, ele não se atreve a fazer nada. Acho que não é uma boa ideia ficar aqui parado. Vocês entram no carro, eu volto para casa, deixo a câmara e volto logo. Como ele ainda não tem a câmara na mão, não vai se atrever a fazer nada."
Pupu e Ding Hao sentaram-se nos bancos traseiros, enquanto Zhang Dongsheng se virou para eles com um sorriso amigável e perguntou: "Como se chamam?"
Pupu deu-lhe uma olhada cuidadosa, ficou em silêncio por um momento, e murmurou: "Pupu."
Ao ver que ela respondeu, Ding Hao também disse: "Chamo-me Ding Hao."
"E o vosso outro amigo?"
Ding Hao respondeu: "Zhu Chaoyang."
Zhang Dongsheng continuou a sorrir enquanto perguntava: "Vocês estão todos no ensino secundário?"
Ding Hao acenou com a cabeça, mas Pupu não reagiu.
"Em que escola estudam?"
Pupu continuou em silêncio, e Ding Hao respondeu: "Não temos escola."
"Não têm escola?" Zhang Dongsheng pensou que estavam a ser cautelosos com ele, então perguntou novamente: "Onde vivem?"
"Agora estamos em..." Ding Hao começou a responder, mas Pupu puxou-lhe o braço, interrompendo-o, e olhou para Zhang Dongsheng com desconfiança: "Isso não lhe diz respeito."
"Muito bem." Zhang Dongsheng apertou os lábios, pensando que a rapariga mais nova era a mais difícil de lidar.
Ele tentou extrair mais informações dos miúdos, mas Pupu permaneceu vigilante e em silêncio, obrigando-o a desistir. Quando Zhu Chaoyang voltou, Zhang Dongsheng conduziu-os até a um café discreto, a alguns quilómetros de distância, onde escolheram uma mesa num canto menos visível. "Podem pedir o que quiserem para comer ou beber," disse-lhes Zhang Dongsheng.
Ao chegarem ao café, Ding Hao sentiu-se mais relaxado e, ao ouvir isso, perguntou entusiasmado: "O que é que têm de bom?"
Zhang Dongsheng colocou o menu à frente deles, e os três pediram uma série de comidas e bebidas, sem se preocuparem com o custo.
Ao observar o comportamento deles, Zhang Dongsheng pensou que, afinal, continuavam a ser crianças. Após refletir um pouco, ele sorriu e perguntou: "Vocês estavam a brincar no quiosque na montanha naquele dia?"
Zhu Chaoyang respondeu: "Sim, caso contrário, não teríamos filmado."
Zhang Dongsheng estreitou ligeiramente os olhos: "Quando é que perceberam o que havia no vídeo?"
Zhu Chaoyang respondeu: "Quando voltámos para casa naquela tarde."
"Hmm... Então, além de vocês três, mais alguém sabe disto?"
"Não, ninguém."
"E os vossos pais?"
Zhu Chaoyang disse: "Eles não sabem de nada."
Zhang Dongsheng olhou fixamente para Zhu Chaoyang durante alguns segundos, como se estivesse a tentar determinar se ele estava a dizer a verdade, e depois perguntou: "Por que não contaram aos vossos pais?"
"A minha mãe não está em casa."
"E o teu pai?"
Zhu Chaoyang hesitou e disse: "Ele também não sabe."
"Oh." Zhang Dongsheng, não satisfeito, franziu os lábios e virou-se para Pupu e Ding Hao: "E os vossos pais?"
Ding Hao resmungou, mas não disse nada. Pupu respondeu com frieza: "Já morreram."
"Já morreram?" Zhang Dongsheng perguntou, desconfiado: "E como é que vocês vivem? Qual é a vossa relação uns com os outros?"
Pupu respondeu friamente: "Isso não tem nada a ver consigo"
Os olhos de Zhang Dongsheng brilharam de raiva, mas ele rapidamente disfarçou com um sorriso, continuando: "Por que não entregaram a câmara à polícia quando viram o vídeo?"
Pupu soltou uma risada sarcástica e respondeu diretamente: "Porque planeámos vendê-la a ti."
Zhang Dongsheng ficou surpreso e depois sorriu: "Por que é que acham que eu compraria a câmara? Como sabem que eu estou interessado?"
Pupu respondeu friamente: "Tu tens um BMW, és rico. Mas se não comprares a câmara e nós a entregarmos à polícia, todo o teu dinheiro não vai salvar-te da morte."
A ousadia da rapariga ao ameaçá-lo deixou Zhang Dongsheng furioso. Ele apertou os dentes e olhou para ela como se quisesse devorá-la. Ding Hao, assustado, quase deixou cair a asa de frango que estava a segurar e recuou para o fundo do sofá. Mas Pupu manteve-se firme, sem demonstrar medo, olhando-o diretamente. Diante dessa tensão, Zhu Chaoyang ganhou coragem, endireitou-se e perguntou: "Vai ou não comprar a câmara?"
Zhang Dongsheng estreitou os olhos ligeiramente, voltando a sua atenção para Zhu Chaoyang, e lentamente acalmou-se: "Dou-vos dois mil a cada um, se me derem a câmara. O que acham?"
Zhu Chaoyang balançou a cabeça: "É muito pouco, não chega."
"Então, quanto querem?"
Os três não tinham pensado que iriam encontrar o assassino tão cedo, então não tinham discutido previamente quanto dinheiro pedir.
Zhu Chaoyang disse: "Vamos falar sobre isso."
Ele chamou os outros dois para o lado e perguntou em voz baixa: "Quanto acham que devemos pedir?"
Ding Hao ponderou: "Acho que cinco mil para cada um seria bom, assim ficamos com dez mil, o que já é muito."
Zhu Chaoyang disse: "Eu não quero o dinheiro. Vocês podem ficar com tudo, eu não tenho onde guardar."
Ding Hao arregalou os olhos: "Não queres tanto dinheiro?"
"Se a minha mãe descobrir que eu tenho tanto dinheiro, ela vai pensar que eu o roubei. Se vocês ficarem bem, eu também fico feliz."
Ding Hao ficou comovido: "Mas se ficares sem dinheiro, nós vamos sentir-nos mal."
"Não faz mal. Eu tenho uma casa, vocês não têm ninguém. Somos amigos, não somos?"
Pupu, que geralmente era fria, também sorriu ligeiramente: "Sim, Chaoyang, Haozi, seremos sempre amigos."
Ding Hao, fingindo ser o irmão mais velho, sorriu e deu-lhes um tapinha no ombro: "Muito bem, vamos dizer ao homem. Acredito que ele vai concordar em nos dar cinco mil a cada um."
Zhu Chaoyang hesitou: "Não será pouco?"
"Pouco? Quinze mil é muito dinheiro!"
Pupu refletiu por um momento e disse: "Para nós pode parecer muito, mas para ele pode não ser. Hmm... Chaoyang, quanto achas que precisaríamos para viver até os dezoito anos sem ter rendimento?"
Zhu Chaoyang pensou e respondeu: "Se Haozi não encontrar trabalho... Eu gasto cerca de quinhentos por mês. Isso dá cerca de seis mil por ano. Juntando outras despesas, dá mais de dez mil por ano. E quando entrar na universidade, será ainda mais. Portanto, para vocês viverem até os dezoito anos, cada um precisaria de uns cinquenta ou sessenta mil yuan."
Pupu disse: "Tu tens uma casa, nós não. Portanto, precisamos de mais."
Zhu Chaoyang concordou: "Alugar uma casa também custa muito."
Pupu ponderou por um momento, depois disse: "Decidi, vamos pedir cem mil yuan para cada um."
"Cem mil para cada um?" Ding Hao ficou chocado, arregalando os olhos: "Trezentos mil yuan ao todo! Meu Deus, eu nunca vi tanto dinheiro. O máximo que já peguei foram quatro mil e pouco, quando roubei a carteira daquele gordo. Trezentos mil yuan? Ele nunca vai gastar trezentos mil numa câmara!"
Zhu Chaoyang, por ser filho de Zhu Yongping, que era rico, tinha uma ideia melhor sobre o valor do dinheiro. Ele pensou por um momento e disse: "Acho que a ideia da Pupu é justa. Ele vai aceitar. O carro dele vale centenas de milhares."
Pupu disse: "Então, está decidido."
Com Ding Hao ainda em estado de choque, os três voltaram para a mesa.
Zhang Dongsheng sorriu: "Então, chegaram a uma decisão?"
Pupu acenou com a cabeça: "Sim."
"Quanto querem para me vender a câmara?"
Pupu respondeu: "Cem mil yuan para cada um."
O café na boca de Zhang Dongsheng quase saiu disparado, e ele murmurou com raiva: “Vocês não estão a brincar? Cem mil por pessoa?”
Pupu respondeu calmamente: "Sim, cem mil para cada um. Não menos."
"O que vão fazer com tanto dinheiro? Não têm medo que os vossos pais descubram? Como é que crianças como vocês vão explicar de onde veio tanto dinheiro?"
Pupu respondeu: "Isso não é problema teu. Não vamos contar a ninguém."
Zhu Chaoyang acrescentou: "Isso mesmo. Podes confiar. Se nos deres o dinheiro, entregamos a câmara e nunca contaremos a ninguém."
Zhang Dongsheng tomou mais um gole de café, recostou-se e cobriu a boca com a mão enquanto examinava os três pequenos delinquentes à sua frente.
Trezentos mil! Ele não tinha tanto dinheiro. O dinheiro que tinha estava nas mãos de Xu Jing. Mesmo que tivesse, nunca pagaria essa quantia, pois se esses miúdos gastassem o dinheiro e alguém perguntasse de onde veio, o seu crime seria revelado.
Depois de um longo silêncio, Zhang Dongsheng suspirou: "Está bem. Dou-vos dez mil yuan a cada um. Se quiserem."
Ding Hao olhou para os amigos e disse: "Parece-me justo."
Zhang Dongsheng sorriu para Ding Hao, pensando que o mais velho dos miúdos era o mais fácil de manipular.
Pupu ignorou Ding Hao e disse diretamente: "Cem mil para cada um, não menos. Se não aceitares, vamos à polícia com a câmara."
Zhang Dongsheng ficou furioso e apertou os olhos, olhando para Pupu com uma raiva controlada, desejando poder matá-la naquele momento, se não estivesse num local público.
Zhu Chaoyang, ao encarar o olhar arrepiante do assassino, sentiu as mãos a tremer. Apenas Pupu permaneceu imperturbável, sem demonstrar medo.
Zhang Dongsheng soltou uma risada fria: "Se é assim que querem, vão em frente e entreguem a câmara à polícia. Não preciso dela, e nem posso comprá-la."
Zhu Chaoyang respondeu cautelosamente: " Pode pagar, o Seu carro vale centenas de milhares."
Zhang Dongsheng bufou: "Esse carro não é meu, é de outra pessoa. Não adianta falar mais, posso dar, no máximo, dez mil yuan a cada um. Nem um yuan a mais. Se não quiserem, procurem quem quiserem." Ele virou a cabeça, ignorando-os.
Ding Hao prontamente respondeu: "Dez mil yuan já está bom, está feito. Pupu, que achas?"
"Calado!" Pupu repreendeu Ding Hao, sem querer falar com quem não seguia o plano combinado. Ela levantou-se diretamente e disse: "Irmão Chaoyang, vamos embora. Vamos à esquadra, talvez a polícia até nos dê uma recompensa, quem sabe algumas centenas de milhares."
Ela puxou Zhu Chaoyang para ir embora, enquanto Ding Hao, aflito, os seguia dizendo: "Não vão! Trinta mil yuan já é ótimo!"
Pupu e Zhu Chaoyang ignoraram-no.
Vendo que eles iam realmente embora, Zhang Dongsheng não teve escolha a não ser dizer: "Esperem, voltem aqui e sentem-se."
Os três voltaram para a mesa, e Pupu, com um sorriso frio, disse: "Não disseste que não davas nem um cêntimo a mais? Pois bem, nós não vendemos por menos. Mais alguma coisa?"
Zhang Dongsheng estava furioso, mas, diante de adversários tão insistentes, não teve alternativa a não ser ceder: "Minha família está a organizar um funeral nestes dias. Neste momento, não tenho tanto dinheiro disponível. Será que podem esperar mais alguns dias?"
Pupu respondeu: "Pode ser, mas que seja rápido."
"Está bem, assim que terminar os assuntos de casa e juntar o dinheiro, aviso-vos. Vocês não têm cartão bancário, pois não? Eu trago o dinheiro em espécie. Onde é que vocês moram, como é que posso contactar-vos?"
Ding Hao ia responder: "Agora estamos a viver em—"
Zhu Chaoyang, temendo que o assassino soubesse onde morava, interrompeu-o imediatamente, dizendo: "Não podemos dizer-lhe!"
Zhang Dongsheng perguntou: "Então como é que posso contactar-vos? Têm telefone em casa?"
Zhu Chaoyang, que não queria revelar nenhuma informação sobre a sua casa, respondeu: "Não precisa de nos contactar. Nós contactamos-lhe. Diga-me o seu número de telefone e nós ligamos-lhe daqui a uns dias."
Zhang Dongsheng hesitou por um momento, pegou num bloco de notas, escreveu o número de telefone e entregou-o a eles: "O funeral é amanhã. Pode ligar-me depois de amanhã."
Zhu Chaoyang acenou com a cabeça: "Está bem."
"Mas, até lá, mantenham segredo sobre a câmara e o que aconteceu entre nós. Não contem a ninguém, nem aos vossos pais."
"Nós não vamos dizer nada."
"Muito bem, por hoje é tudo. Precisam que vos leve para casa?"
Zhu Chaoyang balançou a cabeça: "Não é necessário. Pupu, Haozi, vamos."
Mal tinham dado alguns passos, Ding Hao voltou-se e perguntou: "Pode dar-nos algum dinheiro de bolso?"
Zhang Dongsheng olhou para ele e perguntou: "Quanto queres?"
"Centenas yuan."
Zhang Dongsheng suspirou, relutantemente tirou seiscentos yuan da carteira e entregou-lhe. Ding Hao agradeceu, feliz, e foi-se embora. Observando os três miúdos a afastarem-se, Zhang Dongsheng recostou-se no sofá, com as mãos cerradas em punho.
Aqueles fedelhos ousaram chantageá-lo? Hum!
Ao sair do café, Zhu Chaoyang correu a toda velocidade com os outros dois, entrando rapidamente numa viela próxima, virando várias esquinas até chegarem a uma rua cujo nome nem mesmo ele sabia. Só então pararam, ofegantes.
Ding Hao reclamou: "Por que estás a correr?"
Zhu Chaoyang respondeu: "Tenho medo que aquele homem nos siga. Se ele descobrir onde moramos, estamos feitos."
"Descobrir, e daí?"
Zhu Chaoyang soltou um riso sarcástico, olhando para Ding Hao: "Não tens medo que ele nos mate?"
"Matar-nos? Não me parece."
Pupu revirou os olhos e olhou de lado para Ding Hao: "Haozi, és mesmo um idiota."
"O que fiz agora?"
"Tínhamos combinado que cada um pediria cem mil yuan, e quando ele ofereceu dez mil, tu logo aceitaste."
Ding Hao coçou a cabeça, envergonhado: "Eu... bem, é que achei que ele não daria tanto dinheiro. Mil para cada um já é bom."
"Isso faz parte da negociação, e era o preço que nós três tínhamos decidido! Se tu fosses trabalhar, com certeza serias enganado. Se te oferecessem cem yuan para um trabalho que vale mil, aceitarias."
Ding Hao protestou: "Isso é completamente diferente! Pelo que vi, ele não queria dar mais de trinta mil yuan. Como poderia eu saber que ele acabaria por concordar com trezentos mil?"
Zhu Chaoyang também interveio: "Haozi, foste precipitado. Para ser honesto, trinta mil yuan não seriam suficientes para as despesas dos próximos anos. Vocês precisam de um lugar para viver, de comida, roupas e ainda têm de encontrar uma forma de estudar, não é?"
Vendo que ambos o repreendiam, Ding Hao cedeu: "Está bem, está bem. Admito que errei. Na próxima vez, farei o que vocês decidirem. Já chega, certo?"
Pupu soltou um resmungo e virou a cabeça.
Zhu Chaoyang tentou apaziguar a situação: "Tudo bem, não fiquem zangados. Precisamos de elaborar um plano detalhado para o que vamos fazer a seguir."
"Um plano!" Ding Hao exclamou, empolgado, cerrando o punho. "Parece mesmo coisa de televisão, não é?"
Zhu Chaoyang respondeu seriamente: "Sim, mas isto não é um programa de televisão. A partir de agora, deixamos de ser crianças. Temos de agir como adultos, planear cuidadosamente para não cometer erros, porque estamos a lidar com um assassino. Esta situação é perigosa, entendes?"
Ding Hao replicou: "Eu já deixei de ser criança há muito tempo."
Pupu olhou para ele com desdém e repetiu: "És mesmo um idiota."
Ding Hao baixou a cabeça e ficou em silêncio.
Zhu Chaoyang tossiu, tentando aliviar o ambiente, e perguntou-lhes: "Vocês ficaram com medo?"
Ding Hao balançou a cabeça: "No início, fiquei um pouco nervoso ao ver aquele homem, mas depois não tive mais medo."
"E quando ele nos olhou daquela maneira no café?"
"Nessa hora fiquei um pouco tenso, mas sabia que ele não nos podia bater, por isso não tive medo, hehe."
Pupu olhou para ele com desprezo e repetiu: "Isso é porque és um idiota. Idiotas não sabem o que é ter medo."
"Hmph!" Ding Hao rangeu os dentes.
Zhu Chaoyang virou-se para Pupu: "E tu, tiveste medo?"
Ambos esperavam que Pupu dissesse "não há nada para ter medo", pois quando o homem mostrou seu lado ameaçador, apenas Pupu não recuou. Contudo, surpreendentemente, Pupu mudou de postura e, com um leve aceno de cabeça, admitiu, mostrando uma fraqueza inesperada: "Sim, tive medo."
Ding Hao, surpreso, perguntou: "Mas parecias tão corajosa há pouco!"
Pupu franziu o cenho e voltou a exibir sua habitual frieza: "Quanto mais medo sentes, mais os outros percebem que és fácil de intimidar. Se não mostras medo, as pessoas não se atrevem a fazer-te mal."
Zhu Chaoyang não pôde deixar de elogiar: "Pupu, és mesmo corajosa!"
Pupu, olhando para o horizonte, respondeu melancolicamente: "Quando o meu pai foi executado, os meus colegas riam de mim e batiam-me, e eu não tinha coragem de reagir. Mas, um dia, resolvi enfrentá-los, e nunca mais se atreveram a provocar-me."
Ding Hao perguntou: "E tu, Chaoyang, tiveste medo?"
Zhu Chaoyang sorriu: "Claro que sim, mas sei que temos de fazer isto, então, por mais medo que eu tenha, tenho de o superar."
Pupu olhou para ele: "Irmão Chaoyang, obrigada."
Zhu Chaoyang corou ligeiramente: "Agradecer por quê? Somos amigos."
Ding Hao bateu palmas e disse: "Muito bem, então qual é o nosso plano?"
Zhu Chaoyang sugeriu: "Vamos para casa e planeamos tudo com calma. Temos dois dias, preciso de pensar num plano que nos garanta segurança e o dinheiro. Mas, agora, ao voltarmos para casa, devemos ter cuidado, não podemos deixar aquele homem nos seguir."
Os três seguiram pela estrada, encontraram uma paragem de autocarro, mas não havia nenhuma linha direta para casa. Decidiram apanhar um autocarro até ao centro e, depois, trocar para outro que os levasse para casa. Para evitar ser seguido, Zhu Chaoyang propôs descer uma paragem antes do destino, desviando-se por várias vielas até chegarem ao prédio onde morava.
Como a morte ocorreu fora de casa, de acordo com os costumes locais, o velório não poderia ser realizado na residência. Além disso, devido ao estado em que os corpos ficaram após a queda, a tradição exige que o enterro seja feito o quanto antes, sem esperar pelo sétimo dia.
A família Xu alugou um espaço num centro de atividades para idosos, não muito longe do condomínio, para realizar o velório e também a refeição com os parentes e amigos após o funeral de amanhã. Zhang Dongsheng entregou as toalhas e copos de papel que comprou no supermercado para os que estavam ajudando nos preparativos e, ao virar-se, deparou-se com Yan Liang.
Yan Liang estava sentado sozinho a uma mesa vazia mais ao fundo. Acenou para Zhang Dongsheng com um sorriso e fez-lhe sinal para que se aproximasse. Zhang Dongsheng sentiu um leve sobressalto. Quando ainda era estudante, ouvira falar que Yan Liang fora um especialista em investigação criminal do Departamento de Segurança Pública da província. Dizia-se que, de vez em quando, figuras importantes da polícia da cidade de Hangzhou e do Departamento de Segurança Pública da província vinham conversar com ele. Depois que conheceu Xu Jing, ela contou-lhe que este tio Yan, quando era policial, nunca deixava um caso sem solução e que chegou até a ser condecorado pelo Ministério da Segurança Pública. Com o tempo, Zhang Dongsheng percebeu que Yan Liang não era como muitos dos professores do Departamento de Matemática, que apenas se dedicavam à pesquisa teórica sem se preocupar com a aplicação prática dessas teorias. Yan Liang gostava de explorar como a matemática poderia ser combinada com a prática. Por exemplo, muitos alunos de Ciência da Computação vinham assistir às suas aulas de Lógica Matemática. Certamente, Yan Liang, quando era policial, devia ser muito bom a resolver casos a partir de uma perspectiva matemática.
É claro que Zhang Dongsheng sabia que Yan Liang não estava ali para investigá-lo; ele estava ali como um parente para o funeral de amanhã. Mas, mesmo que Yan Liang estivesse ali para investigá-lo, Zhang Dongsheng tinha plena confiança de que este caso nunca seria resolvido, pois não havia maneira de provar que as vítimas foram empurradas por ele e que não caíram acidentalmente. A menos, claro, que a câmera dos três garotos caísse nas mãos de outra pessoa.
Zhang Dongsheng prontamente sorriu e foi ao encontro de Yan Liang, apertando-lhe calorosamente a mão: "Professor Yan, há quatro anos que não nos vemos. Xu Jing disse que tinha falado contigo. Pensei que talvez não tivesses tempo para vir desta vez."
"Estou de férias, e tu, como estás a dar aulas na escola secundário, também tens férias. A propósito, disseram-me que foste ao supermercado. Como é que demoraste tantas horas?"
Zhang Dongsheng, sem hesitar, mentiu com naturalidade: "Fui confirmar os detalhes do carro funerário para amanhã e depois passei na florista para acertar o pagamento dos arranjos, o que levou algum tempo."
Yan Liang assentiu: "Imagino que estes dias têm sido muito cansativos para ti."
Zhang Dongsheng suspirou e abaixou a cabeça: "Com um acontecimento destes, Xu Jing está de rastos, passa os dias a chorar sozinha quando não tem ninguém por perto. Tenho de ser eu, como homem da casa, a tratar de tudo."
Yan Liang olhou para ele com compaixão e, após uma breve hesitação, resolveu abordar o assunto: "A vossa relação... a tua relação com Xu Jing está a passar por dificuldades?"
Zhang Dongsheng baixou a cabeça e cobriu a boca com a mão: "Ela contou-te?"
Yan Liang assentiu silenciosamente.
"Nós... talvez acabemos por nos divorciar."
Yan Liang perguntou preocupado: "Como é que chegaram a esse ponto?"
"Talvez..." Zhang Dongsheng suspirou, tirando um cigarro do bolso. Sabia que Yan Liang não fumava, por isso acendeu um apenas para si.
"Começaste a fumar?"
Zhang Dongsheng sorriu amargamente: "Não costumo fumar. Só de vez em quando, quando estou muito stressado."
Yan Liang assentiu: "Podes... falar-me sobre isso?"
"Tu és mais velho do que eu e um dos professores que mais respeito. É claro que te devo uma explicação." Ele soltou uma baforada de fumaça e continuou: "No fundo, tudo se resume ao facto de eu ser de uma família rural. Xu Jing e eu sempre fomos de mundos diferentes."
"Mas vocês estavam apaixonados."
Zhang Dongsheng sorriu: "Quando estamos apaixonados, ignoramos muitos dos defeitos do outro. Mas, depois de casados, tudo muda. Sabes como é a minha situação familiar. Os meus pais são camponeses, gente simples, sem experiência de vida urbana. Depois que me casei com Xu Jing, os meus pais vieram visitar-nos. Na primeira vez, Xu Jing achou-os pouco higiênicos e sugeriu que, da próxima vez, ficassem num hotel. Mas, na mentalidade deles, família deve ficar junta. Tentei convencer Xu Jing a tolerá-los, já que eles só ficariam alguns dias e eu cuidaria da limpeza. Mas ela foi inflexível e disse que, se eles ficassem, ela é que iria para um hotel. Acabámos por discutir, e eu tive de pedir aos meus pais, de forma indireta, para ficarem num hotel. Eles não disseram nada, mas eu sei que ficaram magoados. Desde então, nunca mais vieram. Mesmo agora, com o funeral, estão a ficar num hotel. Isto foi apenas um pequeno desentendimento, mas logo ficou para trás. Contudo, com o tempo, os nossos hábitos e personalidades tão diferentes tornaram-se um problema. Sempre fui acostumado a poupar, a comparar preços antes de comprar. Xu Jing, por outro lado, só quer saber de marcas boas e não se preocupa com o preço. Ela acha que sou mesquinho, que não tenho o porte de um homem. E assim, pouco a pouco, o meu valor foi diminuindo aos olhos dela. Tornou-se cada vez mais fria comigo, até ao ponto de... até ao ponto de já não me deixar tocar-lhe." Ele passou a mão pelo cabelo, e os olhos começaram a encher-se de lágrimas.
Yan Liang olhou para ele com empatia e perguntou: "E agora, como é que te sentes em relação a ela?"
Zhang Dongsheng olhou para o vazio e sorriu suavemente: "Eu ainda a amo. Independentemente do que ela tenha feito, para mim, ela continua a ser a mesma rapariga de há quatro anos, que desafiou os pais para ficar comigo."
Yan Liang foi tocado pelas palavras de Zhang Dongsheng e suspirou: "E o que pretendes fazer?"
"No ano passado, ela pediu-me o divórcio. Eu não quis aceitar. Queria muito que pudéssemos ultrapassar isto juntos. Tentei agradar-lhe, mas os resultados foram poucos. Acredito que ela está a passar por uma fase difícil e não sabe bem o que quer. Então, decidi dar-lhe tempo, para que ela possa refletir. Ao mesmo tempo, comecei a rever o meu próprio comportamento. Reconheço que grande parte da culpa é minha. Desde que nos casámos, sempre me senti inferior em relação aos pais dela, como se eles não me aceitassem como parte da família. Isso fez com que eu não me esforçasse para ser um bom genro. Sentia-me como um estranho. Por isso, decidi mudar e passar mais tempo com os pais dela, assumir o meu papel de genro. Como sou professor, tenho mais tempo livre, e comecei a acompanhá-los mais. Confesso que tinha uma motivação egoísta: ganhar a confiança deles para que pudessem convencer Xu Jing a não se divorciar. Eles souberam da situação e têm vindo a falar com ela. Por isso, ainda não nos divorciámos. Mas... depois do que aconteceu aos pais dela, sinto-me devastado. Foi tudo culpa minha. O pai dela sofria de hipertensão, mas nunca quis tomar a medicação. Eu não dei importância e, mesmo assim, levei-os para a montanha. Estava a preparar a câmara para tirar uma foto quando ouvi-os gritar. Quando olhei, já estavam a cair. A polícia sugeriu que o pai, ao sentar-se depois da caminhada, teve um surto de hipertensão, e isso fez com que puxasse a mãe. De qualquer forma, a culpa é minha. Sinto-me terrivelmente culpado por Xu Jing." Ele apagou o cigarro e cobriu o rosto com as mãos, demonstrando um sofrimento que era difícil de suportar.
Yan Liang suspirou e tentou consolá-lo: "Não te culpes. Ninguém deseja que estas coisas aconteçam. Há pessoas que saem de casa e são atropeladas, acidentes acontecem. A culpa não é tua."
Depois de um longo silêncio, Zhang Dongsheng levantou a cabeça e disse: "Agora, já me resignei. O que importa é a felicidade de Xu Jing. Enquanto eu ainda for o seu marido, farei o melhor que puder. Quanto ao futuro, só desejo que ela seja feliz."
Yan Liang ficou profundamente comovido e disse: "Não deves ser tão pessimista. Vou tentar falar com Xu Jing. Ela ainda me ouve. Agora, com o que aconteceu aos pais, ela não vai querer falar de divórcio tão cedo. Tens de te esforçar e mostrar-lhe que vale a pena continuar com esta relação."
"Vou tentar. Obrigado, professor Yan!"
O rosto de Zhang Dongsheng ainda mostrava sinais de tristeza, mas, ao observar a reação de Yan Liang, uma leve sombra de malícia passou pelos seus olhos.
Uma nuvem de poeira ergueu-se debaixo da cama. Zhu Chaoyang se curvou e rastejou para fora de debaixo da cama, empurrando de volta as duas grandes caixas cobertas de poeira. Ele se levantou, limpou as mãos e disse: "Agora a câmera está escondida no fundo, e só nós três sabemos disso. Temos que manter isso em segredo e não contar a ninguém. Se aquele homem perguntar, não deixem que ele os engane, está bom?"
Pupu franziu o cenho e acenou com a cabeça seriamente, mas logo lançou um olhar desconfiado para o "tolo" Ding Hao.
Ding Hao, um tanto desanimado, protestou: "Eu não vou deixar que ele tire nada de mim, fiquem tranquilos. Pronto, vamos planejar como conseguir o dinheiro."
Zhu Chaoyang disse: "Conseguir o dinheiro é uma coisa, mas o mais importante é que temos que garantir que consigamos o dinheiro em segurança."
"Conseguir o dinheiro em segurança? Quer dizer...?" Ding Hao franziu o cenho. "Quer dizer que aquele homen pode nos matar para nos silenciar?"
Zhu Chaoyang acenou com a cabeça seriamente: "É bem possível. Viste o olhar dele hoje, parecia que ele queria nos devorar."
"Talvez ele só quisesse nos assustar, porque somos crianças", sugeriu Ding Hao.
Zhu Chaoyang torceu os lábios: "Não sei."
Ding Hao virou-se para Pupu: "O que achas?"
Pupu balançou a cabeça: "Também não sei, mas o que Chaoyang disse faz sentido. E se ele não planejar nos pagar e, em vez disso, quiser nos matar para nos silenciar?"
Ding Hao disse: "Mas a câmera está conosco."
Zhu Chaoyang assentiu: "Sim! Enquanto a câmera estiver conosco, ele não pode nos fazer nada. Veja, quando eu disse que iria para casa guardar a câmera antes de voltar, o rosto dele ficou pálido. Depois, quando Pupu falou com ele, embora estivesse claramente irritado, ele se conteve. Acho que foi porque a câmera ainda estava conosco."
"Mas no final, para que a transação aconteça, teremos que entregar a câmera a ele, certo?", perguntou Ding Hao.
Pupu pensou por um momento e deu um sorriso frio: "Podemos não entregar a câmera."
"Não entregar a câmera?" Ding Hao olhou para ela surpreso: "Como assim?"
"Pegamos o dinheiro, mas não damos a câmera", disse Pupu.
Ding Hao abriu a boca, confuso: "Ele não é tolo. Como podemos pegar o dinheiro e não entregar a câmera?"
Pupu estreitou os olhos: "Vamos exigir que ele nos pague primeiro. Depois de pegarmos o dinheiro, não entregamos a câmera. Ele não poderá fazer nada contra nós. Será que ele vai à delegacia nos denunciar por enganá-lo? Além disso, com a câmera em nossas mãos, ele não ousará nos machucar. Se gastarmos o dinheiro em alguns anos, ainda podemos pedir mais."
Ding Hao pensou por um momento e, hesitante, disse: "Esse plano parece bom. Ele seria como nosso caixa multibanco permanente, e, mesmo se ele ficar bravo, não poderá fazer nada contra nós. Mas... isso não seria muito ético?"
"Ética?" Pupu lançou um olhar desdenhoso para ele: "Não comece a falar como as pessoas da TV!"
Ding Hao então se voltou para Zhu Chaoyang: "O que achas?"
Zhu Chaoyang balançou a cabeça decisivamente: "Esse plano não funciona."
"Por que não?", perguntou Pupu.
"Eu vi muitas coisas assim na TV. Pessoas que chantageiam alguém, pedindo dinheiro várias vezes. Mas, depois de um tempo, quando a pessoa chega ao limite, ela não aguenta mais e acaba matando quem a chantageava. Imagine se fosses aquele homem, três crianças te chantageando repetidamente por dinheiro. Permitirias que isso continuasse a acontecer? Não. Então, fazer isso só vai levar ele a nos matar."
Ding Hao perguntou: "Então, o que devemos fazer?"
"Temos que pegar o dinheiro e depois entregar a câmera, mas precisamos garantir nossa segurança. Temos que fazer a troca em pleno dia, em público, onde ele não pode nos machucar. E, claro, ele não pode saber onde moramos. Se ele não nos encontrar e, com o tempo, perceber que não contamos nada a ninguém, ele desistirá da ideia de nos silenciar."
Os outros dois pensaram por um momento e acenaram com a cabeça, concordando com o plano de Zhu Chaoyang.
Zhu Chaoyang continuou: "Mas, como ainda não sabemos como a troca vai acontecer, precisamos tomar cuidado. Para garantir nossa segurança, na próxima vez que fizermos a troca, vamos deixar a câmera em casa. Primeiro pegamos o dinheiro e, só depois, entregamos a câmera num local público. Além disso, só duas pessoas irão à troca. Assim, ele saberá que uma pessoa ficou para trás. Se algo acontecer com os dois que foram, a pessoa que ficou para trás vai chamar a polícia. Dessa forma, ele não ousará fazer nada."
Pupu assentiu, concordando: "Deixar uma pessoa em casa e mandar duas para a troca é uma boa ideia."
Ding Hao riu: "Viu só, eu disse que Chaoyang é o mais esperto. Mas... quais dois vão e quem fica?"
Zhu Chaoyang respondeu: "Eu e Pupu vamos, e tu ficas em casa."
"Por que eu? Vocês dois são pequenos, se ele tentar algo, como vão se defender? Eu sou maior e mais forte, posso resistir mais."
Pupu revirou os olhos: "Se ele quiser nos matar, teu tamanho não fará diferença. Tu não podes derrotá-lo. Não penses que seres o 'rei das brigas' no orfanato te torna páreo para um adulto. Ele é muito maior e mais forte que tu, e talvez tenha uma arma. O mais importante é que... és muito burro, Haozi. Tenho medo de que fales demais e entregues o jogo."
Ding Hao resmungou: "Pupu, se tu não fosses a minha irmã, eu já teria te batido!"
Zhu Chaoyang rapidamente interveio para acalmar a situação: "Certo, Haozi, podes ficar em casa a jogar videogame. Só lembra de uma coisa: se alguém bater à porta, vê quem é. Se não formos nós, não abre, entendeu?"
"Ok, ok, então eu aceito ficar a jogar." O entusiasmo dele cresceu imediatamente ao ouvir falar em videogames, superando até a ideia de enfrentar perigo para proteger os amigos.
Pela manhã houve o funeral, seguido de um banquete ao meio-dia, e à tarde, foi hora de acertar as contas e organizar os últimos detalhes com as pessoas que ajudaram.
Nesses dias, Xu Jing já demonstrava uma evidente antipatia por Zhang Dongsheng, visível até para os outros. Os pais de Zhang, cansados de lidar com o comportamento frio de Xu Jing, decidiram não permanecer mais e compraram bilhtete de comboio para voltar à cidade natal naquela mesma noite. Após se despedir dos pais, Zhang Dongsheng voltou para casa, onde encontrou apenas Xu Jing. Ele se aproximou, tentando colocar a mão no ombro dela, mas Xu Jing, alertada, saltou do sofá, afastando-se: “Não me toque!”
A mão de Zhang Dongsheng parou no ar por alguns segundos antes de ele a abaixar e suspirar, dizendo suavemente: "Desculpa, eu não cuidei bem dos teus pais, sinto muito."
Xu Jing o observou friamente, olhando para ele por um longo tempo antes de finalmente murmurar: “O que pretendes fazer agora?”
Zhang Dongsheng parecia confuso: "Fazer o quê?"
“O que queres fazer daqui para frente?”
Zhang Dongsheng franziu a testa e balançou a cabeça: “Não entendo o que queres dizer.”
Xu Jing se afastou para outro sofá, longe de Zhang Dongsheng, sentou-se com um ar desanimado e olhou para o vazio à sua frente: “Vamos nos divorciar.”
“Divorciar?” Zhang Dongsheng sentou-se lentamente, pegou um cigarro, acendeu-o e deu uma tragada profunda, dizendo: "Os pais acabaram de falecer, e já queres o divórcio?"
“Vamos nos divorciar. Deixo o novo apartamento para ti. Se achares que não é o suficiente e quiseres mais dinheiro, é só dizer. Eu simplesmente não consigo mais continuar assim.”
Zhang Dongsheng balançou a cabeça com um sorriso amargo: “Xu Jing, quando foi que as coisas entre nós se tornaram assim? Eu me casei contigo por dinheiro? Quando te conheci, nem sabia que a sua família era rica. E nunca te importaste com o fato de eu ser um estudante pobre. Então, como chegamos a isso?”
Xu Jing não respondeu.
Zhang Dongsheng suspirou várias vezes: “Certo. A vida muda as pessoas aos poucos. A culpa é minha, por não ter conseguido alcançar algo melhor. Mesmo tendo me formado em Matemática pela Universidade de Zhejiang, não consegui, como outros colegas, ir estudar no estrangeiro ou me tornar um board member. Eles falam de grandes negócios, enquanto eu, todos os dias, só discuto problemas matemáticos simples com os alunos do ensino secundário. Sou um estudante pobre do campo; meus pais não têm dinheiro. Tu, por outro lado, trabalhas em uma empresa de tabaco, sua família tem cinco imóveis. Desde o início, nosso casamento foi um erro. A diferença social é grande demais, e eu fui ingênuo.”
Xu Jing cobriu o rosto com as mãos e começou a chorar baixinho.
“Por favor, não chore. Ver tu chorares me machuca.” Zhang Dongsheng suspirou. “Está bem, se isso vai te fazer feliz, aceito. Já queriaS o divórcio no ano passado. Eu pedi aos pais para te convencerem a mudar de ideia, mas isso só piorou as coisas. Agora que eles se foram, e esse acidente foi culpa minha, eu me sinto culpado. Tudo bem, concordo com o divórcio. Não preciso do imóvel, não sou esse tipo de pessoa. Vou alugar um lugar perto da escola. Se possível, tenho só um pedido: poderiaS ajudar meus pais a comprar uma casa na vila onde eles vivem? Não precisa ser grande, só um lugar para que possam viver com um pouco mais de conforto.”
Xu Jing, chorando incontrolavelmente, levantou os olhos vermelhos e olhou para Zhang Dongsheng.
Zhang Dongsheng abaixou a cabeça, tragou o cigarro e sorriu amargamente: “Eu nunca me arrependi de te conhecer.”
“Eu... desculpa.” Xu Jing conseguiu dizer entre soluços.
“Não peças desculpas. Tu sempre serás minha princesa.”
“Eu...” Xu Jing hesitou um pouco e disse: “Podes ficar com o novo apartamento, e eu também pagarei pela casa dos seus pais.”
Por um momento, os olhos de Zhang Dongsheng se estreitaram. Ele apagou o cigarro e murmurou, com um sorriso frio: “Então realmente queres o divórcio.” Ele pressionou os lábios, levantou a cabeça e disse: “Os pais acabaram de falecer. Se nos divorciarmos agora, os parentes vão falar. Podemos esperar alguns meses?”
Xu Jing pensou por um momento e concordou com um aceno de cabeça, mas hesitante, acrescentou: “Eu... eu quero me mudar.”
“Por quê?”
“Não há um porquê.”
“Tu realmente não queres mais viver comigo nem nesses últimos meses?”
Xu Jing abaixou a cabeça, sem responder.
Zhang Dongsheng riu amargamente: “Então isso é o que chamam de separação?”
Xu Jing continuou em silêncio.
Zhang Dongsheng suspirou: “Está bem. Quando queres se mudar?”
“Hoje... hoje mesmo.”
Zhang Dongsheng hesitou por um momento, ficou em silêncio por um tempo, depois suspirou e disse: “Não precisaS se mudar, esta é tua casa. Sou eu que devo sair. Então, vou arrumar minhas coisas e mudar-me para o novo apartamento por alguns meses. Depois do divórcio, procurarei outro lugar. Isso está bem para ti?”
“Eu... desculpa.”
Zhang Dongsheng estendeu os braços, levantou-se e, ao passar por Xu Jing, deu-lhe um tapinha no ombro. Xu Jing saltou nervosa, afastando-se rapidamente.
Zhang Dongsheng parou, hesitou e perguntou: “Tens tanto medo de mim assim?”
“Não... não, é só que... eu não estou bem.”
“Desculpa, eu não cuidei bem de ti.” Ele suspirou, foi até o quarto e começou a arrumar suas roupas e objetos pessoais, pensando que precisava resolver a situação com Xu Jing o mais rápido possível. Estava claro que ela suspeitava que ele havia matado os seus pais.
De acordo com o combinado, hoje era o dia de ligar para aquele homem.
Obviamente, não podiam usar o telefone de casa. Havia um telefone público numa mercearia não muito longe do prédio de Zhu Chaoyang, mas ele não foi lá, porque o dono da mercearia o conhecia. Ele temia que, se o assassino rastreasse a chamada até a mercearia e o dono mencionasse o local aproximado de onde ele vivia, seria perigoso.
Por isso, ele e Pupu apanharam um autocarro até uma pequena loja perto da estação rodoviária, onde havia um telefone e o dono não os conhecia. Quando discou o número, ouviu a voz do assassino: "Olá?"
"Somos nós," disse Zhu Chaoyang.
"Ah, olá!" O assassino, desta vez, parecia uma pessoa completamente diferente de quando falaram anteriormente, com um tom alegre na voz, como se estivesse feliz por ouvir os dois.
Zhu Chaoyang ficou ligeiramente desconfiado, mas respondeu cautelosamente: "Onde vamos encontrar-nos hoje?"
"Se puderem, venham à minha casa."
Zhu Chaoyang perguntou com cautela: "Por que à tua casa? Não podemos encontrar-nos noutro lugar?"
O assassino respondeu em voz baixa: "Amiguinhos, vocês sabem que uma quantia tão grande de dinheiro chama muito a atenção. Não podemos permitir que alguém perceba, certo? Depois de hoje, não nos conhecemos mais, nunca aconteceu nada, correto?"
Zhu Chaoyang tapou o bocal do telefone e, em voz baixa, contou a Pupu o que o assassino havia dito. Pupu pensou por um momento e perguntou: "O que achas, Chaoyang?"
Zhu Chaoyang respondeu baixinho: "Não levámos a câmara, por isso não há risco de ele nos enganar. E o Haozi está em casa."
"Então, concordamos."
Zhu Chaoyang voltou ao telefone e disse: "Olá, ainda estás aí?"
"Sim, estou. Então, os três amigos decidiram?"
"Faremos como disseste."
"Ótimo, então tragam o que precisam. Mas, ao virem, não deixem que ninguém vos veja, combinado?"
"Claro."
"Muito bem, apanhem um táxi. Eu estou no Edifício 5, Bloco 1, Apartamento 301, no Conjunto Residencial Shengshi Haoting. Anotaram o endereço?"
Zhu Chaoyang, que tinha uma excelente memória, memorizou o endereço de imediato.
Depois de desligarem o telefone, Zhu Chaoyang e Pupu saíram da loja e perguntaram a algumas pessoas na paragem de autocarro onde ficava o Conjunto Residencial Shengshi Haoting. Após obterem as indicações, apanharam um autocarro.
Logo, os dois chegaram ao exterior do Conjunto Residencial Shengshi Haoting com as mochilas às costas. As mochilas, claro, eram para guardar o dinheiro. Eles observaram o conjunto residencial por um momento; embora não entendessem muito sobre imóveis, perceberam que, pela aparência dos edifícios, ali viviam pessoas com dinheiro.
Entraram no conjunto e logo encontraram o Edifício 5, Bloco 1. No rés-do-chão, havia um sistema de segurança por código, algo que Zhu Chaoyang e Pupu nunca tinham visto antes num condomínio de luxo. Após examinarem o sistema, decidiram, com cautela, pressionar o botão do apartamento 301. Após alguns toques, ouviram a voz do assassino: "A porta está aberta, entrem."
Eles abriram a porta e entraram com cuidado. Pupu segurou a manga de Zhu Chaoyang, que, em voz baixa, a tranquilizou: "Não te preocupes, vai correr tudo bem. Vamos seguir o plano."
"Sim," respondeu Pupu, tentando adotar uma expressão tranquila.
Assim que chegaram ao terceiro andar, a porta já estava aberta. Zhang Dongsheng, com um sorriso no rosto, saudou-os amigavelmente: "Olá!" Mas, logo em seguida, ele pareceu ligeiramente desconcertado. "Só vieram vocês dois? Onde está o vosso amigo Haozi?"
Zhu Chaoyang respondeu: "Ele está lá fora. Nós dois viemos, dá no mesmo."
Pupu disse calmamente: "Se nós dois não voltarmos, ele vai à polícia."
Zhang Dongsheng hesitou por um momento, engoliu em seco e depois sorriu novamente: "Entrem, entrem."
Quando Zhang Dongsheng fechou a porta atrás deles, Zhu Chaoyang e Pupu instintivamente sentiram um arrepio. Era como se o assassino estivesse a observá-los com um olhar gelado. Ficaram imóveis, sem saber o que fazer.
Felizmente, Zhang Dongsheng passou rapidamente por eles e disse: "Não precisam tirar os sapatos. Sentem-se à vontade."
Asssim Zhu Chaoyang começou a relaxar e começou a observar a casa. A diferença entre a decoração desta casa e a simplicidade da sua era imensa. Azulejos brilhantes cobriam o chão da entrada e da sala de jantar aberta. Mais à frente, o chão era de madeira. Embora ele não soubesse dizer a metragem, percebeu que a sala de jantar e a sala de estar juntas eram maiores do que a sua casa inteira. Todos os aparelhos e móveis eram novos e reluziam, mas parecia que faltava alguma coisa.
Pensou um pouco e percebeu: a casa estava limpa demais. Não havia quase nenhum objeto sobre os móveis ou mesas. Na entrada, no armário de sapatos, havia apenas um par de sapatos.
"Vives aqui?"
"Sim."
"Mas... por que parece que ninguém mora aqui?"
Zhang Dongsheng hesitou por um momento e respondeu: "Mudei-me ontem."
Zhu Chaoyang sentiu um ligeiro alarme, mas não demonstrou.
Zhang Dongsheng convidou-os a sentar: "Sente-se, à vontade. Vamos conversar."
Zhu Chaoyang e Pupu sentaram-se à mesa de vidro rectangular. Era uma mesa de duas camadas: a de cima de vidro temperado, a de baixo de aço inoxidável, onde podiam ser guardados alguns objetos. Sobre a mesa, havia alguns copos vazios e uma garrafa grande de sumo já aberta. Do outro lado da mesa, havia algumas revistas "Matemática e Ciência", que atraíram a atenção de Zhu Chaoyang.
Pupu olhou para o sumo e disse: "Tenho sede."
Zhang Dongsheng bateu na testa, dizendo: "Desculpem, sou um péssimo anfitrião. Com este calor, vocês devem estar com sede. Vou buscar Coca-Cola."
Pupu apontou para o sumo: "Não é preciso, este sumo serve."
Sem cerimónias, estendeu a mão para pegar na garrafa de sumo, mas Zhang Dongsheng apressou-se a agarrar na garrafa, dizendo: "Esta garrafa já está aberta há alguns dias, deve estar estragada. Vou buscar Coca-Cola."
Zhu Chaoyang, lembrando-se de que bebidas com gás não são boas para o crescimento, disse: "Não bebo bebidas com gás."
Zhang Dongsheng franziu ligeiramente o sobrolho: "Então, que tal água?"
"Está bem."
Zhang Dongsheng levou a garrafa de sumo estragada e voltou com uma Coca-Cola nova, que serviu para Pupu, e depois serviu água para Zhu Chaoyang.
Zhu Chaoyang observou atentamente o detalhe, mas não disse nada.
Depois, Zhang Dongsheng sentou-se do outro lado da mesa e perguntou: "Os vossos pais sabem que vieram aqui hoje?"
Zhu Chaoyang respondeu: "Não te preocupes, ninguém sabe disso além do Haozi."
"Haha, vocês são crianças espertas. Eu dei-vos o endereço e chegaram aqui tão rapidamente. Muito inteligentes." Ele disse algumas palavras elogiosas e depois, casualmente, perguntou: "A câmara... trouxeram-na hoje?"
Zhu Chaoyang balançou a cabeça: "Não."
"Não?" Zhang Dongsheng pareceu surpreso.
Pupu respondeu: "Dá-nos o dinheiro primeiro e depois entregamos a câmara."
Zhu Chaoyang acrescentou: "Sim, dá-nos o dinheiro primeiro. Quando o tivermos, entregamos-te a câmara."
Zhang Dongsheng forçou um sorriso e acenou com a cabeça: "Está bem."
Zhu Chaoyang perguntou: "Então, já tens o dinheiro preparado?"
Zhang Dongsheng sorriu, mas parecia desculpar-se: "Neste momento, não tenho dinheiro para vos dar."
Zhu Chaoyang perguntou, desconfiado: "Andas de BMW, vives nesta casa enorme, e não tens dinheiro?"
"Essas coisas não são minhas."
"De quem são então?"
"São da minha esposa."
Pupu disse: "O que é da tua esposa também é teu. O homem é o chefe da casa."
Zhang Dongsheng exibiu uma expressão embaraçada, baixou a cabeça ligeiramente e pigarreou: "Sou genro residente. O dinheiro e as propriedades não são meus."
Zhu Chaoyang, confuso, perguntou: "O que é um genro residente?"
Pupu, com desdém, explicou: "Eu sei o que é. Significa que o filho não pode levar o apelido do pai; leva o da mãe."
"A sério?"
Ao ouvir esta explicação, uma faísca fria brilhou nos olhos de Zhang Dongsheng, mas desapareceu num instante. Ele sorriu e disse: "Sim, é isso mesmo. A minha mulher tem dinheiro, tem uma casa, um carro, mas eu não controlo nada disso, por isso agora não consigo arranjar tanto dinheiro."
Pupu fitou-o friamente e perguntou: "Se não tens dinheiro, por que pediste para trazermos a câmara? Estavas a planear roubá-la?"
Zhang Dongsheng hesitou por um momento e rapidamente negou: "Claro que não. Estava preocupado que a câmara não estivesse segura nas vossas mãos. Deixem-na comigo e eu dou-vos mil. Depois, pago-vos o restante quando puder."
Pupu respondeu sem qualquer emoção: "A câmara está segura connosco. Não a mostraremos a ninguém. A menos que não queiras mais fazer o negócio."
Pupu estava a ser tão incisiva quanto da última vez, mas, desta vez, Zhang Dongsheng não mostrou sinais de raiva. Sorriu e disse: "Está bem, não vos posso contrariar. Fiquem descansados, irei arranjar o dinheiro em breve."
Pupu perguntou: "Quanto tempo vai demorar?"
"Hum..." Zhang Dongsheng sorriu. "Não deve demorar mais de um mês. Acham bem?"
Pupu insistiu: "Por que razão vais ter dinheiro daqui a um mês?"
Zhang Dongsheng abriu as mãos: "Sou adulto, sei como arranjar dinheiro, não é amiguinha?"
Pupu resmungou: "Não me chames de amiguinha!"
Zhang Dongsheng, pacientemente, respondeu: "Claro, colega."
Pupu olhou para Zhu Chaoyang, que ainda não tinha dito nada, e perguntou: "O que achas? Se não conseguirmos o dinheiro hoje, vamos embora?"
Zhu Chaoyang estava a olhar fixamente para as revistas "Matemática e Ciência" em cima da mesa, quando de repente perguntou: "O teu filho está no secundário?"
Zhang Dongsheng sorriu: "Achas que sou assim tão velho? Não tenho filhos."
"Então, por que estás a ler 'Matemática e Ciência'? E ainda por cima, a edição mais recente? Ah, já sei, és professor, certo?"
Os olhos de Zhang Dongsheng contraíram-se ligeiramente. Já que o seu emprego tinha sido adivinhado, ele decidiu admitir: "Sim."
"És professor de matemática ou de física?"
Zhang Dongsheng, relutante, respondeu: "Matemática."
"Eu adoro matemática."
Zhang Dongsheng lançou um olhar indiferente, pensando que aqueles miúdos deviam ser uns casos problemáticos, com um desempenho escolar terrível. Dizer que adoravam matemática? Provavelmente, tiravam zeros nas outras disciplinas e, de vez em quando, copiavam nas provas de matemática para passar. Uns idiotas!
De repente, Pupu perguntou: "Sendo professor, como é que mataste alguém?"
A pergunta fez com que o ambiente na sala ficasse pesado. Zhang Dongsheng manteve a boca fechada, e Zhu Chaoyang sentiu que a pergunta de Pupu tinha sido demasiado direta. Zhang Dongsheng ficou quieto, estudando os dois com os dedos entrelaçados. Pupu, mostrando-se indiferente, continuou a beber a sua Coca-Cola. Zhu Chaoyang, tentando quebrar o gelo, pigarreou e mudou de assunto: "Eu adoro a 'Matemática e Ciência'. Se algum dia eu tiver alguma dúvida em matemática, posso pedir a tua ajuda?" Enquanto falava, pegou nas revistas e, ao folheá-las, disse: "Oh, há também o 'Boletim de Matemática'." Ele tirou uma pilha do boletim da prateleira de vidro.
Zhang Dongsheng tentou impedi-lo, mas já era tarde. Riu, tossiu e disse: "Claro, em matemática do secundário, não há problema que eu não consiga resolver."
"Oh, estas são questões de competição do ensino secundário, mas parece que algumas também são do básico," disse Zhu Chaoyang enquanto folheava as revistas, sem perceber a expressão de preocupação no rosto de Pupu.
Pupu, enquanto bebia a Coca-Cola, cutucou Zhu Chaoyang com a mão. Zhu Chaoyang olhou para ela e notou que ela estava a olhar para baixo da mesa. Zhu Chaoyang seguiu o olhar e viu que, debaixo da mesa de vidro, estava uma faca comprida e elegante. Até aquele momento, a faca tinha estado coberta pelos boletins "Boletim de Matemática", que a tinham escondido completamente. E a extremidade do cabo da adaga estava posicionada bem perto do homem.
Zhang Dongsheng tinha percebido a expressão deles, mas fingiu não notar. Zhu Chaoyang, de forma extremamente rápida, pegou a adaga debaixo da mesa, puxou Pupu e se afastou apressadamente em direção à porta. Ele tirou a bainha da adaga, revelando uma lâmina muito afiada. Olhando assustado para o homem, ele perguntou: "Por que escondeu uma faca debaixo da mesa?"
Zhang Dongsheng levantou-se rapidamente, com uma expressão inocente, explicando: "Vocês devem ter entendido errado, esta é uma faca de frutas. Minha casa foi renovada no ano passado, e o tio da minha esposa trouxe isso da Alemanha como um presente, para dar sorte à casa. Colocámo-la aqui por acaso."
Pupu respondeu friamente: "Então por que insistiu em nos convidar para sua nova casa hoje? Estava a planear nos matar, aproveitando que este lugar é novo, sem vizinhos por perto, e ninguém saberia, não é?"
"De jeito nenhum!" Zhang Dongsheng defendeu-se apressadamente, "Pensem bem, apesar de serem crianças, vocês são três, e eu sou apenas um. Como eu poderia garantir que conseguiria matar todos vocês? Se alguém escapasse, eu seria preso imediatamente, não seria? Eu estou disposto a pagar por essa câmera para acabar com isso de uma vez por todas. Por que eu arriscaria a minha vida para matar vocês? Correr o risco de matar três pessoas para economizar trinta mil é um cálculo que não vale a pena."
"Então por que se mudou para cá de repente, ontem?" Pupu insistiu.
Zhang Dongsheng suspirou, sentando-se com uma expressão triste, "Minha esposa quer o divórcio, estamos vivendo separados. Ontem brigamos, e ela se recusou a continuar a morar comigo. Esta casa foi reformada no ano passado e ficou vazia até agora. Estávamos a planear nos mudar este ano, mas com a crise no casamento, adiamos a mudança. Caso contrário, por que eu viria morar sozinho nesta casa nova, sem nada dentro?" Ele mordeu os lábios, e seus olhos ficaram ligeiramente vermelhos.
Pupu olhou para ele, ainda desconfiada. Zhu Chaoyang, sem devolver a adaga, guardou-a na sua mochila, apenas querendo sair rapidamente dali. Ele disse: "Já que não tem o dinheiro agora, vamos entrar em contato mais tarde. Hoje vamos embora, mas não tente nos enganar da próxima vez."
Zhang Dongsheng, relutante, mas sem escolha, acenou com a cabeça e disse: "Vou garantir que o dinheiro esteja pronto dentro de um mês. Quando isso acontecer, entrem em contato comigo. Lembrem-se, ninguém deve saber sobre isso."
"Entendido."
Zhu Chaoyang estava prestes a abrir a porta quando Pupu o segurou e sussurrou: "Irmão Chaoyang, sua mãe volta para casa hoje. Onde eu e Haizi vamos morar?"
"Isso..." Zhu Chaoyang hesitou, pois não seria possível continuar com Haizi e Pupu em casa.
Pupu virou-se para Zhang Dongsheng e disse: "Disse que poderia nos dar dez mil yuan. Pode nos adiantar essa quantia?"
"Isso... vocês estão a precisar de dinheiro?"
"Não é da sua conta."
"Tenho medo que gastem de forma imprudente e alguém perceba..."
Pupu respondeu: "Nós não vamos gastar de forma imprudente."
"O que pretendem fazer com esse dinheiro?"
Pupu, achando que não havia problema em contar, respondeu: "Alugar uma casa."
Zhang Dongsheng franziu ligeiramente a testa e, em seguida, perguntou cautelosamente: "Vocês não têm onde morar?"
"Isso não é da sua conta."
"Vocês vão alugar a casa para morar com algum adulto, ou só vocês dois?"
"Não se preocupe, não vamos morar com adultos, nem deixar que alguém saiba que temos dinheiro."
"Então, por que vocês não ficam em casa? Vocês... fugiram de casa?"
Pupu balançou a cabeça: "Não."
"Então... vocês não têm uma casa?"
Pupu respondeu friamente: "Não é da sua conta."
Zhang Dongsheng mostrou um olhar de simpatia e disse: "Vocês são tão jovens, deveriam estar a estudar e ter uma casa para morar."
Pupu bufou e ficou em silêncio.
Zhang Dongsheng sorriu e disse: "Vocês são estudantes, como os meus. Eu não posso aceitar que vocês, tão jovens, fiquem vagando por aí sem um lar. Tenho uma casa pequena que está vazia. Posso ir arrumar para vocês morarem. O que acham? Além disso, posso dar-lhes algum dinheiro para viverem, pelo menos para garantir que estejam seguros por enquanto."
Pupu olhou para Zhu Chaoyang, buscando a sua opinião. Zhu Chaoyang hesitou um pouco, pensou e perguntou: "Realmente tem uma casa disponível?"
"Sim, é um pequeno apartamento de solteiro, que está vazio. Aluguei os outros, mas esse está disponível."
Zhu Chaoyang sussurrou para Pupu: "Acho que podemos aceitar."
Zhang Dongsheng sorriu imediatamente e disse: "Certo, vou levar vocês dois até a casa para ajeitá-la. Hoje mesmo vocês poderão se mudar."
O médico legista Chen entrou no gabinete, largou alguns documentos em cima da mesa e disse a Ye Jun:
— O Departamento Técnico-Científico da Polícia da cidade realizou uma autópsia completa à Zhu Jingjing e acabou de nos enviar o relatório por fax. Não encontraram sémen. Concluíram que o autor do crime não ejaculou, ou então ejaculou uma quantidade mínima, que terá sido engolida e decomposta pela pepsina do estômago, o que impossibilita a detecção. No entanto, foram encontrados alguns pelos púbicos e vestígios de pele e sangue na boca da Zhu Jingjing, a partir dos quais foi possível obter ADN. Mas só o ADN, por si só, não basta para identificar o suspeito.
Ye Jun franziu o sobrolho, visivelmente irritado, acendeu um cigarro e perguntou:
— Não foi possível recolher impressões digitais das roupas da Zhu Jingjing? Alguma outra pista?
O legista abanou a cabeça:
— Só em materiais como couro se conseguem preservar impressões digitais. Em tecidos comuns é muito difícil. Além disso, depois da queda, o corpo foi tocado por vários elementos — desde o pessoal da administração, aos paramédicos — e ainda por cima choveu, o que baralhou tudo ainda mais.
— Então, para além do ADN, nem sequer sabemos se as impressões na janela pertencem ao homicida?
Este caso implicava a investigação de muitas pessoas, e comparar ADN obrigaria a recolha de amostras e envio para o laboratório, um processo demorado. Se fossem apenas impressões digitais, seria mais fácil. Contudo, na janela da casa de banho pública foram recolhidas muitas impressões, não apenas de uma pessoa.
Chen acrescentou:
— Sim. A única evidência fiável, por agora, é o ADN do homicida.
Ye Jun pensou um pouco e perguntou:
— Nós, numa esquadra como esta, com meios tão limitados, nunca tivemos um caso assim. Há algum caso semelhante no passado que possamos usar como referência?
Chen, pensativo, respondeu:
— Recordo-me de um caso há uns dez anos, que acabou por ser resolvido, mas…
— Mas o quê? — perguntou Ye Jun, ansioso.
— Mas, nesse caso, o nível da equipa era muito mais elevado. A Polícia Judiciária provincial criou uma equipa especial liderada pelo inspector Yan Liang.
— Yan Liang?
— Julgo que chegou a assistir a uma palestra dele, não foi?
Ye Jun acenou com a cabeça:
— Sim, quando fiz formação na capital da província, assisti às aulas do professor Yan. A primeira impressão que tive foi de que era um académico, promovido por causa dos diplomas, sem experiência de campo. Mas depois percebi que ele tinha uma experiência prática enorme, já tinha sido distinguido pelo próprio Ministério da Administração Interna. A disciplina de Lógica Criminal dele era extremamente prática, nada daquelas baboseiras de psicologia criminal, cheia de palpites e teorias pós-facto. Nunca soube porquê, mas um dia ele largou tudo e foi dar aulas na Universidade de Zhejiang.
— Nesse caso, para além de o inspector-chefe ser o Yan Liang, a equipa tinha mais de cem peritos, todos muito experientes. Foi assim que conseguiram resolver o crime.
Ye Jun deu uma passa no cigarro e perguntou:
— E o que se passou, afinal, nesse caso?
Chen recordou:
— Duas meninas, de famílias diferentes, desapareceram com poucos dias de intervalo. Mais tarde, foram encontradas mortas num estaleiro abandonado. Ambas foram violadas, torturadas e assassinadas. O criminoso usou preservativo, não deixando fluídos, e ainda ateou fogo ao local, destruindo provas. A notícia saiu em todos os jornais nacionais. A Polícia Judiciária provincial criou
uma força-tarefa imediatamente. Ao início tinham mais de trinta suspeitos, mas o inspector Yan foi eliminando um a um, até ficar com um homem que, aparentemente, não tinha grandes conflitos com as famílias. Detido, ele negou tudo e disse que, na noite do crime, estava em casa sozinha. A maioria dos agentes até acreditava nele, mas o inspector Yan insistiu, e com o trabalho dos peritos em provas materiais, conseguiram desmontar o álibi.
Ye Jun reflectiu:
— Parece ainda mais complicado do que o nosso.
— Sem dúvida. O criminoso sabia bem como dificultar a investigação. Nem provas, nem testemunhas. No nosso caso, pelo menos, temos ADN e algumas impressões na janela. Mas, convenhamos, nós não temos uma equipa como a deles.
Ye Jun também assentiu com a cabeça, concordando. O local do crime, desta vez, tinha um fluxo de pessoas demasiado grande, e havia trabalho de investigação em excesso. A menos que tivessem uma sorte extraordinária, este caso não seria resolvido em menos de alguns meses.
Embora fosse um grande caso para a vila deles, numa escala mais ampla, não era assim tão relevante, pelo que não iriam destacar um número excessivo de agentes para resolver apenas este homicídio. Mesmo que a esquadra municipal e o departamento distrital enviassem técnicos para ajudar, o grosso do trabalho teria de ser feito pela equipa criminal da esquadra local. Após quatro dias de investigação e entrevistas, uma coisa ficou basicamente clara: não havia testemunhas oculares no momento do crime, ninguém reparou em indivíduos suspeitos.
Neste momento, todo o foco do trabalho estava centrado nas pessoas que tinham aparecido nas filmagens das câmaras de vigilância do primeiro andar, identificando possíveis suspeitos e investigando-os um a um. Acreditavam que o assassino seria um homem adulto, embora também pudesse ser um rapaz mais velho, pois, infelizmente, casos de violação cometidos por estudantes menores de idade já tinham acontecido antes.
Além disso, o criminoso deveria ter entrado e saído sozinho, porque, por uma lógica básica, um pai ou mãe que levasse o filho ao Palácio dos Jovens para brincar, não cometeria algo tão depravado e cruel, escondendo do próprio filho que, entretanto, subia ao sexto andar para violar e matar uma menina. Por isso, todos os homens adultos que apareciam sozinhos nas filmagens, incluindo rapazes com desenvolvimento físico completo, eram alvos prioritários da investigação, devendo ser localizados para posterior comparação de ADN e impressões digitais.
Mas, claramente, este não era um trabalho que pudesse ser concluído de um dia para o outro. As pessoas que apareciam nas câmaras não andavam com o nome e morada escritos na testa, o que complicava imenso o trabalho policial. Primeiro, era preciso descobrir quem eram essas pessoas, onde viviam, para depois poder verificar as suas situações e recolher ADN e impressões digitais para comparação. Mesmo com tudo a correr bem, esta parte do trabalho levaria meses e exigiria um enorme esforço policial. E como a equipa criminal da esquadra local contava apenas com vinte ou trinta elementos, não podiam deixar de lado todo o trabalho habitual só para resolver este caso. Além disso, as imagens das câmaras nem sequer eram muito nítidas, não dava para ver bem as feições das pessoas. Se ninguém conseguisse identificar quem eram, como poderiam continuar a investigação?
E se o assassino fosse um trabalhador migrante que já tivesse fugido? Por onde começariam a procurá-lo? Era esta a dura realidade com que Ye Jun se deparava.
Nesse momento, um agente criminal bateu à porta e disse: — Irmão Ye, o pai da Zhu Jingjing, o Zhu Yongping, está à tua procura. Quer saber como vai a investigação.
Ye Jun respondeu: — Este caso não se resolve tão depressa. Vai lá tu falar com ele, conforta-o um pouco. Diz-lhe que estamos a investigar e que, assim que houver novidades, avisaremos logo a família.
Mal acabou de falar, franziu o sobrolho e chamou o agente de volta: — Espera aí.
Virou-se para o legista Chen: — Ó Chen, disse que, naquele caso de há dez anos, o assassino tinha uma velha inimizade com a família da vítima?
— Sim, à primeira vista parecia que não havia grande rancor, mas, na verdade, era uma inimizade antiga. Pelos vistos, a mulher do assassino, anos antes, tinha dormido com homens das duas famílias envolvidas. O assassino era um homem pacato e, quando soube, nunca disse nada. Tinha um filho, e, à medida que o miúdo crescia, ele achava-o cada vez menos parecido consigo. Mais tarde, fez secretamente um teste de paternidade, e confirmou-se: o filho não era dele. Foi a gota de água. Anos de rancor acumulado explodiram, e ele decidiu vingar-se. Planeou tudo com muito cuidado, armou uma cilada e acabou por raptar as filhas das duas famílias, que depois violou e assassinou de forma cruel.
Ye Jun pensou um pouco e disse: — A família da Zhu Jingjing tem bastante dinheiro, não é?
— Sim, o Zhu Yongping tem uma fábrica de congelados, até com alguma dimensão.
— Negócios grandes geram facilmente inimizades. Não achas possível que o assassino não seja apenas um depravado, mas que tenha também algum tipo de vingança contra os pais da Zhu Jingjing?
O legista Chen refletiu e assentiu com a cabeça: — Sim, é possível.
Ye Jun apressou-se a dizer ao agente que ainda estava à porta: — Vou falar com o Zhu Yongping. E leva contigo as imagens das câmaras que temos até agora. Peço-lhe e à mulher que vejam com atenção, para ver se reconhecem alguém. Se isto tiver a ver com uma vingança e o assassino for alguém conhecido da família, eles, de certeza, o reconhecerão.
— Achas que aquele homem queria mesmo matar-nos? — perguntou Pupu em voz baixa, sentada ao lado de Zhu Chaoyang no autocarro.
— Sim — respondeu Chaoyang, acenando com a cabeça e falando num tom que só eles os dois conseguiam ouvir. — Se tivéssemos ido os três, com a máquina fotográfica, ele teria mesmo matado-nos para ficar com a câmara.
— Mas ele podia simplesmente roubar a câmara, porquê matar-nos?
— Há segredos que nunca podem ser revelados. Senão, nunca mais dormia em paz. Nós vimos com os nossos próprios olhos ele a matar uma pessoa.
— Mas ele está sozinho, talvez não conseguisse matar-nos aos três...
— Ele tinha uma faca — murmurou Zhu Chaoyang, tocando instintivamente na faca que agora estava escondida na sua mochila. — Ele pôs a faca de propósito debaixo da mesa, mesmo ao lado dele, coberta com jornais. Muito astuto.
Após pensar um pouco, acrescentou:
— Mas talvez ele não quisesse usar logo a faca. Talvez fosse o plano de reserva.
— Como assim? — Pupu franziu o sobrolho, confusa.
— Acho que, ao início, ele queria era envenenar-nos. Repara: quando chegámos, havia sumo aberto em cima da mesa. Tu quiseste beber, mas ele tirou logo o sumo, dizendo que já estava aberto há dias e que estava estragado, oferecendo antes uma Coca-Cola. Mas ele próprio tinha dito que só se mudara para aquela casa no dia anterior! E a casa era nova, via-se logo que ninguém ali tinha vivido antes. Como é que havia sumo aberto há dias? Se tivesse sido aberto ontem, o sumo não estaria estragado e podíamos ter bebido. Eu acho que ele viu que só estávamos nós os dois, sem a câmara, e tu disseste-lhe logo que, se não voltássemos, o Haozi iria chamar a polícia. Por isso, ele desistiu do plano. E depois, quando nos mostrou a casa, ele perguntou várias vezes se o Haozi ficaria preocupado se demorássemos a voltar. Na verdade, o que ele temia era que nós tivéssemos combinado com o Haozi uma hora para regressar, e que, se não voltássemos a tempo, o Haozi pudesse chamar a polícia.
Pupu pensou por um instante e disse:
— Então achas que, se fôssemos os três com a câmara, ele dar-nos-ia o sumo envenenado, e, se não resultasse, matava-nos com a faca?
— Se tomássemos o veneno, não morreríamos os três ao mesmo tempo. Se um de nós começasse a sentir dores de barriga e os outros ainda não tivessem sido afetados, ele usaria a faca para nos matar.
Pupu ficou pálida e murmurou, olhando em frente:
— Estivemos mesmo em perigo.
Zhu Chaoyang acenou com a cabeça:
— Ele ligou a dizer que já tinha o dinheiro pronto para o negócio, mas na verdade nem sequer levou dinheiro. Queria apenas atrair-nos lá para matar-nos e ficar com a câmara. E aquela casa... claramente nunca tinha sido usada. E ele admitiu que só se tinha mudado no dia anterior. Que coincidência! Logo agora? Ele queria uma casa onde pudesse matar sem que ninguém soubesse. O prédio era novo, quase sem vizinhos. Mesmo que gritássemos, ninguém ouviria. Outra coisa: da primeira vez que nos viu, quando soube da câmara, ele ficou furioso, até com olhos de assassino. Mas hoje, mesmo quando o enfrentaste, ele sorriu o tempo todo. Aquele sorriso escondia a vontade de nos matar. Os grandes vilões são sempre assim, fingem ser simpáticos mas por dentro são monstros.
Pupu olhou para ele com admiração sincera:
— Chaoyang, és mesmo esperto. Descobriste todos os planos dele.
Zhu Chaoyang corou, coçando a cabeça:
— Não é nada, ele é que nos subestimou. Somos mais espertos do que ele pensa.
— Então ainda vamos fazer o negócio?
— Claro. Mas só se for como hoje: nunca levamos a câmara connosco e nunca vamos todos juntos. Assim ele não se atreve a fazer nada. Depois de termos o dinheiro, nunca mais o vemos a sós.
Pupu acenou, mas depois franziu o sobrolho:
— E se eu e o Haozi formos viver na casa que ele nos arranjou? Não é perigoso?
Chaoyang respondeu com firmeza:
— Não, desde que ele não saiba onde eu vivo. Se não souber onde estou nem onde está a câmara, não se atreve a fazer nada contra vocês. Mas o mais importante: se ele vos procurar, nunca, mas nunca, podem contar nada sobre nós os três. Nem uma palavra.
Pupu sorriu e acenou:
— Não te preocupes, não digo nada. Vou avisar o Haozi também, só tenho medo que ele seja ingénuo.
Zhu Chaoyang riu:
— Mas o que aconteceu hoje, ele não pode saber. Se souber que o homem queria matar-nos, nunca vai querer ir viver naquela casa. E se se assustar, vai acabar por contar tudo.
— Sim, vou dizer-lhe que o homem ainda não tem o dinheiro, mas que nos deu algum para as despesas.
Zhu Chaoyang acenou:
— Usem esse dinheiro para comprar roupas novas, algo bom para comer, vocês merecem.
Pupu olhou para ele, agradecida:
— E tu? Também devíamos comprar-te uma peça de roupa. Eu e o Haozi já vivemos tanto tempo em tua casa.
Zhu Chaoyang abanou a cabeça:
— Não, a minha mãe vai desconfiar se me vir com roupa nova. Não vai perceber de onde veio o dinheiro.
— Pois, tens razão.
— E outra coisa. Na casa onde vão ficar, pus um fio na porta do armário. Se o abrirem, voltem a colocar o fio. Se um dia o fio estiver caído, quer dizer que ele entrou e mexeu nas vossas coisas. Assim vocês ficam atentos.
— Como quando puseste aquela linha de lã na porta do quarto da tua mãe? — Pupu olhou-o de lado.
Zhu Chaoyang estremeceu e baixou a cabeça:
— Desculpa... eu, no início...
Pupu interrompeu-o:
— Eu percebo. Dois estranhos na tua casa, qualquer um desconfiava. O Haozi é que não percebeu, mas eu não vou dizer nada.
— Obrigado... — murmurou Chaoyang, com um sorriso.
Como combinado, os dois saíram do autocarro uma paragem antes de casa, deram várias voltas pelas ruas, até chegarem. Chaoyang não usou a chave, mas bateu à porta. Haozi, cumprindo o combinado, perguntou quem era antes de abrir. Quando ouviu as vozes, abriu logo a porta, feliz por vê-los.
Contaram-lhe o que tinham combinado dizer. Haozi ficou um pouco desapontado por não terem conseguido o dinheiro, mas, ao saber que iam ter uma casa só para eles e já tinham mil yuan para despesas, ficou radiante. Ele e Pupu arrumaram as poucas coisas que tinham e despediram-se de Chaoyang para irem viver para a nova casa. A única coisa que o Haozi lamentou foi não poder levar o computador, o que o deixou aborrecido.
À noite, Zhou Chunhong voltou para casa, preparou alguns pratos simples, e os dois, ela e Zhu Chaoyang, sentaram-se em volta da pequena mesa da sala para jantar, enquanto a ventoinha de tecto, de ferro, girava ruidosamente por cima das suas cabeças. Zhu Chaoyang esteve calado quase o tempo todo, e, mal terminaram de comer, disse:
— Mãe, vou para o quarto estudar.
— Espera aí. — Zhou Chunhong chamou-o. — O que se passa contigo hoje? Estás tão calado, quase não disseste uma palavra.
— Hm... Nada, está tudo bem.
Zhou Chunhong olhou para o filho, sem perceber o que se passava, e perguntou:
— Os teus dois amigos já foram embora?
— Foram hoje mesmo.
— E vocês divertiram-se estes dias?
— Sim, foi giro. Andámos por muitos sítios.
— Ah... E o teu pai, telefonou-te estes dias?
Zhu Chaoyang baixou a cabeça:
— Não. Não me ligou.
Zhou Chunhong suspirou em voz baixa:
— Se tiveres tempo, vai ver os teus avós. Ouvi dizer que o teu avô está pior do AVC, dizem que talvez não passe deste ano. Eles sempre gostaram de ti. Assim o Zhu Yongping também não vai ter desculpa para dizer que nem vais ver os teus avós, e não querer dar-te o dinheiro.
— Está bem. Amanhã passo lá. Só tenho medo... medo de encontrar aquela vaca. Da última vez, a avó disse que ela ia lá, e mandou-me embora.
Zhou Chunhong resmungou com raiva:
— Tu és neto dos Zhu, goste ela ou não! E és o único neto, o único homem da família. Se o teu avô morrer, és tu que vais levantar o caixão. É teu direito ir lá! Aquela vaca só teve uma filha, e mesmo assim, já morreu. Bem feito, foi o céu a castigar!
Zhu Chaoyang desviou o olhar discretamente:
— O pai estes dias deve andar ocupado com o assunto da vaca pequena, não?
— Claro! — Zhou Chunhong bufou, cada vez mais irritada. — Ouvi dizer que o teu pai anda todos os dias na fábrica, a chorar com a vaca pela filha morta! Olha que o Zhu Yongping tem cá um feitio! Conheço-o há tantos anos e nunca o vi derramar uma lágrima, e agora, por causa da vaca, chora como se o mundo fosse acabar. Se ele te ligasse metade do que liga àquela vaca, a tua vida já seria outra!
Zhu Chaoyang disse em voz baixa:
— Então... achas que o pai agora vai dar-nos mais dinheiro?
— Isso depende da consciência dele! Só tem a ti como filho, qualquer pai normal já te punha num pedestal, quanto mais não fazer nada por ti! Mas aquela vaca é o feitiço dele, mal a vê perde o juízo. Se ele te vai dar mais dinheiro, vai depender da cara que ela fizer!
Zhu Chaoyang mordeu os lábios, e perguntou com cuidado:
— Mãe, sabes como é que a vaca morreu?
— Não caiu do Palácio da Juventude? Tu não estavas lá nesse dia?
— Pois... Eu estava, mas não sabia que era ela. Só soube depois, quando tu disseste. Mas como é que ela caiu?
— Ouvi dizer que foi... — Zhou Chunhong parou, ia dizer "violada", mas lembrou-se de que o filho ainda era novo e mudou de palavra. — Parece que foi um homem adulto que lhe fez mal e depois a atirou pela janela. A polícia anda a investigar. Hoje, quando voltei, vi um cartaz na loja da esquina a oferecer recompensa por informações.
— Um homem adulto? — Zhu Chaoyang ficou atordoado. Ele sempre temera que a polícia descobrisse que tinha sido ele a empurrar Zhu Jingjing. Como é que agora diziam que tinha sido um homem adulto? Preocupado, insistiu:
— Alguém viu esse homem?
Zhou Chunhong abanou a cabeça:
— Ninguém viu, por isso é que a polícia não consegue apanhar ninguém.
— Então como é que sabem que foi um homem adulto?
Zhou Chunhong hesitou e respondeu, a fugir à questão:
— Foi o que ouvi dizer por aí. Dizem que a polícia encontrou uns pelos na boca dela, e que eram de homem adulto.
Zhu Chaoyang pensou por um instante e logo percebeu: eram os pelos do Haozi, claro. Por isso a polícia pensava que era um homem adulto. Ele respirou de alívio — assim ninguém iria desconfiar dele. Mas, ao mesmo tempo, sentiu-se inquieto: se a polícia descobrisse o Haozi, e os pelos fossem ligados a ele, mais cedo ou mais tarde, iam perceber que ele, Zhu Chaoyang, é que tinha empurrado a rapariga.
Por isso, era fundamental garantir que Haozi e Pupu tivessem um lugar seguro para viver.
Zhou Chunhong voltou a insistir:
— Chaoyang, não vás mais ao Palácio da Juventude.
— Porquê?
— Agora há muitos pais que não deixam os filhos ir lá. Dizem que anda lá um tarado.
— Mas eu sou rapaz, não faz mal, pois não?
Zhou Chunhong pensou um bocado e depois disse:
— Mesmo assim, não vás sozinho para sítios afastados. Hoje em dia há de tudo, sabes? Tens de ter cuidado!
— Está bem, mãe. Eu já sou crescido, não vai acontecer nada. — Zhu Chaoyang sorriu-lhe, para a tranquilizar.
Na manhã seguinte, mal Ye Jun tinha chegado à esquadra, um dos agentes veio logo avisá-lo:
— Irmão Ye, a mãe da Zhu Jingjing, a Wang Yao, está cá. Disse que sabe quem é o assassino e quer falar contigo pessoalmente.
Os olhos de Ye Jun estreitaram-se de imediato:
— Leva-a já para dentro!
Pouco depois, Wang Yao entrou no gabinete, com os olhos injetados de sangue e fixou Ye Jun com um olhar firme e sombrio:
— Agente Ye, vocês têm MESMO de apanhar o assassino! Não podem deixar esse monstro ficar impune!
Ye Jun assumiu um ar sério:
— Pode ficar descansada. Vamos fazer tudo para encontrar o criminoso. Disse que sabe quem é? Quem é?
Wang Yao respondeu com frieza:
— É o filho do meu marido com a ex-mulher dele. O Zhu Chaoyang.
— Zhu Chaoyang? — O nome soou familiar a Ye Jun. Pensou por um momento. Aquele nome não era de um colega da filha dele? Um rapaz que, segundo sabia, estava sempre em primeiro lugar nas provas da escola. Não tinha a certeza se seria o mesmo miúdo. Eles sabiam que Zhu Yongping tinha sido casado antes, mas nunca tinham dado importância a esse passado, pois à partida não tinha relação com o caso.
Wang Yao sentou-se à frente do computador de Ye Jun e abriu novamente o vídeo das câmaras de vigilância, avançando até ao momento exato que tinha memorizado.
No vídeo via-se claramente o átrio do rés-do-chão do Palácio da Juventude, com várias crianças a correr de um lado para o outro.
Primeiro, entrava uma menina — a Zhu Jingjing. Depois, mais algumas crianças, em grupos. Cerca de um minuto depois, apareciam dois adolescentes, um rapaz mais alto e uma rapariga baixinha. A seguir, entrava sozinho um rapaz franzino, com uma t-shirt amarela pálida, que parou por uns segundos a olhar à volta, antes de seguir caminho e sair do enquadramento.
Wang Yao apontou para esse rapaz:
— É ele. O Zhu Chaoyang. Filho do meu marido com a ex-mulher. Foi ele que matou a minha filha!
Ye Jun e o agente ao lado trocaram um olhar confuso. Depois, Ye Jun perguntou:
— Quantos anos tem ele?
— Catorze.
— E por que diz que foi ele quem matou a sua filha?
Wang Yao respondeu séria:
— Entre todos os miúdos que aparecem, eu só reconheço ele.
Ye Jun endireitou-se na cadeira, pigarreou e insistiu:
— Então… para além disso ?
— Ele odeia-me a mim e à Jingjing. Foi por vingança que ele a matou!
Ye Jun, com experiência em lidar com este tipo de acusações familiares, percebeu logo o que estava por trás. o filho do primeiro casamento passa a ter conflitos com a nova mulher e os filhos dela — uma situação demasiado comum. Afinal, qual é a criança que não sente raiva da mulher que lhe 'roubou' o pai?
Ye Jun, que até tinha esperança em algo mais sólido, sentiu-se desapontado. Aquele rapaz era claramente um miúdo, totalmente diferente do perfil do criminoso que procuravam. Tentou manter a calma:
— Para além de suspeitar que ele vos odeia, tem mais alguma prova?
— Isso não chega? — Wang Yao arregalou os olhos, como se acusasse Ye Jun de querer proteger o rapaz.
Ye Jun respirou fundo:
— Não, não chega. Precisamos de provas concretas. O que diz é só a sua suspeita.
— Querem provas? Veja bem o vídeo! A Jingjing entra no Palácio da Juventude e, passado pouco mais de um minuto, ele entra logo atrás. — Wang Yao avançou o vídeo e continuou: — E depois, mal a Jingjing morre, ele é um dos primeiros a sair dali.
Ye Jun explicou com calma:
— Depois do que aconteceu à tua filha, toda a gente no Palácio da Juventude soube quase de imediato. Houve muitos a correr lá para fora para ver o que se passava. Se alguém, ao ouvir aquele alvoroço todo, continuasse lá dentro como se nada fosse, isso sim, seria suspeito. Pelo contrário, eu acho normal que o Zhu Chaoyang, de quem falas, tenha saído logo depois do que aconteceu à tua filha.
Wang Yao não se deixou convencer e ripostou de imediato:
— E antes disso? Antes do crime? Por que é que, mal a Jingjing entrou no Palácio da Juventude, passado apenas um minuto, o Zhu Chaoyang entrou logo a seguir? Vocês viram com os vossos olhos! Quando ele entrou, ficou parado ali no átrio, a olhar de um lado para o outro, como se estivesse à procura de alguém. Aposto que estava à procura da Jingjing! Ela tinha acabado de chegar, e ele já foi atrás. Acham mesmo que isto é uma coincidência?
Ye Jun hesitou. Tinha de admitir que o argumento fazia algum sentido, mas o perfil físico do rapaz não encaixava no que sabiam do crime. Afinal, o criminoso tinha forçado a vítima a praticar sexo oral — algo difícil de associar a um rapaz de catorze anos.
Foi então que Zhu Yongping entrou bruscamente no gabinete:
— O que estás aqui a fazer? Anda lá para casa!
Wang Yao afastou-o com um safanão:
— Tu é que não queres admitir que o teu filho matou a nossa filha! Não queres aceitar!
— Estás a falar disparates! O Chaoyang nunca faria isso! Vamos para casa. — E, dirigindo-se aos polícias, envergonhado: — Desculpem, a minha mulher está muito abalada… desculpem mesmo.
Ye Jun, acostumado a lidar com o sofrimento das famílias, tentou acalmá-los, mas Wang Yao não arredava pé:
— Vocês têm de prender o Zhu Chaoyang! Foi ele! Não pode ser coincidência ele entrar logo depois da Jingjing e sair logo após a morte dela! Foi ele, tenho a certeza!
No final, perante tanta insistência, os agentes acabaram por pedir que explicassem melhor a relação familiar com o rapaz — o nome completo, onde vivia, como era a relação com o pai e a madrasta. Registaram tudo e disseram que iriam investigar, conseguindo, com algum custo, acalmar Wang Yao e convencê-la a ir para casa.
Quando finalmente ficaram sozinhos, o ambiente na sala aliviou um pouco.
— Esta mulher... — comentou um dos agentes, abanando a cabeça. — Percebo a dor dela, mas acusar o filho do marido, e logo um miúdo, parece-me demais.
Ye Jun, no entanto, estava pensativo:
— Ainda assim, há algo que não bate certo. Vocês viram? A Jingjing entrou, e um minuto depois, o Zhu Chaoyang também. Parou ali a olhar... talvez procurasse alguém.
— Mas ele é só um puto. Nem parece ter crescido ainda, deve ter metro e meio, no máximo. — retorquiu o agente.
— Hoje em dia, aos treze ou catorze anos, os miúdos já estão desenvolvidos. Podem ter desejos, capacidades... — disse Ye Jun.
— Mas, Irmão Ye, o exame forense diz que os pelos encontrados eram claramente de um adulto. Ele ainda nem parece ter pelos. — rebateu outro, pegando na ficha: — Treze anos e meio, no oitavo ano do Colégio Qiushi. Não consigo imaginar esse rapaz a fazer uma coisa destas...
Ye Jun folheou o relatório:
— Qiushi... A minha filha também está nesse colégio, e também no oitavo ano. — suspirou, pensativo. — Este Zhu Chaoyang é o colega de turma dela. Sempre o primeiro da turma. Já lhe disse para se inspirar nele, mas ela nunca gostou da ideia.
— Se é o melhor da turma, então menos provável ainda que seja o assassino. — comentou o agente. — Quando a Wang Yao disse que sabia quem era o criminoso, achei que o caso estava resolvido. Afinal...
Ye Jun acenou lentamente:
— Mesmo assim, aquela coincidência no vídeo… não posso ignorar. Temos de falar com ele. Saber o que fazia lá. Pode até dar-nos alguma pista nova.
Os agentes, após refletirem, acabaram por concordar com um aceno sério.
Desde que ontem a Pupu e o Haozi se mudaram para a casa do assassino, Zhu Chaoyang passou a noite inteira em sobressalto.
Aquela oferta do assassino de lhes emprestar a casa para viverem, dificilmente seria por bondade. Mas ontem não havia outra escolha.
Dois miúdos como Pupu e Haozi quererem alugar uma casa por si só era algo irreal — ninguém aluga casa a crianças, e provavelmente até suspeitariam que eles fugiram de casa e chamariam a polícia. Se fossem levados pela polícia, acabariam no orfanato outra vez, e pior ainda, a verdade sobre a morte de Zhu Jingjing poderia vir à tona — isso seria o fim do mundo. Por outro lado, eles também não podiam continuar a viver na sua casa, pois a mãe certamente estranharia.
Já tinha passado uma noite, e como nenhum deles tinha telemóvel, não havia maneira de saber como estavam Pupu e Haozi.
Naquele momento, Zhou Chunhong tinha saído para ir ao mercado e Zhu Chaoyang estava prestes a sair para tentar saber notícias dos amigos, quando de repente ouviu batidas à porta.
Zhu Chaoyang espreitou pelo olho mágico da porta, e logo se encolheu de susto: dois polícias de uniforme de verão!
Polícia?!
Será que era por causa da Zhu Jingjing?
O coração de Zhu Chaoyang começou a bater descompassadamente. Achava que o caso da Zhu Jingjing já tinha acalmado, mas agora com a polícia ali à porta, será que o teriam descoberto?
Escondeu-se atrás da porta, com o coração a bater muito rápido.
Se me perguntarem, o que vou dizer?
Não importava o que acontecesse, tinha de negar tudo, dizer que não sabia de nada.
"Não está ninguém? A morada está certa, não é?"
"Deve ter saído, se calhar voltamos mais tarde."
"Com este calor, vir aqui em vão... Só faltava!"
Quando os dois polícias estavam prestes a ir-se embora, a porta abriu-se de repente.
Zhu Chaoyang, tentando manter a calma, olhou para eles através da porta gradeada:
— Vocês... procuram quem?
— És o Zhu Chaoyang? — perguntou um dos polícias, um homem corpulento, de cerca de trinta e poucos anos, com um ar severo, mostrando rapidamente o distintivo. — Somos da esquadra.
Zhu Chaoyang desviou logo o olhar, evitando encará-los:
— Senhores agentes... o que se passa?
— Abre a porta, temos umas coisas para te perguntar.
Zhu Chaoyang pousou a mão na fechadura, mas hesitou e perguntou de novo:
— Mas o que querem saber?
— Só precisamos esclarecer algumas coisas. — O polícia evitou mencionar diretamente "homicídio", para não assustar o rapaz.
Depois de hesitar uns segundos, Zhu Chaoyang lá abriu a porta e deixou-os entrar.
— Querem água? Eu trago-vos água. — disse, evitando o olhar deles, enquanto se virava para ir buscar copos.
— Não, obrigado. — respondeu o polícia corpulento, sempre a observá-lo com atenção, mantendo um tom sério:
— A tua mãe não está?
— Foi às compras. Mas o que querem dela?
— Não faz mal. Na verdade, queremos falar contigo sobre umas coisas.
— No dia 4 de julho, quinta-feira passada de manhã, tu estiveste no Palácio da Juventude, não foi?
Ao ouvir "Palácio da Juventude", Zhu Chaoyang ficou petrificado, a mão que segurava o copo ficou suspensa no ar. Estava de costas para eles, por isso não viram o seu rosto.
— Lembras-te? — insistiu o polícia.
Zhu Chaoyang respirou fundo, disfarçadamente. Afinal, a polícia viera mesmo por causa do caso da Zhu Jingjing, como temia, mas ele já tinha pensado bem em tudo.
Depois de o crime, tinha imaginado todos os cenários:
Melhor seria se a polícia nunca viesse.
Se viessem, tinha de negar tudo, não podia confessar, custasse o que custasse.
Mesmo que descobrissem que foi ele, a lei protege menores de 14 anos, ele sabia disso.
Por isso, por mais que mentisse, o pior já estava previsto. Ele não temia a polícia, temia que o pai soubesse a verdade.
Zhu Chaoyang humedeceu os lábios e respondeu:
— Sim... lembro-me. Fui ao Palácio da Juventude nesse dia.
— Foste sozinho?
— Eu... sim, fui sozinho. — Disse, virando-se com dois copos de água na mão e entregando-os aos polícias com cuidado.
— Obrigado. — O polícia pegou no copo, mas nem sequer bebeu, pousando-o na mesa.
— Então, e foste lá fazer o quê?
— Fui ler.
— Ficaste o tempo todo a ler?
— Sim. — Respondeu, agora um pouco mais calmo.
Outro polícia, mais magro, perguntou:
— Vais lá muitas vezes?
— Normalmente, nas férias de verão, ou vou à livraria ou ao Palácio da Juventude para ler.
O polícia mais corpulento olhou as paredes do quarto, cheias de diplomas escolares — já sabia que o rapaz era um excelente aluno. Acenou com a cabeça e continuou:
— E a que horas saíste de lá nesse dia?
— Antes do almoço, mais ou menos.
— Antes de ires embora, aconteceu alguma coisa?
Zhu Chaoyang hesitou um pouco:
— Estão a falar da Zhu Jingjing ter caído?
— Sabes que foi a Zhu Jingjing? Viste-a cair?
— Não. Só soube depois, quando cheguei a casa e ouvi a minha mãe falar ao telefone.
— E, nesse dia, quando entraste no Palácio, encontraste a Zhu Jingjing?
Zhu Chaoyang abanou a cabeça:
— Não... não a conheço.
O polícia magro franziu o sobrolho:
— Não conheces a Zhu Jingjing?
— "Eu só a vi uma ou duas vezes."
— "Em tantos anos, só a viste uma ou duas vezes?"
Zhu Chaoyang baixou o olhar, respondendo em voz baixa:
— "O meu pai não me deixava estar com ela. Ela nem sabe que o meu pai foi casado antes, nem que eu existo."
— "É mesmo?" — O polícia mais gordo olhou para ele com um olhar complicado, mas mantendo a expressão profissionalmente séria.
— "Vimos nas câmaras do Palácio da Juventude que, naquele dia, tu entraste logo a seguir à Zhu Jingjing, e ainda olhaste à volta. O que estavas a fazer?"
Zhu Chaoyang sentiu um calafrio. Na sua cabeça de miúdo, nunca tinha pensado que a polícia pudesse usar câmaras de vigilância.
Perante o tom incisivo do polícia, só lhe restava manter-se firme na negação, com um ar inocente:
— "Eu nem a conheço, não a segui! Fui lá só para ler. Depois ouvi dizer que alguém tinha caído lá fora e fui ver, mas já estava cheio de gente e não vi nada. Voltei para casa, e só à noite, quando a minha mãe falou ao telefone, é que soube que era a Zhu Jingjing que tinha morrido."
Os dois polícias trocaram um olhar rápido. Não encontraram nenhuma contradição evidente.
O polícia magro observou atentamente os braços de Zhu Chaoyang. Segundo o perito forense Chen, a pele encontrada na boca da Zhu Jingjing não era da zona genital, mas sim semelhante à pele das mãos. Zhu Chaoyang, no entanto, não tinha qualquer ferida ou arranhão nas mãos, o que os fazia suspeitar ainda menos dele.
Continuaram a fazer-lhe perguntas sobre o que tinha feito naquele dia, e Zhu Chaoyang manteve sempre a mesma versão: foi ao Palácio da Juventude ler e não sabia de mais nada.
No final, pediram-lhe para recolher impressões digitais e uma amostra de sangue.
Zhu Chaoyang perguntou, desconfiado:
— "Para quê?"
Os polícias não quiseram dar detalhes:
— "É um procedimento normal de investigação."
Zhu Chaoyang acabou por aceitar.
Quando os polícias se preparavam para sair, Zhou Chunhong chegou das compras. Ao ver os polícias, ficou imediatamente inquieta e perguntou o que se passava.
Assim que percebeu que estavam ali para falar com Zhu Chaoyang, desatou aos gritos:
— "Estão a dizer que o meu Chaoyang tem alguma coisa a ver com a morte da Zhu Jingjing?!"
O polícia mais gordo abanou a cabeça, tentando acalmá-la:
— "Não, senhora, é só parte da investigação."
Zhou Chunhong não se conformava:
— "Investigação?! Porque é que estão a investigar o meu filho?!" — e de repente, gritou ainda mais alto, exaltada:
— "Foi o Zhu Yongping que vos mandou aqui, não foi?! Esse animal do Zhu Yongping! A filha dele morre e ele ainda vem meter a culpa no próprio filho? Digam-me, que tipo de pai faz uma coisa destas?!"
Os dois polícias não sabiam o que responder. Se dissessem que sim, estariam a revelar informações confidenciais, se dissessem que não, estariam a mentir.
Acabaram por dizer algumas palavras vagas, a tentar acalmá-la, e saíram rapidamente.
Zhu Chaoyang ficou parado por um momento, depois entrou no seu quarto e fechou a porta.
Zhou Chunhong olhou para a porta fechada do filho, pensativa. Tinha-se exaltado tanto a insultar o Zhu Yongping que agora receava ter magoado o filho. Afinal, o Zhu Yongping era o pai dele, gostasse ela ou não. E se calhar o Chaoyang sentia-se dividido por dentro. Limpou os olhos, suspirou e foi para a cozinha fazer o jantar.
Mas Zhu Chaoyang não estava fechado no quarto por causa das palavras da mãe. O que o preocupava era outra coisa.
Recordava, nervoso, o interrogatório que acabara de ter. Quando os polícias lhe perguntaram se tinha ido sozinho ao Palácio da Juventude, ele disse que sim — e eles pareceram acreditar.
Depois, quando falaram nas câmaras de segurança, Zhu Chaoyang ficou ainda mais preocupado: será que as câmaras não apanharam a Pupu e o Haozi?
Se os polícias tivessem visto, não lhe teriam perguntado se foi sozinho, pois já saberiam que ele estava acompanhado.
Começou a repassar na mente tudo o que se passou naquela quinta-feira.
De repente, percebeu o porquê.
Na altura, quando avistaram a Zhu Jingjing na rua, e planearam "dar-lhe uma lição", Zhu Chaoyang teve medo de ser reconhecido por ela. Por isso, mandou a Pupu e o Haozi entrarem primeiro, e ele foi atrás.
Por isso, nas câmaras, ele apareceu sozinho, e o "olhar nervoso" que os polícias comentaram era ele à procura dos amigos.
Assim, ele percebeu a coisa mais importante:
"Agora, a polícia não sabe da existência da Pupu e do Haozi. Não podem saber! Se souberem, vão ligar as peças todas e perceber a verdade."
Zhu Chaoyang decidiu imediatamente: não podia ir ter com eles, nem deixá-los virem ter com ele.
Se alguém os visse juntos, o disfarce caía por terra.
À tarde, Zhu Chaoyang desceu para comprar vinho de cozinha. Assim que chegou ao rés-do-chão, avistou Pupu sentada sozinha num banco de pedra junto ao prédio ao lado. Ao vê-lo, Pupu preparou-se para correr até ele, mas Zhu Chaoyang rapidamente levou o dedo aos lábios, fazendo um gesto de "shhh", e acenou discretamente para ela, dirigindo-se apressadamente para o beco. Pupu seguiu-o de imediato.
Já dentro do beco, Zhu Chaoyang começou a correr com Pupu, atravessando várias ruelas até chegarem a uma rua movimentada, onde finalmente pararam junto a uma árvore para recuperar o fôlego.
— O que se passa? Por que é que vieste a correr? — perguntou Pupu, ofegante e com o rosto ligeiramente corado.
Zhu Chaoyang tentou acalmar a respiração e respondeu, apertando os lábios:
— Esta manhã, a polícia veio falar comigo.
— A polícia veio ter contigo? — exclamou Pupu, um pouco alto demais.
Zhu Chaoyang tossiu alto para a silenciar e, conduzindo-a para a frente, murmurou:
— Sim, por causa daquela putinha.
Pupu, caminhando ao lado dele, também baixou a voz:
— A polícia descobriu que foste tu que a empurraste?
Zhu Chaoyang abanou a cabeça, confuso:
— Não sei. Acho que ainda não sabem. Caso contrário, já me teriam prendido.
— Então, estão apenas a suspeitar de ti?
— Pode-se dizer que sim.
Pupu parou, pensativa, e disse com seriedade
— Chaoyang, eu e Haozi nunca contámos isto a ninguém. Aquele homem também não sabe de nada.
Zhu Chaoyang sorriu forçadamente, apertando os lábios:
— Sei que não foram vocês.
Pupu franziu a testa
— Mas se só nós os dois vimos o que aconteceu no Palácio da Juventude, como é que a polícia desconfia de ti?
— Disseram que há uma câmara de vigilância no rés-do-chão do Palácio da Juventude. Apanhou a putinha a entrar e, pouco depois, eu também entrei. Talvez a vaca tenha visto as imagens e suspeite que fui eu quem causou a morte da putinha. — Ele torceu os lábios e resumiu o que aconteceu de manhã.
Pupu suspirou:
— Que perigo. Estás com medo agora?
Zhu Chaoyang sorriu amargamente, abanando a cabeça e depois acenando afirmativamente:
— Não tenho medo da polícia. Afinal, estou protegido pela lei de proteção de menores. O que me assusta é se o meu pai descobrir. Não sei o que poderia acontecer.
— O que aconteceria se ele soubesse?
— Não sei, mas com certeza seria o pior cenário possível.
Pupu assentiu em silêncio, suspirando:
— Pois, se o teu pai souber que foste tu que causaste a morte da filha dele, nunca mais vai gostar de ti.
Zhu Chaoyang bufou pelo nariz, respirou fundo e levantou a cabeça:
— A propósito, estavas lá em baixo...
Antes que pudesse terminar, Pupu interrompeu:
— Ouve.
Zhu Chaoyang parou, confuso:
— Ouvir o quê?
— Esta música. — disse ela, apontando para o outro lado da rua.
Zhu Chaoyang olhou e viu um mendigo sentado no passeio, com uma coluna ao lado a tocar alto a música "Pai" dos Chopstick Brothers.
— Conheces esta música? — perguntou Pupu.
Zhu Chaoyang acenou:
— Sim, a nossa professora de música ensinou-nos esta canção.
— A sério? — Pupu sorriu, como se tivesse encontrado alguém que partilhava os mesmos gostos. — A nossa professora também nos ensinou esta música. É a minha preferida. — Começou a cantarolar suavemente:
— "Gostava tanto de, como antes, segurar a tua mão quente, mas tu não estás ao meu lado, peço ao vento que te leve saúde e paz."
Ao cantar estas linhas, os olhos de Pupu, normalmente frios, ficaram húmidos, e a voz começou a embargar.
Virou-se para ele, inspirou profundamente pelo nariz, tentando conter as lágrimas, e forçou um sorriso:
— Sempre que ouço esta música, fico... fico assim.
Zhu Chaoyang sorriu gentilmente para ela e começou a cantarolar também:
— "Sou o teu orgulho? Ainda te preocupas comigo? O teu filho cresceu..."
Pupu olhou para ele com olhos brilhantes:
— Então... és o orgulho do teu pai?
Zhu Chaoyang hesitou, o rosto escureceu um pouco, mas logo sorriu:
— De certeza que não sou. Mas o orgulho dele já não está cá. Talvez, no futuro, eu venha a ser.
Pupu olhou para ele e assentiu sinceramente:
— Sim, no futuro, serás o orgulho dele.
— Obrigado. — Zhu Chaoyang sorriu e acrescentou: — Agora, só falta saber se a polícia me vai apanhar.
— O que achas?
Zhu Chaoyang abanou a cabeça, preocupado:
— Não sei. Embora ninguém mais tenha visto o que aconteceu, menti à polícia, dizendo que fui sozinho ao Palácio da Juventude naquele dia. Felizmente, quando entrei no átrio, pedi-vos para irem à frente, e eu entrei sozinho. Por isso, nas imagens, apareço sozinho, e a polícia não sabe que vocês estavam comigo. Mas, se algum dia descobrirem que vocês também estavam lá, tudo será revelado.
Pupu respondeu com firmeza:
— Chaoyang, não te preocupes. Eu e Haozi, mesmo que sejamos enviados de volta a Pequim, nunca te trairemos.
Zhu Chaoyang abanou a cabeça:
— Não adianta. Somos crianças, não conseguimos enganar a polícia. Se souberem que vocês estavam comigo, mais cedo ou mais tarde descobrirão tudo. Por isso, o mais importante agora é que a polícia não saiba que tenho vocês como amigos. Vocês têm de encontrar um lugar seguro para ficar. Tudo depende de conseguirmos extorquir dinheiro daquele homem. Além disso, não venham ter comigo nos próximos dias. Precisamos de encontrar uma forma mais segura de nos encontrarmos, sem que ninguém nos veja.
— Hmm... que tal?
Zhu Chaoyang pensou um pouco e disse:
— Assim, todos os dias, por volta da uma ou duas da tarde, vou à livraria Xinhua e fico lá até às cinco. Se precisarem de mim, vão lá ter comigo.
Pupu assentiu:
— Boa ideia.
Zhu Chaoyang continuou:
— Além disso, o que mais me preocupa é que hoje a polícia recolheu as minhas impressões e uma amostra de sangue.
Pupu perguntou, confusa:
— Para quê?
— Nos programas de televisão, quando alguém comete um crime, a polícia verifica as impressões. Não sei se deixei alguma naquele dia.
Pupu pensou por um momento e abanou a cabeça:
— Não deixaste. Só empurraste a putinha. No máximo, tocaste na roupa dela. Como é que deixarias impressões?
Zhu Chaoyang baixou a cabeça:
— Não sei se as roupas podem reter impressões.
— E o sangue, para quê?
— Acho que é para analisar o ácido desoxirribonucleico.
— O quê?
— ADN. Aprendemos isso nas aulas de biologia. Todos os tecidos do corpo humano, incluindo a pele, contêm informações genéticas. Mas, pensei várias vezes, não fui arranhado pela putinha. Por que razão a polícia quer o meu ADN?
Pupu semicerrava os olhos, pensativa. De repente, arregalou-os.
Zhu Chaoyang perguntou, intrigado:
— O que foi?
Pupu respondeu lentamente:
— Tu não deixaste nada, mas... mas o Haozi deixou. Ele foi mordido pela putinha, e até sangrou.
Zhu Chaoyang também arregalou os olhos e respirou fundo:
— Então, mais do que nunca, o Haozi não pode ser descoberto. Temos de encontrar um lugar seguro para vocês ficarem até completarem dezoito anos e poderem viver independentemente. Não podemos deixar que a polícia vos apanhe. A nossa esperança está naquele homem. Temos de conseguir extorquir dinheiro dele e, além disso, temos de parecer confiantes, sem deixar que ele perceba que também temos segredos que a polícia pode descobrir.
— Certo, eu já disse isso ao Haozi. Não podemos demonstrar qualquer hesitação, senão ele vai perceber.
Zhu Chaoyang acenou com a cabeça, retornando ao assunto inicial: “A propósito, por que estavas à porta do meu prédio hoje?”
Pupu franziu o sobrolho de imediato e disse em voz baixa: “Suspeito que aquele homem tenha revistado a casa enquanto eu e o Haozi estávamos fora.”
Zhu Chaoyang contraiu ligeiramente o canto dos olhos e perguntou: "Como é que sabes disso?"
“A linha de lã que estava presa na porta do armário.”
“A linha caiu?”
“Não, a linha não caiu, mas estava fora do lugar. Lembro-me claramente de que havia uma mancha de tinta onde a linha estava presa, mas depois percebi que a linha estava um centímetro acima da mancha.”
“Vocês saíram?”
“Sim. De manhã, aquele homem apareceu, deu-nos algumas centenas de yuan como mesada e também alguns cupons de desconto do KFC. Disse que havia um KFC do outro lado da rua e sugeriu que fôssemos almoçar lá. Ele mencionou que tinha assuntos a tratar e que voltaria amanhã para nos ver. Tentou, com várias artimanhas, obter informações sobre a nossa casa, mas conseguimos contornar todas as suas perguntas. No final, apenas disse que, se precisássemos de algo, era só pedir, e então foi-se embora. Ao meio-dia, o Haozi e eu saímos para comer no KFC. Quando voltámos, notei que a linha de lã estava deslocada um centímetro. Não consegui perceber se algo dentro do armário tinha sido mexido. Perguntei ao Haozi, e ele garantiu que não tinha tocado no armário. Achei isso suspeito e vim falar contigo. Sabia que a tua mãe estava em casa, então não subi. Fiquei à espera lá em baixo para ver se saías. Esperei duas horas.”
Zhu Chaoyang, com um olhar de culpa, disse: “Desculpa por te ter feito esperar tanto tempo.”
“Não é tua culpa; tu não sabias que eu estava lá em baixo. Estava a pensar que aquele homem deve ter vindo procurar a câmara. Não sei se, no final, ele estará disposto a pagar para a recuperar ou se continuará a usar outras artimanhas.”
Zhu Chaoyang franziu profundamente a testa, ponderou por um momento e disse: “Parece que esse homem é extremamente meticuloso. Vê, ele claramente remexeu nas coisas, mas tudo está intacto, sem sinais de ter sido mexido. Até a linha de lã que colocaste foi notada por ele; ele a recolocou exatamente como estava, apenas com uma ligeira diferença de posição que só tu conseguiste perceber.”
“Hmm... O que achas que devemos fazer a seguir?”
“Acho que o melhor é manterem-se calmos, como se nada tivesse acontecido, e observar os acontecimentos. A câmara não está convosco, e vocês vivem separados de mim; ele certamente não se atreverá a fazer-vos mal. No final, não terá outra opção senão pagar para garantir a sua segurança.”
“Hmm, és mesmo esperto. Vou seguir o que disseste.”
“Combinado. Tenho de voltar para casa; a minha mãe pediu-me para descer e comprar vinho. Tu também deves regressar.”
— Ye, recolhemos as impressões digitais e o ADN do sangue de Zhu Chaoyang. Acabámos de receber os resultados do médico legista: o ADN não corresponde e não encontrámos as impressões dele no vidro da janela. Já era de esperar — disse o polícia gordo, atirando dois relatórios forenses para cima da mesa e franzindo os lábios. — Este miúdo é muito baixo, a tua filha é mais alta do que ele. Parece que ainda nem lhe cresceu o buço, deve estar apenas a começar a puberdade. É completamente impossível que seja o assassino.
Ye Jun lançou um olhar aos relatórios e sacudiu a cinza do cigarro.
— Como é que ele se comportou durante o interrogatório?
— Estava um pouco nervoso. É normal, é uma criança. Ver dois polícias a investigar um homicídio, claro que fica assim. Mas o miúdo é muito educado. Quando chegámos, serviu-nos água. As paredes da casa estavam cheias de diplomas. Não é à toa que é o primeiro da turma.
— É mesmo? — Ye Jun baixou a cabeça, pensativo. — Então, foi apenas coincidência ele ter entrado no Palácio da Juventude logo a seguir à Zhu Jingjing?
O polícia gordo respondeu com convicção:
— Parece-me que a Wang Yao é que tem uma imaginação fértil. A casa do Zhu Chaoyang é muito pequena, não deve ter mais de 50 ou 60 metros quadrados. É um apartamento antigo e sujo, sem móveis ou eletrodomésticos de qualidade. Nem ar condicionado têm. Este verão está a ser escaldante, e eles vivem com um ventilador. O pai dele, Zhu Yongping, é um empresário milionário. Consegue acreditar nisto?
Ye Jun resmungou:
— O Zhu Yongping e a mulher dele andam por aí em carros de luxo e mudaram de casa várias vezes, mas o filho vive assim? É revoltante.
O polícia gordo assentiu:
— Depois fomos à fábrica dele e falei com alguém que conheço lá. Disseram-me que a Wang Yao controla as finanças do Zhu Yongping e não permite que ele dê dinheiro ao filho do primeiro casamento. Houve várias discussões quando ela descobriu que ele dava dinheiro às escondidas. A mãe do Zhu Chaoyang trabalha a vender bilhetes num ponto turístico, ganha pouco mais de mil yuan por mês. Quando soube que íamos investigar o Zhu Chaoyang, não nos largou, insultou o Zhu Yongping que suspeitou do próprio filho.
Ye Jun ficou em silêncio por um momento, refletindo:
— Se pensarmos bem... Mesmo que as impressões e o ADN não coincidam, o Zhu Chaoyang e a Zhu Jingjing são filhos do mesmo pai, mas vivem vidas completamente diferentes. O Zhu Chaoyang teria um motivo para matar a Zhu Jingjing. Deve odiar a atual mulher e filha do pai. Será que ele contratou algum delinquente para fazer isto?
O polícia gordo abanou a cabeça:
— Impossível. Dizem que ele é muito comportado na escola, só pensa em estudar e não se envolve com más companhias. Além disso, ele mal conhece a Zhu Jingjing.
— Ele não conhece a Zhu Jingjing? — Ye Jun ficou surpreso. Afinal, ela é a meia-irmã dele.
O polícia gordo assentiu:
— Esta manhã falei com o Zhu Yongping. Ele disse que a filha morreu e a mulher não conseguiu lidar com isso, por isso começou a suspeitar do filho. Sempre se encontrou com o filho às escondidas. O Zhu Chaoyang e a Zhu Jingjing só se viram pela primeira vez na semana passada. Realmente, não se conheciam. Ouvi dizer que, na semana passada, a mulher dele levou a filha para passear e o Zhu Yongping chamou o filho à fábrica. Mas a mulher voltou mais cedo com a filha e encontraram-se por acaso. Nessa altura, o Zhu Yongping disse que o filho era sobrinho de um amigo, não admitiu que era o filho dele.
— Porquê?
— O Zhu Yongping e a mulher esconderam da filha que ele já tinha sido casado e tinha um filho do primeiro casamento. Ninguém sabe o que se passa na cabeça dele. Sempre mimou muito a filha e mal se preocupa com o filho. Que tipo de pai é este?
Ye Jun suspirou:
— Pais assim não são raros. Depois do divórcio, muitos cortam relações com a ex-mulher e os filhos. Alguns nem reconhecem os filhos. O Zhu Yongping ainda dá dinheiro ao filho às escondidas, comparado com outros, não é o pior. Mas quem sofre são sempre as crianças. O Zhu Chaoyang é mesmo um coitado.
— Pois é. Agora que a Zhu Jingjing morreu e suspeitam dele, imagina o que ele pensa do pai? Muitas crianças de famílias divorciadas acabam por se desviar. Vê os delinquentes que apanhamos na esquadra, muitos são filhos de pais divorciados e sem supervisão. Um miúdo como o Zhu Chaoyang, que é o melhor aluno da escola, é raro. Esta manhã, ao ver a expressão dele e da mãe, até me arrependi de ter ido lá.
Ye Jun assentiu levemente. As suspeitas iniciais que tinha sobre Zhu Chaoyang dissiparam-se completamente, dando lugar a uma profunda compaixão.